Uma nova pérola jurídica
Guaporé, 20 de março de 2019.
Ao
Espaço Vital
Ref.: Uma nova pérola jurídica
Ecoando a notícia veiculada, acerca do "estagiário cearense que suspendeu a audiência", segue outra pérola – esta oriunda aqui do RS, prolatada no último dia 19, em ação que tramita na Justiça Federal de Cruz Alta (RS).
Trata-se de “ato” subscrito por pessoa não investida de função jurisdicional, eis que sua qualificação indica ser “supervisora”.
Indica o “ato” que ele estaria sendo praticado com “... autorização prevista no artigo 203, do Código de Processo Civil de 2015 c/c 231 da Consolidação Normativa da Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região”.
O art. 203 do CPC refere-se aos pronunciamentos do juiz. Em seu § 4º autoriza que o servidor cartorário pratique “atos meramente ordinatórios”.
De outro lado, o art. 231 da Consolidação Normativa da Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região, indicado no mencionado “ato”, se refere a matéria totalmente estranha, a saber:
Art. 231. O mapa de produtividade dos Oficiais de Justiça Avaliadores será expedido no dia 5 (cinco) de cada mês e disponibilizado na intranet da Seção Judiciária, contendo os seguintes dados:
I – os nomes dos Oficiais de Justiça Avaliadores;
II – a quantidade de mandados distribuídos, classificados por tipo;
III – o total de diligências realizadas;
IV – o número de mandados cumpridos, de mandados parcialmente cumpridos e de mandados devolvidos sem cumprimento;
V – o número de mandados remanescentes;
VI – o período a que se refere o mapa.
Parágrafo único. Quanto ao resultado das diligências, o mandado considera-se:
a) cumprido, aquela cuja ordem foi executada na íntegra ou quando, existindo ordens sucessivas, o cumprimento de uma delas esgotar o objeto do mandado;
b) parcialmente cumprido, o que, contendo mais de uma ordem, tenha sido devolvido com uma ou mais ordens não executadas;
c) sem cumprimento, o que não teve executada qualquer das ordens nele contidas.
Inicialmente, se observa que há fundada dúvida acerca da NATUREZA JURÍDICA do ato mencionado, bem como do ALCANCE E EFEITOS de seus comandos.
Em se tratando de ATO DECISÓRIO, possuiria efeito imperativo sobre as partes, e portanto deve ser atacado por recurso, sob pena de preclusão.
Em se tratando de ATO MERAMENTE ORDINATÓRIO, não é atacável por recurso (art. 1001 CPC), uma vez que não possuiria nenhum efeito sobre os direitos das partes.
De outro lado, o mencionado “ato ordinatório” estabelece limitação ao valor dos honorários contratuais, sem que nele haja qualquer menção ao fundamento jurídico que o embase, o que representa violação ao disposto no art. 489, § 1º, do CPC.
O contrato particular de honorários é ato jurídico praticado entre o cliente e seu advogado, estranho à matéria posta em discussão no processo. Por força do disposto no art. 141 do CPC, a atuação jurisdicional é adstrita aos limites estabelecidos pelas partes, “... sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.
Salvo melhor juízo, a relação jurídico-contratual existente entre a parte e o seu advogado NÃO INTEGRA A LIDE, nem tampouco se constitui em matéria de ordem pública.
Portanto, não poderia ser objeto de exame jurisdicional sem que para tal haja expressa provocação.
Fica o registro da indignação deste advogado, e – imagino - de toda classe jurídica, ao acintoso desrespeito para com os mais elementares princípios norteadores da Função Jurisdicional.
Atenciosamente
Carlos Francisco Büttenbender, advogado (OAB-RS nº 34.966).
carlosfb.advogado@terra.com.br
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Nota do editor – O advogado atuante na ação informou ao EV o número do processo e enviou comprovação documental. Mas solicitou que, “por respeito à privacidade da parte, em caso de publicação, seja omitido o número do processo”.
O Espaço Vital acolheu o pedido. Seguramente, se a Corregedoria da Justiça Federal desejar, terá fáceis meios de chegar – eletronicamente, até – ao processo, apurando, esclarecendo e trazendo seu contraponto.
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