Página 186 da Judicial I - Interior SP e MS do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 2 de Junho de 2016

excluídas do pedido a ser aqui analisado. Ainda que assimnão fosse, se o caso, o processo administrativo poderia ser prejudicado pela análise judicial da questão e não o contrário. Não há, portanto, emrelação aos pedidos delimitados pela decisão saneadora do processo, falta de interesse de agir.A Usina São Martinho alegou cumulação indevida de ações, que pode ser traduzida por uma cumulação indevida de pedidos, já que uns seriamformulados emface de alguns réus e outros emface de outros. Rigorosamente analisando a petição inicial, a Usina teria razão. Contudo, o despacho saneador excluiu da lide inúmeros pedidos, de forma que o processo seguiu para apreciação das seguintes questões: (i) a condenação da Usina a não mais celebrar contratos que utilizemáreas destinadas à reforma agrária (obrigação de não fazer), comfixação de multa cominatória emcaso de descumprimento; (ii) a condenação do Itesp a não mais autorizar ou anuir comatos que importememarrendamentos de terras públicas destinadas ao Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), comfixação de multa cominatória emcaso de descumprimento; e (iii) a condenação emperdas e danos pelas ações e omissões praticadas e lesivas ao patrimônio público federal e ao Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).O pedido formulado no item (i), embora imponha condenação à Usina, envolve questão regulamentada pelo Itesp e este teminteresse na solução a ser dada. Por outro lado, o item (ii), diretamente ligado ao Itesp, também afeta a Usina. O Incra, enquanto estiver no Horto Guarany, tema posse e efetivo interesse na área e emtoda a controvérsia que envolve o assentamento. Não há, neste momento, cumulação indevida de pedidos. Por fim, o Itesp sustentou que a disputa pela propriedade do Horto Guarany entre a União e o Estado de São Paulo e posse entre o Incra e a Fundação Itesp são questões prejudiciais à análise do mérito. Não há falar emquestão prejudicial. A propriedade do Horto Florestal Guarany foi resolvida emfavor do Estado de São Paulo pela Câmara de Conciliação e Arbitragemda Administração Federal no âmbito do processo nº 04977.010850/200803. A posse ainda está sendo resolvida, mas trata-se de questão de fato, e o Incra efetivamente ainda se encontra na área do Horto Guarany, administrando seus assentados, assimcomo a Fundação Itesp tambémtema posse da área, razão por que passo a analisar o mérito do pedido emface dos dois - Itesp e Incra. MéritoCuida-se de ação popular que teve o objeto delimitado pela decisão saneadora (fls. 2399/2407), de sorte que o mérito a ser analisado a partir de agora será feito emrelação aos seguintes pedidos: (i) a condenação da Usina a não mais celebrar contratos que utilizemáreas destinadas à reforma agrária (obrigação de não fazer), com fixação de multa cominatória emcaso de descumprimento; (ii) a condenação do Itesp a não mais autorizar ou anuir comatos que importememarrendamentos de terras públicas destinadas ao Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), comfixação de multa cominatória emcaso de descumprimento; e (iii) a condenação emperdas e danos pelas ações e omissões praticadas e lesivas ao patrimônio público federal e ao Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).Pelas razões expostas no tópico anterior, extinguiu-se o feito emrelação aos agentes públicos (pessoas físicas) e a União. A lide segue entre os autores populares e a Fundação Itesp, o Incra e a Usina São Martinho. A principal controvérsia consiste emsaber se é possível, ou não, a continuidade dos contratos estabelecidos entre a Usina São Martinho e os assentados no Projeto de Assentamento Horto Guarany, coma anuência da Fundação Itesp, conforme autorização da Portaria Itesp nº 77/2004, e sabido que o Incra teminteresse na área.Pois bem. Pelo que se depreende dos autos o Horto Guarany pertencia às Ferrovias Paulistas S.A. (Fepasa), que foi incorporada à Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Quando ainda pertencia à Fepasa, o Horto Guarany foi objeto de dação empagamento ao Estado de São Paulo; já sob a direção da RFFSA e enquanto não era ultimada a transferência do domínio, em1999, o uso do Horto Guarany foi transferido à Fundação Itesp. Em2007, a RFFSA foi extinta e a União a sucedeu emdireitos e obrigações. Em2009, a guarda provisória do Horto Guarany foi dada ao Incra.O Horto Guarany é de propriedade do Estado de São Paulo. Comefeito, o Parecer nº 0133 da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - Conjur/MPOG (fls. 2460/2470) reconheceu a dação empagamento deste imóvel, entre outros, pela FEPASA ao Estado de São Paulo e foi aprovado, razão por que acolhido no processo nº

04977.0108550/2008-03, emtrâmite na Câmara de Conciliação e Arbitragemda Administração Federal.Conforme reunião realizada emjulho de 2014 (fls. 2442/2446), o local onde estão as famílias assentadas pelo Incra será desmembrado do Horto Guarany mediante compensação da área. A questão, contudo, ainda não foi definitivamente resolvida, o que legitima a posse do Incra e seu interesse na demanda. Outrossim, conforme afirmado pela fundação Itesp emcontestação (fls. 2033/2048), há utilização de recursos federais pelos assentados, o que tambémnão pode ser olvidado.Reforma agrária é competência da União, que a implanta mediante transferência de domínio da terra. Os estados, e o Estado de São Paulo emparticular, podemfazer política agrária coma valorização e aproveitamento de recursos fundiários, o que consiste na autorização de uso dos imóveis rurais, semque haja a transferência de domínio. Atualmente essas duas realidades (reforma e política agrária) convivemno Projeto de Assentamento Horto Guarany, conforme o assentamento tenha sido realizado pelo Incra ou pelo Itesp. Os autores populares questionamos contratos realizados entre a Usina e os assentados, ao argumento de tratar-se, a despeito do nome que se lhe dá, de verdadeiro contrato de arrendamento, o que seria vedado. Arrendamento, de fato, é vedado pela legislação de regência. É o que se pode observar abaixo:Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra):Art. 94. É vedado contrato de arrendamento ou parceria na exploração de propriedade pública, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.Parágrafo único. Excepcionalmente, poderão ser arrendadas ou dadas emparceria terras de propriedade pública, quando:a) razões de segurança nacional o determinarem;b) áreas de núcleo de colonização pioneira, na sua fase de implantação, foremorganizadas para fins de demonstração;c) foremmotivo de posse pacífica e justo título, reconhecida pelo Poder Público, antes da vigência desta Lei.Lei nº 8.629/93 (Reforma Agrária):Art. 21. Nos instrumentos que conferemo título de domínio, concessão de uso ou CDRU, os beneficiários da reforma agrária assumirão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou por meio de seu núcleo familiar, mesmo que por intermédio de cooperativas, e o de não ceder seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos. (redação dada pela Lei nº 13.001, de 2014) Art. 21. Nos instrumentos que conferemo título de domínio ou concessão de uso, os beneficiários da reforma agrária assumirão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, mesmo que através de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos. (redação anterior) Lei Estado SP nº 4.957/85 (valorização e aproveitamento de recursos fundiários):Art. 12. Do contrato de concessão de uso constarão, obrigatoriamente, alémde outras que foremestabelecidas pelas partes, cláusulas definidoras:I - da exploração das terras, direta, pessoal ou familiar, sob pena de sua rescisão unilateral pelo outorgante;II - da residência dos beneficiários na localidade de situação das terras;III do pagamento do preço ajustado para a concessão, se onerosa, conforme laudo técnico previsto no artigo 10 desta lei, cuja inadimplência ensejará a rescisão do respectivo contrato;IV - da indivisibilidade e da intransferibilidade das terras, a qualquer título, semautorização prévia e expressa do outorgante; 1º. (...). 2º. (...). 3º. A concessão de uso poderá autorizar parceria agrícola entre os membros do núcleo familiar residentes no lote, nas situações e formas previstas no decreto regulamentador. (redação dada pela Lei Estadual nº 16.115, de 14.01.2016) Art. 12. A concessão de uso de terras se fará por meio de contrato, de que constarão, obrigatoriamente, alémde outras que foramestabelecidas pelas partes, cláusulas definidoras:I - da exploração das terras, direta, pessoal ou familiar, sob pena de reversão ao outorgante;II - da residência dos beneficiários na localidade de situação das terras;III - do pagamento do preço ajustado para a concessão, sob pena de resolução do respectivo contrato;IV - da indivisibilidade e da intransferibilidade das terras, a qualquer título, sem autorização prévia e expressa do outorgante.(redação anterior) O arrendamento não é permitido nempelas leis federais nempela lei estadual. Todas as legislações que disciplinama questão obrigamà exploração direta da terra e impedemsua cessão, pelo menos semprévia anuência. Nota-se que o Estatuto da Terra proíbe expressamente o arrendamento e a parceria. Por outro lado, a lei do Estado de São Paulo, a partir de janeiro do ano corrente (3º), passou a permitir a parceira entre os membros do lote.O fato é que os contratos impugnados, cujos modelos podemser encontrados, a título de exemplo às fls. fls. 272/283 ou 2266/2307, são nominados como contratos de venda e compra, ao que os autores populares imputamtratar-se de contratos de arrendamento. É o que se passa a analisar, ou seja, visto que o arrendamento não é permitido, resta saber se o que se faz no Horto Guarany é compra e venda de cana-de-açúcar ou uma simulação para arrendamento de terras.O arrendamento rural está definido no art. do Decreto nº 59.566/66 como sendo o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, como objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária ou agropastoril, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei. A posse direta do imóvel é necessariamente transferida a arrendatário, que assume todos os riscos da exploração e usufrui de todos os proveitos. Da leitura do contrato se percebe, semmaiores esforços, que há ônus para ambas as partes. Veja, por exemplo, na cláusula 15 (fls. 2285, verso) que o vendedor (assentado) é responsável pela fiscalização da lavoura de cana-de-açúcar, inclusive sobre eventuais incêndios que possamocorrer, causando prejuízos junto ao meio ambiente ou terceiros, respondendo exclusivamente pelos danos que eventualmente vier a ocorrer junto aos órgãos fiscalizadores, infrações e multas, tanto na esfera administrativa como na esfera judicial (civil e criminal). Consigne-se, ainda, que o preço é estabelecido pela pesagemda cana (cláusula sétima - fls. 2285), o que equivale à produção. Essas cláusulas, mencionadas a título meramente exemplificativo, demonstrama incompatibilidade dos contratos questionados comcontratos de arrendamento. E fato que essas cláusulas poderiamser fictícias, mas, voltando à cláusula 15, que respaldo jurídico os assentados teriamcomuma cláusula dessas? Vale dizer, como obrigar a Usina a assumir qualquer ônus diante de alguminfortúnio comuma cláusula que obriga expressamente a todos os assentados? Não é crível. A leitura das cláusulas contratuais não indicamcaracterísticas de contrato de arrendamento e não se demonstrou o contrário.Nemse diga tratar-se de parceria agrícola. Nesse contrato, de fato, há maior distribuição de riscos, já que contratante cede o uso específico do imóvel a outrem, para atividade rural, mediante partilha de riscos e lucros. Contudo, nada indica que o assentado ceda o uso da terra. Pela cláusula terceira (fls. 2284, do contrato usado como exemplo), o vendedor (assentado) se declara ciente do dever de efetuar todos os serviços, desde o preparo do solo para o plantio até a colheita e transporte de cana. É certo que a Usina pode fornecer ajuda na forma de capacitação técnica, mas tambémé igualmente certa a proibição de terceirização de mão-de-obra emqualquer atividade ligada à atividade fim (parágrafo terceiro).O contrato de compra e venda, por sua vez, entendido este como a troca de uma coisa por dinheiro, no caso, cana-de-açúcar por dinheiro, se encaixa perfeitamente no modelo analisado. A compra e venda é contrato oneroso, translativo de propriedade, bilateral (cada parte assume prestação correspectiva) e geralmente comutativo, pois, no momento da conclusão, as partes conhecemo conteúdo de sua prestação. Alémdisso, pode ser de execução simultânea ou diferida. Nenhuma cláusula dos contratos impugnados contraria o conceito de contrato de compra e venda e este não é vedado pela legislação que regulamenta a reforma agrária ou mesmo a política agrária do Estado de São Paulo.Existe, ainda, umcontrato atípico denominado contrato de fornecimento, que se encaixa melhor ao contrato emquestão e, igualmente, é admissível pela legislação de regência. Leia-se:O contrato de fornecimento, muito utilizado, é atípico, não disciplinado legislativamente entre nós, empregando noções da compra e venda, locação de serviços e empreitada. O Código italiano define-o como o contrato pelo qual uma parte se obriga, mediante compensação de umpreço, a executar emfavor de outra prestações periódicas ou continuadas de coisas (art. 1559). (...).Existe, portanto, no negócio a compreensão de uma prestação periódica ou continuada. Sobreleva-se uma obrigação de dar, ao lado da obrigação de fazer. Cuida-se de um contrato que busca o abastecimento ou provisão de fornecido que necessita de coisas de forma continuada ou periódica. No negócio, existe uma obrigação de o fornecedor prover o fornecido de determinados bens. Esse fornecimento pode ser acompanhado de serviços complementares. Como percebemos, abastecer ou prover possuemconotação mais extensa do que simples entrega, como ocorre na compra e venda. Por isso, o contrato de fornecimento apresenta raio de ação mais amplo.(...) O contrato é consensual, bilateral, oneroso, comutativo, nominado, atípico, informal, de trato sucessivo ou de duração. (VENOSA, Sílvio de Salvo. DIREITO CIVIL. 3ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003. 3 v. pp. 501 e 503) A coincidência comelementos da compra e venda, mas principalmente a periodicidade (o contratos são estipulados por longos períodos), faz comque os contratos aqui discutidos se assemelhammais aos contratos de fornecimento. Observa-se tambémhaver uma prestação de serviço, não tanto por parte do fornecedor, mas particularmente da Usina, e que não é típica do contrato de compra e venda. É o que ocorre no eventual fornecimento pela Usina de mudas, adubos e herbicidas, bemcomo no auxílio no plantio e colheita (cláusula terceira parágrafo primeiro - fls. 2284).De qualquer forma, quer se trate de compra e venda, quer se trate de fornecimento, não há vedação que impeça seja firmado comos assentados do Incra ou do Itesp. É verdade que a monocultura de cana-de-açúcar não seria o ideal, mas atinge cinquenta por cento das parcelas, sobrando terra para outras culturas. Alémdisso, é a realidade da região. Não se pode impor a assentados que, comdificuldades, lutampara sobreviver e se inserir no mercado agrícola, tambéma luta contra a monocultura, particularmente de cana-de-açúcar. Há que se exigir simque eles trabalhema terra, proibindo que arrendema terra que receberame vivamde renda. Contudo, se os assentados plantamcana e vendempara Usinas, da forma emque pactuado, não há ilegalidade.A questão da suposta venda de parcelas (ou lotes) não foi objeto do pedido, razão por que não será analisada. DISPOSITIVO Ante o exposto, declaro extinto o processo semresolução do mérito emrelação a José Giácomo Baccarin, Marco Aurélio Pilla Souza, Jane Mara de Almeida Guilhen, Wellington Diniz Monteiro e Alberto Paulo Vasquez e à União (CPC, art. 485, inc. VI) e, quanto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), à Fundação Itesp e à Usina São Martinho, julgo improcedentes os pedidos comresolução do mérito e conforme delimitado na decisão saneadora - fls. 2399/2407 (CPC, art. 487, inc. I). Não se verifica má-fé no ajuizamento desta ação popular, razão por que deixo de condenar os autores emcustas e honorários advocatícios (CF, art. , inc. LXXIII).Sentença sujeita a reexame necessário (Lei nº 4.717/65, art. 19).P. R. I. C.

EMBARGOS A EXECUCA

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