Página 762 da Judicial do Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (DJRN) de 18 de Dezembro de 2014

audiência conciliatória, esta restou sem êxito. Foi o bastante a relatar. Decido. Na forma do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo antecipadamente a lide, por considerar que a matéria sob exame é unicamente de direito e dispensa a produção de provas em audiência. Consta da exordial que a autora firmou com a ré contrato de promessa de compra e venda da unidade 1301, Torre C, do Empreendimento denominado "Residencial Elza Chaves," havendo pago a quantia inicial de R$ 16.976,18 (dezesseis mil, novecentos e setenta e seis reais e dezoito centavos), quando, em razão da dificuldade financeira, parou de pagar as prestações contratadas. Demonstra interesse na rescindir do ajuste, questionando a abusividade da cláusula a qual estabelece a retenção de valores pagos. Em instante de sua defesa, a ré defende a legalidade do contrato firmado com a autora, notadamente da cláusula que prevê a retenção de parte do valor pago pelo promissário comprador que motiva a rescisão do contrato, cuja cifra é destinada à compensação da requerida por todos os gastos realizados com o empreendimento. Noutra vertente, a demandada alega que o demandante pagou 5 parcelas de R$ 2.625,81 e mais 4 pagamentos mensais no valor de R$ 549,59 e não 7 como afirma na inicial, totalizando segundo a demandada R$ 15.327,36. Ao final, requer a improcedência da ação. Já na reconvenção a ré/reconvinte requer a compensação dos valores pagos pelo autor com os gastos realizados pelo reconvinte requerendo a quantia de R$ 1.592,12 já que alega que o valor despendido pela demandada/reconvinte foi maior do que poderia ser restituído ao demandante/reconvindo. Com efeito. É consabido que o liame estabelecido entre as litigantes é de natureza consumerista, e, como tal, comporta a incidência do Código de Defesa do Consumidor, bem assim a inversão do ônus da prova. Nesse passo, cumpre não olvidar que os contratos, de maneira geral, devem ser pactuados em consonância com o estabelecido na Lei Consumerista, devendo, ainda, serem respeitadas as formas de interpretação e elaboração do ajuste, dando-se pleno conhecimento ao consumidor do conteúdo constante do instrumento, a fim de coibir desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor. Desta feita, verificada a presença de abusividade ou desvantagem exagerada imposta ao consumidor, tem-se admitido a intervenção do Poder Judiciário nas relações contratuais, cuja atuação voltada a restabelecer o equilíbrio entre as partes. Anote-se que tal intervenção é prevista e autorizada pelo Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente por seu artigo 51. Vejamos: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - Omissis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - Omissis; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V - (Vetado) VI a XVI - Omissis § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - Omissis; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. Compulsando os autos, constata-se que ficou evidenciado o inadimplemento da autora, o que inclusive é confessado pela mesma, estando, pois, autorizada a rescisão do pacto de promessa de compra e venda. Daí, exurge o dever da promitente vendedora restituir à promissária compradora os valores efetivamente vertidos no curso de execução do contrato, sob pena de se verificar claro enriquecimento ilícito de uma parte em detrimento da outra. Assim, impõe-se reconhecer a obrigatoriedade da vendedora devolver os valores pagos pela compradora, notadamente porque é consabido que a rescisão de um contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante. Todavia, é igualmente certo que, ocorrendo rescisão do contrato de promessa de compra e venda motivada por inadimplência do promissário comprador, há permissão para o promitente vendedor reter parte das prestações pagas pelo comprador arrependido, como forma de compensação pelos prejuízos suportados, especialmente as despesas administrativas havidas com divulgação, comercialização e corretagem, o pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel e a eventual utilização do bem pelo comprador. Aqui não há que se confundir o percentual de retenção - a que o vendedor tem direito - com arras, primeiro porque, apesar das arras também possuir natureza indenizatória, sua existência somente pode ser levada em consideração no momento de se fixar o percentual da prefalada retenção; segundo porque no contrato em comento não há fixação de arras, tampouco foi realizado pagamento a tal título pela promissária compradora. Sendo assim, considerando a natureza do contrato descrito nos autos e as circunstância do caso concreto; considerando ainda a soma dos valores pagos pela autora, e o entendimento consagrado na jurisprudência do STJ, segundo o qual o percentual de retenção deve ser fixado entre 10% e 25%, entendo por bem arbitrar em 20% o percentual de retenção para a hipótese posta à apreciação, dada a abusividade da cláusula que estabelece o direito de retenção. Sobre o tema, transcrevo aresto jurisprudencial do STJ. EMENTA:DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO. INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. CABIMENTO. RETENÇÃO DE PARTE DOS VALORES PELO VENDEDOR. INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SUPORTADOS. CABIMENTO. ARRAS. SEPARAÇÃO. 1. A rescisão de um contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante, sendo certo que, no âmbito dos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, em caso de rescisão motivada por inadimplência do comprador, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de admitir a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas, como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem, o pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel e a eventual utilização do bem pelo comprador.2. O percentual de retenção - fixado por esta Corte entre 10% e 25% - deve ser arbitrado conforme as circunstâncias de cada caso. 3. Nesse percentual não se incluem as arras, pagas por ocasião do fechamento do negócio e que, nos termos do art. 418 do CC/02 (art. 1.097 do CC/16), são integralmente perdidas por aquele que der causa à rescisão. 4. As arras possuem natureza indenizatória, servindo para compensar em parte os prejuízos suportados, de modo que também devem ser levadas em consideração ao se fixar o percentual de retenção sobre os valores pagos pelo comprador. Recurso especial a que se nega provimento (REsp 1224921, 3ª Turma do STJ, Relª. Min. Nancy Andrighi, j. 26.04.11- Destaque acrescido). Neste particular, buscando-se garantir o equilíbrio entre as partes sem, contudo, interferir decisivamente da manifestação de vontade das mesmas, e visando evitar a ocorrência de dano inverso contra a empresa requerida, entendo conveniente manter inalterada a cláusula contratual que dispõe sobre a forma de devolução da quantia paga no contrato. ISTO POSTO, com fundamento no artigo 269, I, do CPC, acolhendo parte do pedido autoral, extingo o feito com apreciação do mérito e julgo parcialmente procedente a pretensão deduzida na vestibular, de modo a declarar a rescisão do contrato de promessa de compra e venda avençado entre as partes, relativo ao imóvel descrito nos autos, determinando a redução do percentual de retenção a que a requerida faz jus, para 20% sobre a soma dos valores pagos pela autora (5x625,81 + 4x549,59), devendo ser corrigido pelo

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