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30 de Abril de 2024

Trabalhadora que teve o casamento prejudicado por exigência de jornadas muito extensas deve ser indenizada por dano existencial

Uma empregada da América-Latina Logística (ALL) deve ser indenizada em R$ 20 mil por danos causados aos seus projetos pessoais, devido à exigência patronal de jornadas extensas. Ela trabalhou por quase cinco anos das 8h às 20h, entre segundas e sextas-feiras, nos sábados das 8h às 16h e, em dois domingos por mês, das 8h às 13h, com uma hora diária de intervalo. Para os desembargadores da 4ª Turma do TRT da 4ª Região (RS), a carga horária, bastante superior ao limite fixado pela Constituição Federal, gerou dano existencial à trabalhadora, já que acarretou no fim do seu casamento por causa de desentendimentos gerados pela sua ausência. O dano existencial ocorre quando uma exigência ou permissão patronal prejudica a realização de projetos de vida do empregado, ao violar o direito à convivência familiar e social, bem como ao descanso e ao lazer.

Em primeira instância, o juiz Max Carrion Brueckner, da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, arbitrou o valor da indenização em R$ 67,8 mil. Os desembargadores da 4ª Turma do TRT-RS, apesar de confirmarem o entendimento do magistrado de origem, decidiram diminuir o montante para R$ 20 mil. As partes ainda podem recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Projeto de vida frustrado

No embasamento do seu ponto de vista, o relator do recurso na 4ª Turma, desembargador André Reverbel Fernandes, utilizou-se de ensinamentos do jurista Júlio César Bebber, quanto à conceituação do dano existencial. Para Bebber, este tipo de dano (também chamado dano ao projeto de vida) é toda lesão que compromete a liberdade de escolha de alguém e frustra a realização de um projeto de vida. A denominação existencial, segundo o estudioso, justifica-se porque o impacto da lesão causa um "vazio existencial" ao comprometer a gratificação que a pessoa teria se realizasse seu projeto como traçado.

O jurista também observa que o dano existencial independe de repercussão econômica ou social, além de não se referir à esfera íntima, característica do dano moral. Para sua configuração, do ponto de vista de Bebber, o dano existencial precisa frustrar uma realização pessoal, fazendo com que a vida da pessoa atingida precise ser reprogramada, diante das renúncias que ela teve que fazer e das limitações impostas pela conduta danosa.

Casamento rompido

No caso dos autos, conforme o relator, as condições de trabalho da empregada comprometeram a rotina da vida pessoal. O magistrado destacou que além da carga horária extensa, ela precisava comparecer eventualmente na empresa durante suas folgas de domingo e também fazer viagens ao interior do Rio Grande do Sul. Para Reverbel, ficou comprovado nos autos que esta rotina de trabalho afetou o casamento da reclamante, que se separou por desentendimentos gerados por não estar em casa na maior parte do tempo.

Estas alegações foram confirmadas por testemunhas e pelo próprio depoimento da trabalhadora, classificado pelo juiz de primeira instância como sincero e "sem sombra de dúvidas" verdadeiro, já que a empregada apresentou forte emoção e tristeza ao fazer o relato. "Resta, portanto, demonstrada que a reclamada provocou lesão existencial à reclamante", concluiu Reverbel, que também citou julgamentos anteriores do TRT-RS no mesmo sentido.

No entendimento do desembargador Marcelo Gonçalves de Oliveira, também integrante da 4ª Turma, as jornadas extensas não geram dano existencial por si mesmas, já que, normalmente, a violação ao convívio familiar e ao lazer é transitória e não compromete de forma definitiva o curso da vida traçado pela pessoa. Para o magistrado, é necessário que um projeto de vida seja comprometido e que isso esteja comprovado nos autos. "Neste caso, a trabalhadora conseguiu comprovar que se separou devido à exigência da empresa", destacou. Processo 0001533-23.2012.5.04.0006 (RO)

(Texto: Juliano Machado - Secom/TRT4)

Esta notícia tem caráter meramente informativo. Os pontos de vista jurídicos expostos no texto não representam, necessariamente, o entendimento majoritário do TRT da 4ª Região a respeito da matéria. Conheça a composição do TRT-RS ( Órgãos Julgadores de segunda instância) e das Varas do Trabalho ( unidades judiciárias de primeira instância).

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6 Comentários

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Mas por que aceitou esse trabalho até o casamento terminar?
Não foi uma opção por uma renda maior?
com certeza a carga horária dessa moça é extenuante,mas, por que não denunciou a ALL no ministério do trabalho?
obs.. Emoção e choro na hora do relato pode ser "ensaiada". continuar lendo

Jorge Delmar, sabe que na prática sair de um emprego e ficar à deriva é bem complicado. Deves saber que muitos empreendimentos "forçam" disfarçadamente para que o funcionário se doe à organização, impossibilitando a vivência familiar. Isso não é o caso somente desta mulher, mas uma prática muito comum na vida corporativa. Além disso, como os representantes sindicais praticamente não existem mais no Brasil, o equilíbrio entre empregado & empregador pende, necessariamente, para o lado do mais forte (empresa), mesmo que a Justiça do Trabalho buscar auxiliar a parte mais fraca (trabalhador). Não tenho intenção de demonizar as empresas, pois são essenciais para o sistema de emprego e renda, no entanto, as próprias organizações já destinam recursos para processos judiciais (previsão de orçamento) trabalhistas, uma vez que estão cientes dos abusos frente ao empregado. Contudo, a grande maioria dos empregados não busca seus recursos no judiciário, ou seja, esse prática tende a se perpetuar, pois as indenizações (R$ 20 mil) podem ser consideradas irrisórias à empresa, mas altamente nefasta à vida de um ser humano. Esse caso é um caso em milhões, mas já é o início, para que os "Recursos Humanos" realmente comecem a ser mais valorizados enquanto tal, saindo do papel as "boas intenções" da Gestão de Pessoas no mundo corporativo, tanto defendidas pela Ciência da Administração. continuar lendo

Acho engraçado a pessoa se submeter à tal "abuso" durante 5 anos e só agora alegar um dano ocorrido.

Discutível porém a questão do medo de um desemprego por não se adaptar às exigências da empresa a qual labora.

De qualquer forma discussão há, contudo creio que a decisão não foi acertada. A pessoa busca uma situação, sabe que irá se submeter à uma jornada extensa com inúmeras responsabilidades e depois a culpa pelos problemas pessoais fica a cargo da empresa?

Tema interessante para discussões. continuar lendo

Luiz Henrique dentro da esfera Trabalhista, para as empresas é melhor sugar um funcionário do que contratar:
Ex: Func. 1 salário - 5.000,00 (encargos) + extras 2.000,00 = R$ 7.000,00

Contratar + 1 func. 5.000 + encargos = soma dos funcionários R$ 10.000,00

Ou seja diferença de R$ 3.000,00 * 12 = 36.000 * 60 (5 anos) = R$180.000

Indenização de R$ 20.000,00 a ALL esta rindo até agora da decisão, pois economizou 160.000 só com este funcionário.

Sendo assim porque as empresas continuam desrespeitando o direito do trabalhador ? Resposta é vantajoso.
Se as empresas seguisse as Leis Trabalhistas não precisaria pagar indenização, vale lembrar que o MP no brasil inteiro estão recebendo denuncias em que várias empresas estão obrigando os funcionários a fazer extras, caso contrário é demitido.

Abraço, continuar lendo

Edmárcio, a questão nesse caso não é a empresa, e sim a decisão da funcionária.

Entendo perfeitamente que as empresas acolhem esse "risco" de não se comportarem conforme a lei pois o prejuízo é menor, contudo não estou me reportando à essa questão.

A funcionária teve, durante 5 anos, a opção de não se submeter à uma jornada excessiva e outros ônus do trabalho. Passou 5 anos sem cogitar buscar um novo emprego. Ao meu ver, quando alguém se dispõe a trabalhar em uma jornada excessiva, tendo conhecimento disso, está, no mínimo ciente de eventuais prejuízos que poderão ocorrer em sua vida pessoal, como a falta de tempo para realizar outras atividades.

Se a empresa colocou na mesa quais seriam as condições de trabalho para aquela função e a obreira concordou, e mais, permaneceu assim durante 5 anos, onde está o dano existencial criado pela empresa?

Acho muito forçada a decisão de culpar o empregador por esse ocorrido.

Abraço. continuar lendo

Trabalho em uma Multinacional, o que as empresas estão sugando cada vez mais o trabalhador, a denuncia no Ministério do Trabalho praticamente não é aceita se não tiver um bom sindicato, acredito que as indenizações teria que ser maiores pois as empresas tem até provisionamento para pagar as mesmas, ou seja sabem que estão errado e continua fazendo, se a ALL tivesse respeitado o direito do trabalhador perante a CLT não teria que pagar ações judiciais. continuar lendo