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3 de Maio de 2024

A escolha de dirigentes nas Instituições Federais de Ensino Superior

Publicado por Felipe Pinheiro
há 7 anos

A esperança, segundo Ferreira Gullar, trata-se de um "direito de todos que nenhum ato institucional ou constitucional pode cassar ou legar"[1].

É nesse contexto, que a poesia lembra os anos de chumbo, o AI-2, em que não só a democracia foi editada à luz de um projeto estéril[2], pisoteada por botas e fardas amarrotadas, mas no julgo do dito "movimento que veio da inspiração do povo brasileiro"[3] editou leis e normas, sem, contudo, consultar o poder popular que reivindicava a inspiração.

A redemocratização, legado do povo, trouxe consigo um novo indumento normativo, novos modos do processo civil e do processo penal. Pensando bem, não tão novos.

Em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou o Decreto nº 1.916, que regulamentava o processo de escolha dos dirigentes das instituições federais de ensino superior. A natureza do decreto assumia como pano de fundo uma adequação do Art. 16º da Lei nº 5.540 de 28 de novembro de 1968, instrumento editado à luz da obstrução intelectual e de dispersão da mobilização dos estudantes nos fóruns científicos, as IES.

Bem verdade, que os dirigentes das Universidades Federais cooperaram com o modelo de governo para obstar o élan das comunidades científicas. A entourage de reitores e diretores era composta por braços do novo regime[4], acionistas e colaboradores de um modelo proposto a obscurecer a educação nacional.

Com o Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996, poucas foram as inovações se comparada com a Lei nº 5.540/68. Alteraram-se pré-requisitos qualificadores baseados nos títulos do magistério superior, mas ainda se mantiveram características marcantes do regime militar. No caso de reitores, a nomeação permaneceria realizada pelo governo federal, inovando apenas nos métodos de nomeação por meio de votação uninomial e por uma lista tríplice elaborada pelo colegiado máximo. No caso de diretores e vice-diretores deve-se seguir os mesmos procedimentos cabendo a nomeação pelo reitor.

O embuste em vista da atualização dos quadros das IES está no parágrafo quarto, do artigo primeiro da Lei nº 1.916/96, onde as consultas à comunidade acadêmica para a elaboração da lista tríplice sugere 70% do peso de votos dos docentes em detrimento das outras duas classes da comunidade acadêmica. No entanto, de forma antagônica, estabelece que o colegiado máximo deverá elaborar regulamento eleitoral próprio.

§ 4º O colegiado máximo da instituição poderá regulamentar processo de consulta à comunidade universitária, precedendo a elaboração das listas tríplices, caso em que prevalecerão a votação definida no § 2º e o peso de setenta por cento dos votos para a manifestação do corpo docente no total dos votos da comunidade.

A carga díspar evocada pela norma legal no processo de consulta à comunidade, com pesos desproporcionais para as classes, é herança de um regime estéril.

Sobre a a regra "70/30" como ficou conhecida a desproporcionalidade, IES em todo o país se manifestaram contrárias à proposição legal desde 1983, entre elas a UNIFESP, UFSC, UFRJ, UFPR, UFSCAR e UNB. A manifestação consolidou-se por meio da adoção do voto paritário, sem considerar o texto ex vi legis, em 37 instituições [4]. A caráter, o Conselho Universitário da UNIFESP em nota registrou que a paridade é fruto do "amadurecimento e qualificação para definir com segurança os rumos da universidade"[5].

O descontentamento insurgiu no Projeto de Lei Senado nº 379 de 2013, com relatoria do senador Cristovam Buarque, onde garante a paridade eleitoral nos modelos cânones.

No sentido do manifesto, a Procuradoria Federal junto à UFSC, relatou no parecer nº 00140/2015/JUR/PFUFSC/PGF/AGU a dúvida premente se a regra '70/30', nos termos do parágrafo quarto, do artigo primeiro da Lei nº 1.916/96, aplica-se ao processo de consulta ou ao colegiado que há de estabelecer o regulamento do escrutínio.

11. Então, realmente fica a dúvida, se os “termos” da “consulta” serão estabelecidos pelo “colegiado máximo” ou no percentual de “setenta por cento”, como dito posteriormente no próprio inciso.

E continua no parecer:

12. Entretanto, sabido é que todas as Universidades estão fazendo suas consultas prévias à nomeação dos dirigentes através de votação em termos paritários, o que se configuraria, a priori, e conforme farta quantidade de decisões judiciais nesse sentido, em mecanismo adotado por vários sistemas de ensino como iniciativa de democratização da gestão, mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, com fundamento na autonomia universitária, prevista no art. 207 da CF/88, que teria dado ao Conselho Universitário o poder de regulamentar o processo eleitoral para a escolha dos gestores da Universidade, de modo que não haveria violação ao já mencionado art. 16 da Lei n. 5.540/68, alterada pela Lei n. 9.192/95.

A própria norma do art. 16, III e IV da Lei nº 5.540/68, com redação dada pela Lei nº 9.192/9 já foi objeto de Mandado de Segurança, Manutenção de Segurança, por inconstitucionalidade, concedido pelo Desembargador Federal Paulo Gadelha, TRF-5 segunda turma, em 19 de julho de 2012. Para o desembargador, no inteiro teor, a regra 70/30 "não materializa o princípio da gestão democrática da educação, mas, ao contrário, agride­-o frontalmente"[6]. Desta forma, a compreensão do magistrado é a ocorrência da regra em inconstitucionalidade material naquele objeto.

Na prática a redação do inciso III, artigo primeiro, da Lei nº 9.192/95 produz duas interpretações. A primeira em que o peso setenta por cento aplica-se à consulta da comunidade acadêmica, e a segunda em que havendo consulta, essa não obsta a votação uninomial e o peso setenta por cento para o colegiado máximo.

"Colegiado" e "consulta" são duas concepções apartadas. Adiante, é possível entender que o legislador buscava dizer, ad cautelam, que a existência de um ato consultivo não anulava as normas, precedentes no artigo, de composição, bem como os deveres do colegiado máximo. Logo, pode-se interpretar, também, que tal regra (70/30) é válida somente para a composição do colegiado máximo, ainda que se consume o ato consultivo com regramento diferenciado.

Para a análise do leitor, segue ipsis litteris a redação da Lei nº 9.192/95:

III - em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias;

Dados da UnB Agência apontam que 68% das Universidades Federais adotam o modelo de paridade. Todas as 16 dissidentes calculam o número de votos válidos das categorias técnicos administrativos e estudantes com base no número total daqueles que compareceram às urnas e não no número total de inscritos como é realizado, por exemplo, na UTFPR.

Para Celene Tonella, professora de ciência política e coordenadora do programa de pós-graduação e ciências sociais da UEM, a participação isonômica dos alunos de graduação na escolha de seus dirigentes agrega ao perfil profissional do egresso o perfil institucional. "É fato que a graduação representa um curto espaço de tempo, mas muitos permanecem em pós-graduação e mesmo quando saem da Universidade mantêm vínculos de identidade com a instituição", afirma a professora. Continua: "A integração Universidade/Sociedade ocorre balizada por esses vínculos de respeito, responsabilidade e admiração construídos durante a permanência nos câmpus. O fato de participarem da escolha do reitor de forma paritária, apenas aprofunda os laços". E conclui: "O incômodo causado pela paridade é revelador de uma concepção hierárquica de relações sociais, traço construtivo da própria formação da sociedade brasileira".

A repulsa à paridade nas Universidades de um modo geral, parte de um status quo de privilégios entre castas da administração pública que se revezam na gestão, muito além da simples concepção de democracia ou formação das sociedades.

Em inúmeros atos de cautela impetrados judicialmente, o que se percebe é a intervenção do corpo docente na manutenção da desproporcionalidade. A mesma casta que a tempos mantém maioria em todos os colegiados da Universidade. Não muito distante, a tomada decisória nas IES e as moções de desconfiança dos gestores em outras épocas é fruto dessa maioria, a que se pode atribuir a profunda crise de depreciação das Universidades brasileiras pela sociedade civil.

Sem embargos, a paridade não somente é uma possibilidade como é o modelo altaneiro para a aproximação de projetos institucionais de Universidades com excelentes resultados. O caminho contrário inviabiliza a formação democratizadora como pressuposto da pluralidade e, assim, impede de elevar seus quadros institucionais.

Estabelecer modos e formas de participação isonômica de classes nos processos consultivos internos das Universidades para a escolha dos seus dirigentes, garante não só a isegoria mas reproduz um projeto diferente daquele estéril de Brasil, na medida em que permite os novos quadros de discutirem a política, e os estudantes de ocuparem seus espaços de responsabilidade de deliberação nos projetos internos. O contrário funde intensa desconfiança tanto nos estudantes quanto nos técnicos administrativos acerca do valor real de sua participação nas consultas e deliberações.


[1] GULLAR, Ferreira. Poema Sujo. 1976.

[2] RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. 1996.

[3] ATO INSTITUCIONAL Nº22, DE 27 DE OUTUBRO DE 1965.

[4] UnB. De 54 universidades federais, 37 adotam paridade nas eleições para reitor. Disponível em: <www.novoportal.unb.br>. Acesso em: 21 dez. 2016.

[5] UNIFESP. Consu aprova paridade na consulta para escolha de reitor da Unifesp. Disponível em: <www.unifesp.br>. Acesso em: 21 dez. 2016.

[6] Consulta sobre a Revisão Normativa para a Escolha de Reitor Ato Não Obrigatório. Consulta Informal e Não Vinculante. Disponível em: <www.reitoria.paginas.ufsc.br>. Acesso em: 20 dez. 2016.

[7] TONELLA, Celene. Por que a paridade incomoda? Disponível em: <www.informativo.uem.br>. Acesso em: 22 dez. 2016.

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1 Comentário

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Este não tem a minima ideia do que significa a escolha de dirigentes de uma instituição e, muito menos, da importância distinta dos três segmentos. A ignorância é tanta que, se é para ser democrático, então porque não defende o voto universal? Isso já deita por terra esta tolice. continuar lendo