Página 485 da Judicial do Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (DJRN) de 20 de Maio de 2015

características próprias. E por quê? Porque, em resumo, partindo do princípio interpretativo da convivência das liberdades públicas, que é um princípio da tradição da common law traduzido para o nosso Direito (de tradição civil law) como princípio da harmonia (ou da harmonização) constitucional, os mais diversos direitos individuais e coletivos precisam conviver entre si harmonicamente, ou seja, de maneira que todos os seus beneficiários sejam respeitados e ninguém desrespeite o direito alheio - ainda que tenha de recuar, para isso, um pouco do exercício do que é seu. É o que se lê claramente de voto antigo - e muito tradicional - de Celso de Mello: "Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência> das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros." (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1999, Plenário, DJ de 12-5-2000.) Vide: HC 103.236, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-6-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010. Gilmar Mendes lembra muito bem, a esse propósito, que a todo direito assegurado pela ordem jurídica corresponde um dever igualmente tutelado, e que todo direito (ou dever), por sua vez, tem limites juridicamente aferíveis - e esses limites aferíveis também possuem limites para seus limites (e assim por diante). Segundo ele, de uma análise cuidadosa pode-se extrair a conclusão direta de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição - e que tais restrições, por sua vez, são limitadas. Esses limites estão no, ou são do, ordenamento jurídico, e se referem à necessária definição do núcleo essencial do direito, liberdade, poder ou garantia a que se referem. Somente definindo o que é esse núcleo é que poderei saber com clareza a determinação imposta pelo legislador no texto-base - e onde ela começa e/ou termina. Sem isso, toda e qualquer aplicação do Direito seria problemática - um encontro entre vetores contrários e auto-excludentes porque absolutos entre si. Essa convivência "forçada", dos mais variados interesses pode exigir - e muitas vezes exige - o sacrifício de um direito, ou parte dele, em prol de outro mais merecedor da tutela estatal - e isso faz que tenhamos de nos ater a um critério: como identificar, nessa miscelânea de vontades, o que jurídica e legitimamente proteger? III.2 Do mérito em si: identificando a boa-fé objetiva como critério interpretativo para resolução de conflitos Para identificar o que proteger diante desses iminentes confrontos, necessário se faz utilizar, claro, a razoabilidade, postulado interpretativo básico, natural e intuitivo do humano, e também o que se chama de cláusula geral de boa-fé - ou seja, se o sujeito de direito está (ou não) utilizando seu direito subjetivo de modo minimamente razoável e de boa-fé. Em outras palavras: aquele que usa seu direito para se escudar do cumprimento de suas obrigações ou deveres não pode ver prevalecer sua intenção. Ele está de má-fé. Ainda que essa má-fé não seja subjetivamente verificável, ou seja, que não se queira explicitamente prejudicar o outro, mesmo assim deve, para todos os efeitos, ser objetivamente assim considerada. Para benefício daqueles que buscam o que lhes compete sem artifícios, esse é o caminho para efetivar o que merecem mediante o Poder Judiciário. E a boa-fé (assim como a má-fé) passa a ter uma acepção objetiva - conforme, aliás, bem lembra a lei: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (...) Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Além da lei, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald também consideram a boa-fé objetiva um conceito funcional e claro. Afinal, a boa-fé objetiva funciona como modelo capaz de nortear o o teor geral da colaboração intersubjetiva, devendo o princípio ser articulado de forma coordenada com outras normas integrantes do ordenamento, a fim de lograr adequada concreção. Reportando-se a boa-fé objetiva a valores compartilhados em comunidade, necessariamente haverá um balanceamento entre os interesses privados dos contratos e outros objetivos da sociedade, especialmente o bem-estar coletivo. Tal equilíbrio é dimensionado pela via da boa-fé, ao equilibrar princípios e contraprincípios, amenizando a tensão entre pólos e direções. A boa-fé determina que o direito contratual deva ser controlado, e o exercício do poder limitado, para se atingir parâmetros de decência. Esse princípio, e a magnitude que apresenta dentro da realidade jurídica nacional, são recorrentes na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ): PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC INEXISTENTE. FIANÇA SEM AUTORIZAÇÃO MARITAL. PRESTAÇÃO PELA MULHER DECLARANDO ESTADO DE SOLTEIRA. BOA FÉ OBJETIVA EM PROL DO CREDOR. IMPROVIMENTO. 1. Alegada violação do art. 535 do Cód. de Proc. Civil inexistente. 2.- A regra de nulidade integral da fiança prestada pelo cônjuge sem outorga do outro cônjuge não incide no caso de informação inverídica por este de estado de solteira, assinando, no caso, a fiadora, mulher casada, com omissão do nome do marido. 3.- A boa-fé objetiva que preside os negócios jurídicos (CC/2002, art. 113) e a vedação de interpretação que prestigie a malícia nas declarações de vontade na prática de atos jurídicos (CC/2002, art. 180) vem em detrimento de quem preste fiança com inserção de dados inverídicos no documento. 4.- Quadro fático fixado pelo Tribunal de origem e inalterável no âmbito da competência desta Corte, que vem em prol do reconhecimento da inveracidade e da malícia na prestação da fiança (Súmula 7/STJ). 5.- Inocorrência de ofensa à Súmula 332/STJ, validade da fiança, no tocante à fiadora, a comprometer-lhe a meação, sem atingir, contudo, a meação do marido. 6.- Recurso Especial improvido. III.3 Do mérito em si: da aplicação do que ficou dito acima ao caso presente: da boa-fé objetiva do exeqüente Aplicando o que ficou dito acima ao caso ora sob análise, por mais que se considere que, de fato, em abstrato, exista uma impenhorabilidade vigorando (artigo 649, X, do Código de Processo Civil) para a reserva penhorada, concretamente falando seria ilegítimo e injusto liberar a pré-falada verba no contexto presente. E isso porque (i) o executado penhorado é devedor da credora exequente; (ii) o executado sequer demonstrou interesse em juízo de resolver, ainda que parcelada e amigavelmente, a dívida averiguada, que é suficiente e terminantemente antiga; e (iii) o valor penhorado, ainda que não integral, já representa um início de pagamento - o que é, já que não suficiente, ao menos consolador para a credora postulante desta ação. Se assim é, e se o direito subjetivo certo que tem a credora - de receber aquilo que lhe é devido - também é assegurado constitucional e legislativamente (ex vi legis do artigo , XXII, da Constituição da República, e do artigo 591 do Código de Processo Civil nacional), nada mais certo que privilegiar quem usa de boa-fé (e procura o que lhe compete) em vez de privilegiar a inadimplência (que veio a sofrer restrição por sua mora recorrente). Logo, é (e seria) injusto (até uma subversão ao dever original da Jurisdição) ir contra a finalidade maior da

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