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2 de Maio de 2024

Ainda sobre NARCOS: por que insistimos em prender traficantes?

há 9 anos

Ainda sobre NARCOS por que insistimos em prender traficantes

Por Henrique Saibro

Está vendo este sujeito sorrindo na foto acima? Sim, eu sei. É o Wagner Moura. Mas ele interpreta Pablo Escobar na série Narcos. E Pablito no estaba preocupado com la policía enquanto regulava o cartel de Medellín – assim como os atuais grandes traficantes.

Sabe aquela eterna perseguição do Coiote ao Papa-Léguas? Ou a incansável busca do Frajola pelo Piu-Piu? Melhor ainda: a saga de Tom contra o Jerry. Pois então. A única diferença desses desenhos com a guerra ao tráfico é que, nessa caçada, gasta-se bilhões. Ah, já ia me esquecendo, mata-se muita gente. Muita mesmo.

“Mas espere um pouco. Leio diariamente que diversos traficantes são presos pela polícia. Isso não é sinal de que eles estão enfraquencendo?” Perdoe-me, leitor. Sinto dizer que não. Quem realmente é preso no tráfico são aqueles que correm mais risco. Ou seja, quanto mais risco corre, menos importante e rico o traficante é. Logo, os verdadeiros empresários das drogas estão soltos, escondendo suas fortunas em empreendimentos de fachada, lavando o seu dinheiro astutamente. Narcos deixa isso explícito na medida em que os traficantes mortos e presos pela milícia eram meros capangas dos verdadeiros traficantes de Medellín.

Sem falar que uma organização criminosa minimamente estratégica e planejada prevê, de qualquer sorte, a sucessão da liderança da facção – caso o líder do tráfico venha a ser preso ou assassinado. Troca-se uma peça por outra. Até porque todo o know-how do antigo líder era compartilhado entre colegas. Digamos que trata-se de um curso com bastante cadeiras de prática.

Vamos deixar bem claro que o simples fato de o líder ser preso não significa o fim de sua atuação no mercado do tráfico. Pelo contrário. O nosso sistema carcerário tolera uma sobrevida aos cabeças da traficância, mesmo quando presos – espécie de repescagem do tráfico de drogas.

Fernandinho Beira-Mar que o diga! Ele foi condenado pela Justiça Federal, por o até então desconhecido Juiz Sergio Moro, por ter lavado dinheiro e traficado drogas e armas enquanto estava diante das grades. Isso mesmo! Quando preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília continuou a comandar a sua facção por celular.

Ao ser transferido para as penitenciárias de segurança máxima em Catanduva (PR) e de Campo Grande (MS), ele repassava as suas ordens através de seus visitantes. Enquanto cumpria a sua pena, o seu grupo remeteu 462 quilos de cocaína, 27 quilos de maconha, 21,8 quilos de crack, 5,8 quilos de haxixe, duas metralhadoras, dois fuzis, duas pistolas e 1,4 mil cartuchos de munição.

A mandos de Beira-Mar, os seus comandados operavam em duas bases no Paraguai, trazendo as drogas e armas por avião até o solo paranaense. As armas e drogas eram então transportadas para o Rio de Janeiro, onde abastecia os seus traficantes. E assim os turistas podiam aproveitar com mais intensidade e cores a cidade maravilhosa.

Quando o monopólio da venda de drogas pertence ao tráfico prender traficantes é inútil. Para cada traficante preso, o tráfico recruta um novo integrante. Quanto maior o número de presos pelo tráfico, mais comum torna-se a captação de crianças para o comércio ilícito – segundo dados da FASE, o tráfico é o terceiro ato infracional mais cometido por menores de idade no RS.

E o que a maioria dos nossos distintos e intelectuais deputados pensa sobre isso? Qual seria, então, a solução para diminuir a criminalidade juvenil? Ora, que pergunta óbvia caro escritor: reduzir a maioridade penal para 16 anos. Palmas para eles. Os de 15 anos passarão, então, a debutar na traficância. Será que Eduardo Cunha bancará os bailes de debutantes para apresentar oficialmente os jovens à sociedade? Afinal, é a partir dos 15 que se torna homem/mulher. Ou deveria dizer traficante?

Quanto mais pobre o país, maior a tentação pela farta quantia de dinheiro proporcionada pelo tráfico. É por isso que, apesar de a guerra ter sido declarada nos EUA, o centro da taxa de mortalidade é na América Latina – agradeçam aos gringos! A força da demanda por drogas puxa gente em busca de trabalho ilícito. Em lugares com economias menores, o tráfico é mais perigoso dado o poder dos traficantes, que ficam mais ricos do que o próprio governo e gozam com o (des) preparo da polícia (vide o retratado na série Narcos – Escobar comandava a Colômbia).

A guerra ao tráfico provoca uma explosão carcerária. Nos anos 70, havia pouco mais de 300.000 prisioneiros em todos os EUA; em 98 o número chegou a 1,8 milhão. Uma pessoa é presa nos EUA por causa de maconha a cada 45 segundos; mais da metade dos detidos são condenados por crimes relacionados a drogas (BURGIERMAN, 2011).

Em terra tupiniquim, entre 2006 e 2011, o número de presos por tráfico cresceu 120% (BURGIERMAN, 2011) e contamos, atualmente, com aproximadamente 140 mil enclausurados por tráfico. No RS, segundo dados da SUSEPE, o número de presos por tráfico de drogas aumentou mais de 1.000% desde 2008! O Brasil foi o país que mais criou vagas em seu sistema carcerário no mundo – só SP construiu mais cadeias que qualquer país na década de 2000 (BURGIERMAN, 2011). Alguém se sente seguro por lá?

Ocorre que as prisões são baratas para o tráfico, mas caras para o Estado. Vamos com mais dados para entristecer você um pouco mais – ou deixá-lo no clímax se for da turminha dos sádicos. Os EUA são hoje os que mais gastam nesse combate inútil. Se há 18 anos atrás o Governo despendia 2 bilhões de dólares, em 2000, somente o governo federal, torrou 20 bilhões de dólares nessa guerra – 13,6 bilhões para o combate ao tráfico e 6,4 bilhões destinados à redução da demanda. Fora os 19 bilhões de dólares desperdiçados, para o mesmo fim, pelos Estados e prefeituras.

Segundo estudo do Instituto de Economia e Paz (IEP), O México utiliza 10% de seu PIB somente para conter a violência relacionada aos cartéis de drogas, chegando ao montante de US$ 173 bilhões em 2013. Cuida-se do dobro do montante destinado à educação ou saúde, superando ainda os valores de países em guerra como o Iraque e a Síria. E pasmem: a violência mexicana intensifica-se desde 2008. Arriba cholos!

E o Brasil? Bem, segundo levantamento do International Institute for Strategic Studies, o Brasil, em 2014, desembolsou US$ 31,9 bilhões somente no orçamento militar. Estava em guerra e não sabia? Antes tarde do que nunca, meu caro leitor. Estamos na frente de Israel e Iraque. Como se tivéssemos tanta plata em caixa ultimamente…

Enquanto nossas forças políticas se esforçam como Coiote, Frajola e Tom combatendo o tráfico, sujeitos mais experientes vão propositalmente para a cadeia para recrutar novos talentos para a traficância. Diferentemente do mercado da bola, no tráfico as janelas de contratação estão sempre abertas.

E devemos assumir que o mercado da traficância possui mais rotatividade do que o futebolístico. A demanda por uma chance no tráfico chega a superar a oferta de “oportunidades”, na medida em que as condições da “vaga”, ao menos financeiras, são incomparável e até risivelmente melhores em relação à realidade do mercado lícito – ainda mais para jovens pobres e carentes de uma educação pública de qualidade, que, dadas as circunstâncias, os impossibilitam de empreender.

Mas não pensem que os traficantes são empresários limitados e sem ambição. Eles faturam nas próprias prisões. Se você for um presidiário com bala na agulha você terá comida diferenciada, assistirá TV e, quem sabe, terá direito à uma hora de wifi na sua galeria. E para se divertir? Fique tranqulio. Bebida (recomendam a caipirinha de limão), cigarro, maconha, cocaína e crack estão disponíveis, também, no menu.

Por sinal, droga e cadeia sempre se deram muito bem. É um casal que combina. Eu diria que seja o casal 20 do Brasil. Vende-se, planta-se e consome-se drogas nas penitenciárias brasileiras como nos coffee shops de Amsterdã. Essa quantidade de drogas circulando nos presídios justifica-se em virtude da estrutura desumana dos presídios pátrios (o cheiro de estrume, a comida intragável para quem não paga a mesada aos líderes das galerias, ameaças de estupros constantes etc.) a droga acaba se tornando uma necessidade física; um refúgio psicoativo do inferno astral.

Situações de estresse extremo criam um desejo por substâncias que ativam as áreas de prazer do cérebro para reduzir o sofrimento. Essa sensação de abandono estatal, que é sentida tanto dentro quanto fora das penitenciárias, é um dos grandes motivos de usuários consumirem compulsivamente drogas.

Sobre esse ponto, há estudos recentes demonstrando que o oposto de vício não é a sobriedade, senão a conexão humana. Cuida-se de um rompimento total do atual paradigma do vício. E comprova que a nossa sociedade é propensa a usar drogas.

Confirma, também, que a “moderna” política de guerra às drogas e o nosso sistema carcerário apenas problematizam ainda mais a fenomenologia da drogadição. As autoridades focam muito na droga por si e se esquecem do viciado. Aliás, seria ele mesmo um drogadito ou um desconectado (de laços humanos e da sociedade)?

O tráfico não tem limites. Sempre achará e usufruirá de um nicho favorável aos seus negócios, independentemente do rigor usado para enfrentá-lo. O que o tráfico de drogas mais quer, assim como Al Capone desejava, é justamente a manutenção desse rigor, pois dele tira proveito. O tráfico age parasitalmente nas regras do sistema e por ali se aloja até que haja uma mudança cultural e sistêmica sobre o assunto. Até isso não acontencer vige a regra do plata o plomo (dinheiro ou chumbo).

Você segue não convencido de que a política de guerra às drogas é ineficiente? Ok. Ainda há tempo para mudar de ideia. Na próxima terça-feira fecharemos o último artigo sobre Narcos. Hasta luego!

Fonte: Canal Ciências Criminais


REFERÊNCIAS

BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas. Rio de Janeiro: Leya Brasil, 2011.

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28 Comentários

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Muito bom o artigo.

Muito obrigado por disponibilizar o link que está nesse trecho: "Sobre esse ponto, há estudos recentes demonstrando que o oposto de vício não é a sobriedade, senão a conexão humana. Cuida-se de um rompimento total do atual paradigma do vício. E comprova que a nossa sociedade é propensa a usar drogas." É simplesmente revelador.

Aos demais leitores recomendo a leitura desses "estudos recentes". É enriquecedor.

É incrível como as drogas viraram as vilãs, mas o real motivo de sua utilização é o ambiente criado. O isolamento é a principal causa mesmo. A maioria dos jovens se encontra em grupos que utilizam drogas. As drogas se tornam o objeto de encontro onde a socialização é uma consequência. Ou ninguém, algum dia, foi convidado para "tomar uma" com algum amigo e teve momentos ótimos. Não é a droga que lhe dá isso é o contato humano, acredito eu. Ao se desconfiar da utilização de drogas, os familiares começam a se distanciar deles, os isolando na companhia de psicotrópicos.

Na minha juventude era normal ouvir e ver grupos se reunindo para "fumar um" também. Achavam que o melhor era o efeito químico da droga. Mas, segundo os estudos que trouxe, o melhor benefício é a socialização em torno desse uso. É a conexão entre eles.

Essa conexão pode ocorrer de muitas outras maneiras, esportes, jogos, jantares, almoços, churrascos, etc... What's Up não proporciona isso. Precisamos de proximidade.

Engraçado como essa "guerra" retira a responsabilidade do Estado diante da degradação do ambiente da população. Deixam seus cidadãos em lixos e os transformam em monstros por buscarem uma companhia que lhes dá prazer, as drogas. Todas as outras lhes proporcionam ódio e discriminação. Mais uma vez isolados, assim como os ratinhos do estudo. Aí as pessoas estão morrendo em determinadas áreas e a culpa é do traficante, não é do Estado que não lhes dá um ambiente minimante adequado, minimamente humano.

São os jovens degenerados que escolhem essa vida fácil. É, deve ser bem fácil acordar todo dia com medo de tomar um tiro da polícia ou de seus inimigos. Seria o "Estado de natureza" que Hobbes fala quando existe a ausência de Estado. Onde não existe a lei e o Estado é a força que impera.

É claro que existem diversos fatores, e sempre vão sobrar exemplos de casos de meninos que "tinham tudo" mas se tornaram viciados. Talvez, esses meninos tinham tudo, menos a conexão que precisavam. Tinham tudo de desnecessário. Faltou, somente, o indispensável: a conexão amorosa. continuar lendo

Realmente o link é fantástico.... que maravilha ! continuar lendo

Guerra as drogas é uma farsa, na verdade existe é uma guerra pelas drogas e seus mercados.
Mas já que não podemos vencer o mal, vamos nos render, é mais fácil não é mesmo? continuar lendo

Devemos continuar sim!

Mas, primeiro, devemos identificar o mal. Segundo entendi do texto, estamos direcionando os esforços não para o mal e sim para a consequência do mal. Brigar com a consequência não trás cura. É como ter um estilo de vida prejudicial e ter um monte de sintomas dolorosos e tomar remédio para dor. Não haverá cura. Só dependência.

Devemos melhorar o ambiente em que vivemos e as drogas terão menor impacto na vida de todos. continuar lendo

Bom texto... a solução para o caso então é...? relatar fatos e números é fácil. Apresentar solução viável que é complicado. continuar lendo

Legalizar, regulamentar e tributar bastante. continuar lendo

Aphonso Garbin, se legalizarmos, regulamentarmos e tributarmos bastante, o que vai acontecer é as quadrilhas continuarem no contrabando. continuar lendo

Fala Julio! A minha opinião para tentar ao menos diminuir o problema virá no próximo artigo (29/09).
Fique atento e obrigado pela leitura. continuar lendo

Elias Edenis, isso não ocorre com o álcool, por qual motivo seria diferente com as outras drogas ilícitas. continuar lendo

A resposta para isso não é simplesmente uma. O problema é complexo e por esta razão a solução não vem de um fator. São vários os problemas que causam as drogas, mas um dos passos é conhecer do assunto e debatê-lo, mas para isso deve-se ter sobretudo argumentos e não usar dessa política pública de combate ao tráfico como argumento único. continuar lendo

Sr. Aphonso, o motivo é simples: o álcool nunca foi proibido em escala global como as drogas são. Então, existe toda uma estrutura lícita em âmbito mundial para que a venda de bebidas alcoólicas legalizadas superem a venda através da falsificação, contrabando e descaminho (sim, ainda existe!); já no que tange as drogas, a estrutura em âmbito mundial é ilícita, ou seja, o plantio, cultivo, a produção, o processamento, a distribuição e venda estão nas mãos de cartéis ou senhores do tráfico, e não de grandes empresas lícitas – e com pouco ou nenhum know-how sobre essa atividade. Se o Brasil legalizar, será mais uma exceção de países no mundo!

Um dos maiores erros existentes na questão das drogas é não observá-la em escala global! Esse é o motivo dos mega-traficantes estarem sempre um passo a frente de autoridades como a nossa, só sendo efetivamente combatidos na Colômbia e nos EUA.

Abraços! continuar lendo

Ótimo artigo! Obrigado pelo conhecimento compartilhado!
O artigo só confirma o que a sociedade (mesmo que não enxergue a situação) vive a tempos. Hoje, em qualquer cidade do Brasil há tráfico, se o cidadão quiser adquirir um grama de qualquer substância narcótica (me refiro às que fazem parte do "Portfólio" do "mercado" da droga no Brasil) os mesmos conseguirão SEM DIFICULDADE NENHUMA! Então me vem a questão: Se há guerra contra as drogas, então, porque há tantas DROGAS nas ruas? (e se há muita droga, há muito dinheiro) continuar lendo