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2 de Maio de 2024

A incidência de dano moral na apresentação antecipada de cheque pré-datado

Publicado por Carina Tavares Rosa
há 2 anos

O cheque apesar de ser uma ordem de pagamento à vista, difundiu-se muito no Brasil a emissão de cheque para ser pago em data futura, situação na qual se costuma utilizar a expressão cheque “pré-datado” – expressão comum na prática comercial – ou cheque “pós-datado” – expressão preferida por alguns doutrinadores (RAMOS, 2017, p.573-574). Nesse contexto, Ramos (2017, p.574) indaga:

[...] perderia o cheque a sua natureza de ordem de pagamento à vista? Deve o banco recebê-lo normalmente, sem levar em conta a data futura mencionada no título? Segundo a legislação (art. 32 da Lei do Cheque), o cheque será sempre uma ordem de pagamento à vista, devendo ser considerada não escrita qualquer menção em sentido contrário eventualmente colocada na cártula. Sendo assim, havendo saldo, um cheque pré-datado pode ser descontado ou devolvido, conforme o emitente possua ou não fundos suficientes para o seu pagamento. Em suma: “(...) a emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única consequência a ampliação do prazo de apresentação (...)” (STJ, REsp 612.423/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 26.06.2006, p. 132). Esse entendimento do STJ, ressaltese, está restrito ao aspecto civil/comercial, uma vez que, no aspecto criminal, conforme veremos adiante, entende a referida Corte que a emissão de cheque “pré-datado” descaracteriza esse título como ordem de pagamento à vista e o transforma em mera garantia de dívida. (RAMOS, 2017, p.574, grifo nosso).

Ainda que o banco não tenha responsabilidade alguma, no caso acima exposto, pois enquanto sacado não assume nenhuma obrigação cambial, o credor, em contrapartida, ao apresentar antecipadamente o cheque pré-datado para pagamento comete ato que pode ser caracterizado como dano moral, nos termos do enunciado sumular 370 do STJ (“caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”), uma vez que fere gravemente o princípio da boa fé objetiva ao desrespeitar o acordo firmado com o emitente (CHAGAS, 2019, p. 471).

Simão & Lacerda (2019, p.1239) em sua excelente analise critica a respeito da súmula 370 do STJ apontam que existem dúvidas a respeito do enquadramento dos danos morais sofridos pelo emitente de cheque “pós-datado” na categoria do danos in re ipsa, o que se confirma a partir da leitura dos precedentes que geraram a Súmula 370, nos quais se observa que além da cautela constante da ementa do segundo precedente (“constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral”) em todos eles o que ocasionou o dano foi a “devolução/recusa” do cheque pós-datado e não a mera “apresentação” deste, conforme indica redação da súmula.

Diante disso, Lacerda & Simão (2019) ressaltam ainda

[...] a necessidade de se analisar, por exemplo, se a “apresentação” do título antes da data pactuada, seguida pela compensação (não devolução) do cheque: i) gera o dever de indenizar, em decorrência da mera “apresentação” antecipada, sem a necessidade de se comprovar o dano, o qual se origina do fato (in re ipsa); ii) gera o dever de indenizar, desde que comprovado o dano, em razão da não recusa (compensação) do cheque, por exemplo pela frustração de outros compromissos econômicos pelo emitente ou; iii) não gera o dever de indenizar, em razão do ilícito contratual não ter gerado dano efetivo, caracterizando-se mero desacordo comercial. Vejamos. A aplicação literal e direta da Súmula 370 afastaria a necessidade de referida análise, enquadrando todas as situações na primeira hipótese. Contudo, não é este o entendimento que se extrai de um dos precedentes da própria súmula [...] e nem mesmo dos inúmeros acórdãos pesquisados nos vários tribunais brasileiros e posteriores à edição desta. Conforme se constata, a redação demasiadamente aberta e abrangente da Súmula 370 não contribui para a pacificação de conflitos nas relações que envolvem a emissão de cheques “pós-datados” e acaba por estimular a caracterização de situações iníquas, como aquelas ilustradas neste estudo. (LACERDA & SIMÃO, 2019, p. 1239 – 1240).

A partir da analise e pesquisa envolvendo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), considerando-se a temática da incidência de dano moral na apresentação antecipada de cheque pós-datado, destaca-se as decisões dos seguintes julgados:

  • TJ-RJ. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Parte autora que realizou compra de alguns produtos na loja ré no valor de R$ 135,00, cujo pagamento foi realizado através de cheque pós-datado para o dia 16/02/2017, sendo certo, no entanto, que a ré, ora apelada, apresentou o cheque para desconto no dia 15/02/2017, um dia antes do acordado. Alega que a compensação antecipada do cheque gerou encargo bancário de R$ 49,00, em razão da falta de fundos, sendo devolvido por esse motivo. Requereu a condenação da ré na restituição da quantia de R$ 49,00, sem prejuízo de indenização por danos morais quantificados em R$ 5.000,00. Sentença de improcedência. Pretensão recursal articulada pela autora ao argumento de que a apresentação antecipada de cheque pós-datado caracteriza dano moral, consoante dispõe a súmula 370 do STJ. Em que pese correta a assertiva da ora apelante, não se pode olvidar que só há espaço para incidência de aludida súmula quando na data avençada pelas partes para a quitação da dívida, haja suficiente provisão de fundos, o que não se verificou na hipótese ora em apreciação. In casu, muito embora o cheque pós-datado pela apelante tenha sido compensando antes do dia indicado na data de emissão, verifica-se que, ainda que fosse apresentado no dia correto, o cheque teria sido devolvido pela ausência de fundos disponíveis na conta bancária da apelante. Observa-se que, além de não ter sido comprovado o desconto dos encargos bancários no valor de R$ 49,00, estes, por óbvio, também seria devidos caso a apresentação do cheque tivesse ocorrido na respectiva data de emissão. Portanto, em que pese a apresentação do cheque antes da data aprazada, em tese, gerar dano moral, a apelante não comprovou que, na data do vencimento, dispunha de recursos para a compensação do cheque. Dano moral e material não configurados. Precedentes. Recurso desprovido. (TJ-RJ, 0006997-80.2017.8.19.0007 AC, Rel. Des. Alvaro Henrique Teixeira de Almeida, 24a Câmara Cível, julgado em 12/02/2020, DJe 13/02/2020 – informativo n. 3478821 , p. 719 - 724). (grifos nossos).


  • TJ-RJ. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Autor que foi funcionário da empresa- ré, tendo emitido cheques pós-datados para cobrir despesas correntes da empresa, sob a promessa que os cheques seriam cobertos nas datas aprazadas. Contudo, os cheques foram devolvidos por não haver provisão de fundos, causando a negativação de seu nome no Serasa. Sentença que julgou procedente em parte o pedido para condenar o réu a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Inconformismo da empresa ré. Inocorrência de prescrição trienal, uma vez que a violação do direito do apelado, qual seja, a negativação de seu nome, se deu em 2008, tendo sido a ação ajuizada em 2009. Incompetência da Justiça do Trabalho uma vez que a causa de pedir da presente lide não é decorrente da relação de trabalho que o autor manteve como a empresa ré, tendo esta se utilizado dos cheques do autor com intuito de abastecer veículos da empresa, não importando o fato do autor ser ou não empregado, à época dos fatos. No mérito, acertada a sentença que reconheceu o dano moral, pois a negativação indevida do nome do autor/apelado ultrapassa os meros aborrecimentos do cotidiano. Valor arbitrado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que não se mostra razoável e proporcional às circunstâncias do caso concreto, merecendo redução para R$ 10.000,00 (dez mil reais). PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO para tão somente reduzir o valor da verba indenizatória a título de dano moral. (TJ-RJ, 0039569-49.2009.8.19.0014 AC, Rel. Des. Alvaro Henrique Teixeira de Almeida, 24a Câmara Cível, julgado em 16/10/2019, DJe 17/10/2019 – informativo n. 3396120, p.544-551). (grifos nossos).


  • TJ-RJ. CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL. TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO. COBRANÇA DE ENCARGOS. CHEQUE PÓS-DATADO. APRESENTAÇÃO ANTECIPADA. DANO MORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM PARTE. APELO. JUROS. ABUSIVIDADE NÃO CONFIGURADA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. PROVIMENTO EM PARTE. As instituições financeiras, conforme pacificado pela jurisprudência, não estão sujeitas à limitação da taxa de juros de 12% ao ano (Súmula 596 do STF). Contudo, os juros devem ser prévia e expressamente pactuados. No caso, há expressa previsão da taxa de juros mensal e anual, conforme se verifica nos contratos juntados, pelo que não há como o judiciário interferir em tal negociação. O simples fato de a taxa aplicada superar, eventualmente, a média de mercado não demonstra, por si só, a abusividade. Por outro lado, apresentação de cheque antes da data aprazada configura dano moral, conforme o Enunciado da Súmula 370, do STJ. Consideradas as circunstâncias do caso, em especial o fato de que a autora não possuía saldo em conta na data do depósito do primeiro cheque, sendo obrigada a sustar os demais, bem como a assinar termo repactuando a dívida, para o ajustamento da data do vencimento, tem-se que deve ser indenizada pelos prejuízos imateriais sofridos, no valor corresponde a R$ 5.000,00, em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, estando o valor, inclusive, próximo ao que vem sendo concedido por este E. Tribunal. Sucumbência recíproca. Provimento ao recurso em parte, na forma do art. 557, § 1o-A, do CPC. (TJ-RJ, 0086258-64.2007.8.19.0001 AC, Rel. Des. Marília De Castro Neves Vieira, 20a Câmara Cível, julgado em 22/07/2015, DJe 31/07/2015 – informativo n. 2241989, p. 306-315). (grifos nossos).


Diante do exposto, considerando-se as decisões dos julgados apresentados, as reflexões criticas de Simão & Lacerda (2019, p.1244 - 1245) mostram-se coerentes com a aplicação do enunciado sumular 370 do STJ pelo TJ-RJ, pois infere-se que súmula referida se presta a duas finalidades essenciais, sendo as seguintes:

A primeira, a de compensar o emitente de cheque “pós-datado” pelas consequências lesivas aos seus direitos de personalidade, decorrentes da apresentação antecipada do título, como consequência da violação da boa-fé por parte do credor. A segunda, que nem sempre surge de forma expressa, mas é abordada implicitamente em muitos dos casos nos quais a súmula é invocada, destina-se a estimular os beneficiários de cheques “pós-datados” a cumprirem o acordado com o emitente, sob “pena” de serem condenados a indenizá-los pelos danos morais presumidamente (in re ipsa) suportados. (SIMÃO & LACERDA, 2019, p. 1244-1245).

Portanto, a incidência de dano moral na apresentação antecipada de cheque pós-datado de fato ocorre dentro dos pressupostos expostos no presente artigo.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Direito empresarial esquematizado® / Edilson Enedino das Chagas. - 6. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

SIMÃO, José Fernando Maurício & LACERDA, Andere von Bruck. Reflexões críticas sobre a súmula 370 do STJ - “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”. : Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 5, no 6, 2019, 1205-1248. Disponível em:< https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/6/2019_06_1205_1248.pdf>. Acesso 14 jul. 2022.

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Pois é... mas o juiz do pequenas causas não me deu o dano moral ainda que a empresa de móveis NÃO TENHA entregue o móvel no prazo e descontou ANTECIPADAMENTE o cheque PRE-DATADO.... bom né..... continuar lendo