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30 de Maio de 2024
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    Uma clara esquiva ao dever de fundamentar as sentenças

    Publicado por Espaço Vital
    há 8 anos

    Ainda (e sempre) a motivação das sentenças

    Artigo recente da ilustre Advogada Sílvia Correa, aqui publicado dias atrás, versa questão relevante e de grande atualidade – embora corresponda a um velho e sentido problema da advocacia e da jurisdição, ponto frequente de divergências e malentendidos entre os operadores do processo. É o tema hoje tratado no art. 489, § 1º, inc. IV do novo Código de Processo Civil – onde a novidade maior, na verdade, é a explicitude.

    Estamos todos habituados a ler diuturnamente, nas decisões (se assim se podem chamar) de embargos declaratórios, que “o juiz não está obrigado a responder a todos e a cada um dos argumentos das partes”, desde que a motivação exposta seja suficiente para assentar a conclusão. Realmente, o que aí se constata é clara esquiva ao dever de fundamentar, como adverte desde sempre a doutrina mais autorizada.

    O que o dispositivo legal novo fez foi iluminar um princípio já presente no sistema – fiel à linha de máxima clareza que a elaboração do novo estatuto processual seguiu; em alguns casos, como esse, no exato objetivo de conjurar praxes e usos consagrados, mas incorretos. Não por acaso, esse dispositivo foi objeto de intenso e acalorado debate, já na Comissão que elaborou o anteprojeto e em todas as instâncias ulteriores de sua discussão.

    Tomado em sua formulação literal, o texto normativo pode ocasionar certa resistência, não apenas porque se opõe ao usual, mas também porque nele se pode mesmo conter alguma demasia. A prática forense mostra que certas alegações e argumentos laterais podem realmente desbordar do relevante e até do pertinente, afastando-se do que importa: a controvérsia sobre fatos da causa e teses jurídicas conclusivas. Exigir que a decisão os esmiúce um a um, à exaustão, pode ser uma demasia.

    O que a lei não admite, e o sistema nunca admitiu, é a “escolha” pelo julgador, dentre as provas e os argumentos, daqueles que vai ou não vai analisar. Uns e outros devem ser cotejados, entre si (provas em um e outro sentido; argumentos e contraposições) e aquelas com estes. A marca da autoridade fica para o decisum, a outorga ou negativa do bem da vida pretendido. Na fundamentação, há de imperar a racionalidade. Essa é, nada mais, a garantia do contraditório substancial.

    Decidir envolve uma “escolha entre alternativas” (Castro Mendes). Mas não uma escolha aleatória ou arbitrária. Sem embargo das raízes semânticas e éticas da sententia, ela precisa ser construída sobre base racional, não por ser isso elegante, mas por ser necessário. Tudo o que pudesse inspirar uma decisão hipoteticamente diversa da proferida tem de ser visto, sopesado e confrontado, dando-se a conhecer o motivo da escolha. Se não, como justificar o processo, com seus custos e desgastes?

    Talvez nem isso baste ao convencimento das partes e da sociedade, mas é a única tentativa possível. Se alguma das partes alegou absurdos ou produziu prova imprestável, que se demonstre o absurdo ou a impertinência. A simples e dogmática assertiva de ser desnecessário o exame de outros dados – sem explicar por quê – é autoritária e denota autossuficiência incompatível com os fins de pacificação social e de satisfação dos direitos subjetivos.

    Assim é não só porque o determine o focado dispositivo legal, mas porque só assim pode haver contraditório, processo e jurisdição. E de outro modo não se explicaria a própria existência de um Poder Judiciário. As sentenças poderiam ser ditadas pelo poderoso da vez, Hitler, Stalin, o chefete político ou o guardinha da esquina.
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    Adroaldo Furtado Fabrício escreve quinzenalmente no Espaço Vital. Seu próximo artigo será publicado no dia 4 de novembro.

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