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26 de Maio de 2024

A Possibilidade de Controle do Mérito Administrativo pelo Poder Judiciário

Análise doutrinária e jurisprudencial das posições conservadoras e de vanguarda sobre o controle de mérito dos atos administrativos

há 4 anos

Este trabalho foi apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Público e Privado pelo Centro Universitário UniAmérica.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo do trabalho é apresentar uma visão a respeito da possibilidade do controle do mérito administrativo nos atos discricionários da Administração Pública incluindo o controle da conveniência e oportunidade do administrador pelo Poder Judiciário. Pretende apresentar a visão clássica a respeito desse controle e de quem tem as prerrogativas para realizá-lo, mas também apresentar uma visão de vanguarda no sentido da evolução do controle sobre os atos administrativos que passa a aceitar que o Poder Judiciário adentre ao mérito quando este não esteja de acordo com os princípios da moralidade, da legitimidade e da economicidade, dentre outros constitucionais ou legais. Veremos primeiro a apresentação da visão clássica no item 2 e posteriormente a visão contemporânea no item 3.

Ato Administrativo, para o professor José dos Santos Carvalho Filho[1] é “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob o regime de direito público, visa à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”. Ou seja, o Ato Administrativo é a exteriorização da vontade do agente público, na qualidade de representante do Ente que representa, sendo que o referido ato visa produzir efeitos jurídicos para atender interesse público. Para o saudoso Hely Lopes Meireles o mérito administrativo consubstancia-se “na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar”.

Há elementos do ato discricionário que são vinculados à previsão legal, quais sejam: a competência, a forma e a finalidade. Quanto a esses elementos, o administrador sempre está vinculado à previsão legal, apesar do ato ser discricionário. O Administrador somente pode avaliar a conveniência e a oportunidade quanto aos elementos motivo e objeto, haja vista que a competência, a forma e a finalidade são sempre vinculados.

Nesse sentido, advogam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[5]:

“Nestes atos discricionários, vinculam-se, invariavelmente, à expressa previsão legal:

a) a competência (qualquer que seja a espécie do ato, somente poderá ser validamente praticado por aquele a quem a lei confira tal atribuição);

b) a forma (uma vez prevista em lei, também deve ser estritamente observada pelo administrador, sob pena de ter-se declarada a nulidade ao ato; e

c) a finalidade (esta, por óbvio, jamais discricionária, uma vez que a finalidade de qualquer ato sempre será o interesse público)”.

2. CONTROLE DO MÉRITO ADMINISTRATIVO PELA DOUTRINA

2.1. Visão Doutrinária – Maria Silvia Zanella di Pietro

Segundo Maria Silvia Zanella di Pietro[2] “ato vinculado é analisado apenas sob o aspecto da legalidade e o ato discricionário deve ser analisado sob o aspecto da legalidade e do mérito: o primeiro diz respeito à conformidade do ato com a lei e o segundo diz respeito à oportunidade e conveniência diante do interesse público a atingir”. Com isso começamos a estudar a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário do ato discricionário, aquele em que está inserido o componente do mérito administrativo.

Ainda segundo a doutrinadora o mérito é o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência e oportunidade e só existe nos atos discricionários. Acompanhando esse entendimento eliminamos do nosso estudo a análise do ato vinculado. O mérito seria um aspecto do ato administrativo cuja apreciação, na sua visão, é reservada à competência da Administração Pública. Daí a afirmação pela doutrina clássica de que o Judiciário não pode examinar o mérito dos atos administrativos.

Para Di Pietro[2], após a Constituição de 1988 a doutrina e a jurisprudência têm se insurgido contra a ideia de insindicabilidade do mérito pelo Poder Judiciário, dando azo à aceitação da possibilidade de controle do mérito. Na visão da nobre doutrinadora houve considerável evolução no controle judicial sobre os atos administrativos com essa possibilidade. Citando mais um trecho da sua obra maestra, Manual de Direito Administrativo, Di Pietro[2] detalha como era a visão do magistrado anterior à Constituição Cidadã: “O exame dos fatos (motivos do ato), a sua valoração, a sua razoabilidade e proporcionalidade em relação aos fins, a sua moralidade, eram vistos como matéria de mérito, insuscetíveis de controle judicial. Se o juiz se deparasse com um conceito jurídico indeterminado na lei, como interesse público, utilidade pública, urgência, notório saber, moralidade, ele se eximia do dever de apreciar tais aspectos, sob a alegação de que se tratava de matéria de mérito.”

Ela ainda detalha as teorias que justificaram a aceitação de um controle mais amplo do ato administrativo discricionário. “Primeiramente a teoria do desvio de poder permitiu o exame da finalidade do ato, inclusive sob o aspecto do atendimento do interesse público; a teoria dos motivos determinantes permitiu o exame dos fatos ou motivos que levaram à prática do ato; a teoria dos conceitos jurídicos indeterminados e a sua aceitação como conceitos jurídicos permitiu que o Judiciário passasse a examiná-los e a entrar em aspectos que também eram considerados de mérito; a chamada constitucionalização dos princípios da Administração também veio limitar a discricionariedade administrativa e possibilitar a ampliação do controle judicial sobre os atos discricionários.”

Portanto segundo essa análise a Administração Pública tem margem de liberdade para escolher a melhor solução a ser adotada no caso concreto, porém isso não significa que a sua escolha seja inteiramente livre. Ela está limitada pelo princípio da legalidade (considerado em seus sentidos amplo e restrito) e pela exigência de razoabilidade e motivação. E também limitada pela análise dos demais princípios constitucionais e legais. “Por maior que seja a margem de discricionariedade, como, por exemplo, na exoneração de servidor ocupante de cargo em comissão ou na dispensa, sem justa causa, de servidor celetista, existe a exigência de motivação. A motivação não pode limitar-se a indicar a norma legal em que se fundamenta o ato. É necessário que na motivação se contenham os elementos indispensáveis para controle da legalidade do ato, inclusive no que diz respeito aos limites da discricionariedade. É pela motivação que se verifica se o ato está ou não em consonância com a lei e com os princípios a que se submete a Administração Pública. Verificada essa conformidade, a escolha feita pela Administração insere-se no campo do mérito. A exigência de motivação, hoje considerada imprescindível em qualquer tipo de ato, foi provavelmente uma das maiores conquistas em termos de garantia de legalidade dos atos administrativos”.

Na análise da doutrinadora a grande diferença que se verifica com relação à evolução do mérito, sob o aspecto de seu controle judicial, é a seguinte: anteriormente, o Judiciário recuava diante dos aspectos discricionários do ato, sem preocupar-se em verificar se haviam sido observados os limites da discricionariedade; a simples existência do aspecto de mérito impedia a própria interpretação judicial da lei perante a situação concreta, levando o juiz a acolher como correta a opção administrativa; atualmente, entende-se que o Judiciário não pode alegar, a priori, que se trata de matéria de mérito e, portanto, aspecto discricionário vedado ao exame judicial. O juiz tem, primeiro, que interpretar a norma diante do caso concreto a ele submetido. Só após essa interpretação é que poderá concluir se a norma outorgou ou não diferentes opções à Administração Pública. Se, após a interpretação, concluir que existem diferentes opções igualmente válidas perante o Direito e aceitáveis diante do interesse público a atender, o juiz não poderá corrigir o ato administrativo que tenha adotado uma delas, substituindo-a pela sua própria opção. Aí sim haverá ofensa ao princípio da separação de poderes. Trata-se de aplicar o velho ensinamento segundo o qual a discricionariedade começa quando termina o trabalho de interpretação.

O entendimento que consolidamos é que por essa visão o judiciário, segundo os preceitos modernos de mérito, não adentra a esse controle em sentido estrito, porém se considerarmos o mérito dentro do seu escopo clássico, podemos dizer que essas análises que perpassam a conveniência e oportunidade e não se limitam a uma análise da legalidade entram de certa forma na análise do mérito, em seu sentido tradicional, pré Constituição de 1988.

2.2. Visão Doutrinária – Celso Antônio Bandeira de Mello

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[3] em uma análise sobre o princípio da razoabilidade: “um ato administrativo afrontoso à razoabilidade não é apenas censurável não se poderia considerá-lo confortado pela finalidade da lei. Por ser inválido, é cabível sua fulminação pelo Poder Judiciário a requerimento ato, isto é, do campo da discricionariedade administrativa, pois discrição sentido não se consideram abrigadas intelecções induvidosamente desarrazoadas, ao menos quando comportar outro entendimento.” Em suma na visão de Bandeira de Mello[3] um ato que não seja razoável, também não pode ser considerado em conformidade com a legalidade e a finalidade que é o atingimento do interesse público. Logicamente uma análise da razoabilidade abre margem para uma série de interpretações.

Também em sua obra maestra, Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio apresenta sua visão a respeito do princípio da proporcionalidade: “Procede, ainda, do princípio da legalidade o princípio da proporcionalidade do ato à situação que demandou sua expedição. Deveras, a lei outorga competências em vista de certo fim. Toda demasia, todo excesso desnecessário ao seu atendimento, configura uma superação do escopo normativo. Assim, a providência administrativa mais extensa ou mais intensa do que o requerido para atingir o interesse público insculpido na regra aplicada é inválida, por consistir em um transbordamento da finalidade legal. Daí que o Judiciário deverá anular os atos administrativos incursos neste vício ou, quando possível, fulminar apenas aquilo que seja caracterizável como excesso.”

Vemos na interpretação de Bandeira de Mello[3] uma aceitação do controle sobre a razoabilidade e proporcionalidade de um ato administrativo discricionário, ou seja, um controle sobre se o que o administrador decidiu é razoável, é proporcional, não possui excessos. E se esse controle concluir pela não razoabilidade ou proporcionalidade o ato se tornaria ilegal, deveria ser anulado, ou poderia ser fulminado na parte que ultrapassou a fronteira da proporcionalidade. Ocorre que ao analisarmos isso vemos que é deixada uma margem de interpretação para o magistrado sobre a conveniência e oportunidade do ato sob os prismas dos princípios constitucionais e legais.

Podemos entender que esse controle ataca o mérito do ato? Dentro de uma perspectiva tradicional sim, porém sob a perspectiva que o mérito somente existe ao se colocarem opções igualmente válidas para o administrador, opções essas que respeitem a legalidade, a legitimidade, a razoabilidade, a proporcionalidade, a moralidade administrativa, dentre outros princípios, a decisão do magistrado não estaria atacando o mérito.

2.3. Visão Doutrinária – Diogo de Figueiredo Moreira Neto

Na sua obra “O Direito Administrativo no Século XXI”, Diogo de Figueiredo Moreira Neto[4] nos descreve ao citar Seabra Fagundes que “Sobre o esforço doutrinário e jurisprudencial desenvolvido quanto à ampliação do controle – especificamente com relação à apreciação dos motivos do ato administrativo –, aí se tem uma batalha em que a lição sustentada por Seabra Fagundes acabou prevalecendo, como ele o comunica na 4ª edição (1967) em longa nota, que se refere ao, então, estado da arte do exame do mérito, o que resume nesta simples frase: ‘ao examinar a motivação do ato, para dizer de sua validez, o juiz o aprecia sob o prisma da legalidade e não do merecimento’, daí considerem-se ilegais três hipóteses: 1ª – nos atos de ”não-aplicação” do direito vigente; 2ª – nos atos de “indevida aplicação” do direito vigente”, e 3ª – nos atos praticados com “excesso de poder”. A atividade administrativa, sendo condicionada, pela lei, à obtenção de determinadas consequências, não pode o administrador, ao exercê-la, ensejar consequências diversas das visadas pelo legislador. Os atos administrativos devem procurar atingir as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade.

Também se observe na análise de Diogo Figueiredo que a análise do ato administrativo discricionário não se limita a uma verificação estrita de legalidade, mas numa análise se o ato foi praticado de forma indevida ou com excesso, nos remetendo novamente a uma análise da proporcionalidade do ato, como colocada por Celso Antônio Bandeira de Mello.

3. CONTROLE DO MÉRITO ADMINISTRATIVO PELA JURISPRUDÊNCIA­

3.1. Controle do Mérito Administrativo – Visão Jurisprudencial

Quanto à possibilidade de controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da Primeira Região – TRF1. O caso em específico enfatiza a possibilidade de controle da razoabilidade e proporcionalidade do ato administrativo em um tema de dosagem de pena definida pela administração. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ÉTICO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL PELA DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1 – Os apelantes receberam pena de censura mediante publicação em órgão oficial. A publicação, entretanto, não ocorreu por força de medida cautelar que o juízo de origem concedeu ao despachar a petição inicial. Portanto, a penalidade que se busca anular ainda não foi executada. 2 - Inexistência de cerceamento de defesa porque não há qualquer requerimento dos apelantes nos autos do procedimento administrativo em ver ouvidas testemunhas de seu interesse. A Comissão de Ética foi quem arrolou o testemunho do chefe de reportagem, da jornalista e da editora de periódico que publicou matéria com conteúdo alegadamente antiético. Essas pessoas foram notificadas em via postal (fls. 98/102), no entanto não compareceram à audiência, segundo termo de deliberação de fls. 103. 3 - Quanto à pena aplicada, tenho que ao Judiciário cabe sua revisão sob o crivo da legalidade e da proporcionalidade ou razoabilidade, como tem decidido esta Corte ((AC 2001.01.00.038483-6/MG, Maria do Carmo Cardoso, 8ª T., 30/11/2010; (AC 1999.01.00.016085-5/AP, Flavio Dino, 2ª TS, 16/6/2005). 4 – (...) 5 - Apelação parcialmente provida para reconhecer a desproporcionalidade na pena aplicada aos apelantes, que fica convolada em censura reservada, e declarar a sucumbência recíproca. (AC 0001146-14.2005.4.01.3500 / GO, Rel. JUIZ FEDERAL MARCELO DOLZANY DA COSTA, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.403 de 18/09/2013). (Grifos).

O Superior Tribunal da Cidadania – STJ, também já enfrentou a matéria manifestando pela possibilidade do Judiciário examinar o controle do mérito do ato administrativo, vez que a Administração deve se submeter ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade. Uma decisão de vanguarda no setindo de ultrapassar o entendimento clássico sobre o controle de mérito. Senão vejamos:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.

Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.

Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.

O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.

Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la. 5. Recurso especial provido."(STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570 / GO ; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219) (grifos).

Temos ainda uma decisão em Mandado de Segurança do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em uma análise do controle de mérito sobre questões elaboradas para um concurso público. Vemos que nesse caso a Egrégia Corte reprimiu a tentativa de adentrar ao mérito das questões tendo em vista que a análise de legalidade deve estar restrita a determinar se as questões estariam no escopo do edital do certame.

MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – ELABORAÇÃO DA PROVA OBJETIVA – VIOLAÇÃO DAS NORMAS DO EDITAL – CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE – POSSIBILIDADE – REDISCUSSÃO SOBRE O MÉRITO DA BANCA EXAMINADORA – INVIABILIDADE – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – AUSÊNCIA – SEGURANÇA DENEGADA. Em concurso público é vedado ao Poder Judiciário reexaminar questões relativas ao mérito do ato administrativo, assim como lhe é defeso substituir-se à Banca Examinadora nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas, sob pena de violação ao princípio constitucional da separação de poderes. Contudo, admite-se, excepcionalmente, o controle jurisdicional sobre a aferição de legalidade do certame, assim entendida a possibilidade de apreciar se a questão objetiva foi elaborada de acordo com o conteúdo programático previsto no edital. Comprovado que todas as questões judicialmente impugnadas se encontram em sintonia com as regras do concurso público a que se submeteu a candidata, não há que se falar em ofensa a direito líquido e certo, indispensável à concessão da segurança. TJ-MG – Mandado de Segurança MS 10000130981236000 MG (TJ-MG), Data de publicação: 23/05/2014.”

No ARE 761714 A GR/DF o Supremo Tribunal Federal adota postura mais conservadora que a decisão anterior do TJMG sobre o mesmo tema:

“Com efeito, cinge-se o tema em debate sobre a possibilidade de o Judiciário, em substituição à Administração Pública, e no âmbito do controle jurisdicional do processo administrativo, apreciar não somente a regularidade do procedimento, mas adentrar na análise do mérito do julgamento administrativo, em especial a revisão da penalidade aplicada ao servidor. Conforme sustentou a União, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, anulando a pena de demissão imposta ao servidor, contrariou frontalmente o princípio da independência dos poderes expresso no art. 20 da Constituição Federal, uma vez que implicou a substituição subjetiva da Administração Pública pelo Poder Judiciário. Isso porque a atuação do Poder Judiciário circunscreve-se ao campo da regularidade do procedimento e da legalidade do ato demissionário, sendo-lhe defesa a incursão no mérito administrativo.”

No mesmo agravo porém o Ministro Luiz Fux pontua: “De início, pontuo que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o exame da legalidade e abusividade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não implica violação ao princípio da separação dos Poderes, porquanto não se trata, nessas hipóteses, de análise das circunstâncias que circunscrevem ao mérito administrativo. Nesse sentido, menciono os seguintes julgados:”

“DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ANULAÇÃO DE PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA POR ILEGALIDADE NO JULGAMENTO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 09.11.2011. O exame da legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não viola o princípio da separação de Poderes. Precedentes. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Agravo regimental conhecido e não provido.” (ARE 759.108-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 30/10/2014).”

4. CONCLUSÃO

A análise do presente trabalho visa colocar a tendência que existe na doutrina e na jurisprudência mais atualizadas no sentido de dar ao Poder Judiciário um papel de revisão dos atos administrativos que ultrapassa o mero controle estrito da legalidade.

Diversas posições colocadas pelos doutrinadores assim como decisões de Egrégias Cortes como o próprio Supremo Tribunal de Justiça corroboram que o caminho leva a uma aceitação maior de um controle muito próximo do próprio mérito administrativo considerando aspectos de razoabilidade, proporcionalidade e até economicidade e eficiência do ato.

Por outro lado as posições mais conservadoras e do Supremo Tribunal Federal ainda caminham no sentido de ter muita cautela na aplicação desses entendimentos sob o argumento de afrontar a separação dos poderes e inviabilizar a discricionariedade do administrador.

Nossa conclusão é no sentido de que todos os princípios constitucionalmente e legalmente previstos devem ser analisados pelo Poder Judiciário, sob pena do administrado estar sujeito a abusos de poder e da Administração Pública se desviar do interesse público primário, porém sem adentrar em questões de mérito que não afrontem esses princípios.

5. REFERÊNCIAS

[1] Manual de Direito Administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 33. ed. –Atlas, 2019.

[2] Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 32. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[3] Curso de Direito Administrativo / Celso Antônio Bandeira de Mello – 32. ed – São Paulo. Malheiros, 2015.

[4] O Direito Administrativo no século XXI / Diogo de Figueiredo Moreira Neto. - Belo Horizonte. Fórum, 2018.

[5] Direito Administrativo Descomplicado / ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente– 28. ed –. Gen, 2020.

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