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17 de Junho de 2024

Análise sobre o princípio da presunção da não culpabilidade

Efetividade e aplicação no direito penal brasileiro.

Publicado por Marcos Macedo
há 7 anos

Autores:

Doriam Lucena de Matos[1]

Maria Barbosa da Silva[2]

Marcos Vinícius Fernandes Macêdo[3]

Natália Medeiros de Lucena[4]

[1] Autor. Graduando da Faculdade Paraíso do Ceará.

[2] Co-autora. Graduanda da Faculdade Paraíso do Ceará.

[3] Co-autor. Graduando da Faculdade Paraíso do Ceará.

[4] Co-autora. Graduanda da Faculdade Paraíso do Ceará.

RESUMO

Este trabalho destina-se a um exame do princípio da presunção de inocência em seu desenvolvimento histórico, seu caráter de norma fundamental, com vistas à garantia de liberdade, bem como suas peculiaridades de aplicação no direito processual penal pátrio. Para tal, se analisou as disposições legais em que está previsto, a evolução de entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e razoabilidade das medidas cautelares, mecanismo que podem mitigar a referida garantia.

Palavras-chave: Presunção de inocência. Não Culpabilidade. Garantias Individuais.

1 INTRODUÇÃO

O princípio da presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade é um dos princípios basilares do processo penal bem como do estado democrático de direito. Se traduz na ideia de que um acusado, não pode ser considerado culpado pelo cometimento de um crime até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, isto é, até que seja proferida uma sentença não mais suscetível de recurso, com observância ao direito de ampla defesa e apresentação do contraditório.

Ocorre que, apesar de ser uma ideia, a primeira vista, de simples compreensão, este princípio passou diversas interpretações ao longo da história, e mesmo nos dias atuais, ainda pode-se perceber que é muitas vezes mal compreendido pela sociedade civil de modo geral, a qual lhe atribui, de forma errônea, o entendimento de que somente serve para beneficio dos criminosos.

Mas, ao contrário do que pode pensar parte da sociedade brasileira, a presunção de inocência serve como proteção ao direito fundamental de liberdade, limitando o poder do estado e evitando que inocentes sejam injustamente condenados, mesmo que, assim, a persecução penal corra o risco de inocentar um culpado. Nesse sentido, é válido lembrar do brilhantismo de Luigi Ferrajoli ao tratar do tema: “este princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado."(FERRAJOLI, 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2004 p. 441).

Ademais, apesar ter adquirido o status de direito fundamental no ordenamento jurídico pátrio e de todas as discussões já realizadas, o tema se mantêm atual, uma vez que ainda não possui a devida efetivação e eventos recentes, concernentes a sua aplicação continuam por alterar a sua interpretação.

Portanto, o presente trabalho visa examinar tão importante princípio em seu desenvolvimento histórico, suas peculiaridades de aplicação no direito brasileiro bem como seus desdobramentos e, por fim, uma analisar sobre o atual momento do direito processual penal brasileiro e as situações fáticas a ele afetas, sobretudo, a recente decisão do STF que passou a permitir prisões a partir da condenação em segunda instância e as excessivas prisões cautelares com tempo demasiadamente prolongado.

O presente trabalho é eminentemente teórico, pois se propõe a examinar as principais ideias que levaram ao atual entendimento acerca da presunção de inocência, considerando o contexto sociojurídico em que se desenvolveram, com o intuito de contribuir de modo relevante para discussão já existente e esclarecer questões obscuras a eventuais leitores.

A coleta das informações se deu por meio de pesquisa bibliográfica, utilizando-se, sobretudo, de livros, periódicos, artigos científicos e decisões proferidas por tribunais superiores. Optou-se por este tipo de pesquisa pela riqueza do conteúdo doutrinário já existente e pelo acesso facilitado às decisões referentes ao tema em análise, vez que são disponibilizados pelos próprios órgãos judiciários via meios eletrônicos.

1.1 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Devido às peculiaridades do desenvolvimento político do Brasil, para melhor compreensão, faz-se necessário um exame histórico apartado. Em breve síntese as constituições de 1824, 1891 e 1934, não diferem excessivamente do que ocorreu no restante do mundo. A grande diferença surge com a constituição de 1937, durante o regime de exceção de Getúlio Vargas, responsável pelo chamado golpe do estado novo.

Esta constituição, estipulou o chamado estado de emergência, no qual além de trazer a figura da pena de morte para os crimes contra a segurança nacional e não fazer qualquer menção expressa à não culpabilidade, o que por si só já demonstrava um imenso retrocesso, passou a outorgar ao presidente o poder de fazer cessar a aplicação de qualquer direito fundamental, ou seja, ainda que a garantia de presunção de inocência pudesse vigorar implicitamente, não poderia produzir plenamente seus efeitos, vez que estava submetida aos desígnios autoritários do presidente.

Felizmente em 1946, Getúlio foi afastado do cargo de presidente e promulgou-se uma nova constituição. Esta, apesar de igualmente não mencionar de modo expresso a não culpabilidade, extirpou por completo a possibilidade não aplicação dos direitos constitucionais. Também teve como ponto positivo a previsão de comunicação da prisão ao juízo competente, o qual deveria relaxar a prisão caso fosse ilegal e a possibilidade de impetração de habeas corpus, conforme estabelecia o artigo 141, in verbis:

§ 20 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei.

§ 21 - Ninguém será levado à prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei.

§ 22 - A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e, nos casos previstos em lei, promoverá a responsabilidade da autoridade coatora.

Em 1967, três anos após a tomada de poder pelo regime militar, sob o pretexto de que seria necessário o reestabelecimento da ordem, foi criada uma nova constituição, com o intuito de legalizar o governo de exceção. Esta carta magna incorporou os quatro famigerados atos institucionais anteriormente editados, aumentou o poder do executivo ao mesmo tempo em que tolheu as atribuições do legislativo. No entanto, ainda previa o que fora estabelecido em relação ao habeas corpus e legalidade da prisão do diploma anterior.

Contudo, em 1968, com edição no ato institucional número 5, o qual concedeu poderes quase absolutos aos militares, houve, verdadeiramente uma inversão da presunção de inocência.. Este decreto previu a suspensão até mesmo do habeas corpus em seu art. 10: “Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”.

Na prática, não existia definição objetiva de crime político, de modo que qualquer ato praticado que interferisse nos interesses do governo poderia ser considerado ilícito e portanto sujeito a punição sem nenhuma observância das garantias fundamentais. Com a emenda constitucional 01 de 1969 a situação ficou ainda pior, estabeleceu-se, através de uma modificação o art. 181, que o atos praticados pelo poder executivo não necessitariam passar pela apreciação do poder judiciários: “Art. 181. Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964”.

Em 1985, com declínio da ditadura militar foi necessário a criação de uma nova constituição. Devido ao momento político da época, sentiu-se a necessidade de se elaborar uma carta magna que, trouxesse de forma expressa várias garantias fundamentais, as quais, até então somente tinha vigorado de forma implícita ou que nem mesmo haviam sido adotadas pelo Brasil, com objetivo de reparar os danos causados pela ditadura e evitar que um novo golpe ocorresse.

Nos regimes constitucionais anteriores não se tinha uma previsão expressa de presunção de inocência, sua aplicação se dava como decorrência do princípio do devido processo legal. Com a promulgação da constituição de 1988, passou a prever expressamente em seu art. , inciso LVII “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Além disto, como anteriormente explanado, também está prevista no pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. No entanto, consoante demonstrado, isto não significa que o ordenamento pátrio jamais tivesse adotado a presunção, como Leciona o ilustre professor Guilherme de Souza Nucci (2015, p.11) “Ocorre que, mesmo antes da constitucionalização desses princípios, os processualistas já os consideravam existentes e atuantes no processo penal brasileiro, trazendo várias consequências que informavam a aplicação da norma ao caso concreto”.

Ocorre que, apesar do texto constitucional prever a presunção de inocência até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, o STF, ao contrário da literalidade do texto, entendia ser possível a execução da pena a partir da condenação em segunda instância. Este entendimento acabou sendo alterado em 2009, com o julgamento do Habeas Corpus 84.078.

Na decisão ficou consignada a estrita observância ao que versa o art. 5º, inciso LVII, somente sendo possível a punição em caráter definitivo após a condenação em último grau de jurisdição. Observam-se, os principais trechos da ementa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. , LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. , III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. [...]3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. [...]”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados - não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.[...] 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (grifos adicionados)

Esse entendimento vigorou até fevereiro de 2016, quando o supremo contrariando o referido precedente, voltou a admitir a prisão a partir de condenação em segunda instância, sob o argumento de que nesta fase já está caracterizado faticamente o cometimento de ilicitude, restando para o acusado tão somente a pretensão de recorrer sobre matéria de direito. Este recente julgamento merece ser tratado em capítulo separado, o que se fará mais adiante.

1.2 DESDOBRAMENTOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Assim como o princípio da presunção de inocência originou-se do devido processo legal, dele se originam novos desdobramento, dentre os quais, merecem destaque o in dubio pro reo, entendido como uma regra probatória, a regra de tratamento e o direito de imunidade à autoacusação.

O primeiro deles, in dubio pro reo, refere-se ao ônus que recai sobre o acusador de demonstrar a culpa do acusado, eliminando qualquer dúvida razoável que se tenha sobre a sua inocência, observando-se, sempre, a garantia do contraditório e ampla defesa.

A primeira vista, pode parecer que o in dubio pro reo traz o mesmo preceito da presunção de inocência, no entanto, a presunção de inocência é mais ampla enquanto o in dubio pro reo recai sobre a valoração das provas. Se diante das provas o julgador não vislumbrar elementos que tornem o réu indubitavelmente culpado, deve absolvê-lo.

No que se refere a regra de tratamento, esta estabelece que um acusado, deve sempre responder ao processo criminal em liberdade, salvo nos casos previstos em lei, como se verá adiante. Para que estas exceções possam mitigar a regra de tratamento, devem sempre se mostrar necessárias ao desenvolvimento adequado do processo penal.

A esse respeito preleciona Fernando Capez, que sem a real e efetiva necessidade para o processo, a prisão cautelar seria:

uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado, e, isto, sim, violaria o princípio da presunção da inocência. Sim, porque se o sujeito está preso sem que haja necessidade cautelar, na verdade estará apenas cumprindo antecipadamente à futura e possível pena privativa de liberdade. (Curso de Processo Penal, 2. ed., Ed. Saraiva, p. 224)

A regra de tratamento, por sua vez, pode ser entendida em duas dimensões. A primeira delas, interna ao próprio processo, está ligada ao magistrado, o qual não pode considerar o réu culpado senão baseado em provas lícitas afetas ao processo, sem nunca decretar medidas cautelares que não sejam estritamente necessárias. A segunda, externa ao processo, diz respeito à dignidade, honra e privacidade do acusado, que não pode ser tratado pelos veículos da mídia em geral, como culpado antes de sua condenação, nas palavras Aury Lopes (2012, p.239):

Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.

Tal dimensão, como se nota, é extremamente delicada, por entrar em conflito com o princípio da liberdade de expressão, de modo que sua aplicação deve ser sempre ser ponderada de acordo com o caso concreto.

Por fim decorre do princípio da presunção de inocência, aliado à ampla defesa, o direito de imunidade à autoacusação ou de não produzir provas contra si mesmo, nemo tenetur se detegere. Através deste direito, mesmo que o acusado não exerça seu contraditório, permanecendo em silêncio, isto não importará em anuência aos crimes que lhe são imputados, ou seja, o silêncio não é entendido como confissão e o acusado continua a gozar do status de inocência. Este direito parte da premissa, intimamente ligada a não culpabilidade, de que cabe ao acusador provar a culpa do acusado e não este provar sua inocência. Ademais, também é o estado a parte com maior força na relação processual, e por isso o mais apto a demonstrar a culpa pelo cometimento de um crime.

1.3 APLICAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR

Uma vez vistas às regras derivadas da presunção de inocência, sabe-se que a prisão, antes da prolação da sentença, se afigura como medida excepcional devendo estar sempre em estrita consonância com os parâmetros legais para que possa ser aplicada. No entanto, isto nem sempre ocorre, sobretudo na realidade brasileira, e o que se vê é uma banalização de tão crítico instituto. Assim, o presente capítulo visa, em primeiro momento, um exame dos requisitos para prisão cautelar e posteriormente uma análise de sua aplicação no direito penal pátrio.

Cumpre-se iniciar distinguindo prisão pena de prisão cautelar. A primeira tem por finalidade a aplicação da punição, quando ao final do devido processo penal, consolida-se a culpa do acusado, mediante sentença. A segunda objetiva garantir o adequado desenvolvimento do processo, quando a liberdade do acusado lhe implica um fundado risco.

Nosso ordenamento prevê a existência de três espécies de prisões cautelares, a primeira delas é prisão em flagrante. Esta prisão tem como objetivo impedir o desenvolvimento de um crime e dar início a imediata persecução penal contra o autor. Deve ser comunicada ao magistrado competente em até 24 horas, portanto, possui um caráter temporário, o magistrado, ao receber o auto de prisão, deve escolher necessariamente entre relaxá-la, se houve ilegalidade, convertê-la em prisão preventiva, caso presentes os requisitos, ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

A segunda modalidade prisão preventiva, chama-se prisão temporária e é aplicada para garantir a apropriada investigação durante a fase de inquérito policial ou nos casos em que o indiciado não possui residência fixa ou que não fornece elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. De igual modo, como a prisão preventiva, somente poderá ser decretada pelo magistrado competente, por período não superior a 5 dias, sendo possível a sua prorrogação por igual período, e em casos excepcionais, quando se trata de crimes hediondo pode atingir 30 dias.

Por fim, a última modalidade de prisão cautelar e, sem dúvida a mais importante, trata-se da prisão provisória, decretada para garantir a ordem pública, a ordem econômica, aplicação da lei penal ou conveniência da instrução penal. Para tanto é necessário haver materialidade do fato e indícios suficiente de autoria, podendo ser decretada tanto a partir prisão em flagrante quanto ao decorrer da instrução penal. Ocorre que apesar de possui um caráter temporário em muitas vezes se vê um excesso de aplicação e por período superior ao razoável para o término do processo.

O ministro Celso de Melo, em recente julgamento, afirmou, criticando a banalidade da medida:

Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de segregação cautelar do acusado, considerada a excepcionalidade da prisão processual, mesmo que se trate de crime hediondo.

Não obstante ao caráter excepcional do instituto, segundo dados do Ministério da Justiça, 44% dos quase 700 mil presos no Brasil, estão encarcerados preventivamente. Estes números alarmantes em nada demonstram a harmonia do sistema penal brasileiro com a adequada efetivação da presunção não culpabilidade, ao contrário, evidenciam que se necessita de uma mudança no modelo de aplicação penal.

Muito embora já fosse um problema conhecido e de grande relevância há bastante tempo, o período das prisões provisórias, voltou a ganhar destaque recentemente com a operação lava jato. Existem réus, por exemplo, que já estão presos preventivamente há quase 2 anos. Ainda, mesmo sem entrar no mérito da efetividade do mecanismo para o caso específico, é necessário lembrar que tais medidas formam um perigoso precedente, lembrando bastante o sistema inquisitório, em que os acusados são tolhidos de sua liberdade, em uma espécie de tortura, a fim de que confessem um crime.

Neste ponto, é bastante importante reiterar que estas prisões apesar de, aparentemente, se configurarem como uma referência para o problema da celeridade, servindo como uma espécie de atalho processual para aplicação da pena antes de prolatada sentença não merece ser levada adiante, pois além de não ser a via adequada ferem gravemente o princípio da não culpabilidade. O mais acertado para solucionar a problema da morosidade do processo, está na via legislativa, através da atualização das leis.

1.4 MUDANÇA DE PRECEDENTE DO STF

Em fevereiro de 2016, ao julgar o habeas corpus de número 126.292, o STF entendeu novamente ser cabível a execução da pena a partir da condenação em segunda instância. O Min. Relator, Teori Zavascki, argumentou em seu voto que a partir deste momento já não se discute a ocorrência do fato delituoso, mas tão somente matéria de direito. Desta forma, ao contrário do expressamente elencado no inciso LVII, o princípio da não culpabilidade restaria esgotado em segundo grau de jurisdição não até o trânsito em julgado.

É necessário, para melhor entendimento, a transcrição da ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. , LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo , inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.

O relator, ainda fez menção ao direito comparado, relembrando importante fato trazido à luz pelo voto da Ministra aposentada Ellen Gracie em julgamento anterior, “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”. E, ainda nas palavras do ministro:

Realmente, a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias.

O julgamento à época, não teve efeito vinculante, limitou-se a ser aplicado no concreto, no entanto, já demonstrava a inclinação da corte a revisar seu entendimento. Diante de tal julgamento foram ajuizadas as ações de constitucionalidade de número 43 e 44, tendo como autores o Partido Ecológico Nacional e o conselho federal da ordem dos advogados do Brasil, respectivamente.

Ao julgar as ações o STF acabou por reforçar o entendimento adotado no habeas corpus 126.292, trazendo relevantes modificações para o âmbito sócio jurídico. A primeira destas modificações é uma maior celeridade na punição dos acusados, evitando-se também a interposição de recursos, para as cortes superiores, com único interesse de se atingir a prescrição da pena. Por outro lado, tal decisão pode apresentar aspectos negativos, sobretudo, quanto a segurança jurídica, vez que desfaz um precedente de 2009, relativamente recente, além de se opor de forma clara a literalidade do texto constitucional.

CONCLUSÃO

A presunção de inocência passou por diversos entendimentos ao longo da história e acabou por se consolidar como princípio fundamental às garantias individuais, bases da ideia de Estado democrático de direito. Sua adoção no Brasil atravessou momentos delicados, especialmente durante a ditadura militar, mas acabou consagrada com a constituição cidadã de 1988. Mesmo com todo caminho percorrido, a presunção de não culpabilidade continua sofrendo transformações, tanto por decisões proferidas por nossa corte suprema, quanto por decisões que geram grande destaque, como as proferidas na operação lava jato.

No tocante ao novo entendimento do STF, observam-se alguns efeitos positivos, como a celeridade nas punições, o desafogamento das cortes superiores, uma vez que não fará mais sentido a impetração de recursos meramente protelatórios visando a prescrição punitiva e uma diminuição do sentimento de impunidade que vigora atualmente na população. Por outro lado, seus críticos afirmam, com razão, que há uma relativização das garantias fundamentais.

Em face de todo o anteriormente exposto, percebe-se que, mesmo sob a égide de nossa constituição, a presunção de não culpabilidade, como boa parte de nossas garantias fundamentais, é pouco efetivada, embora possua uma sólida base jurídica. Assim se faz necessário, uma rápida mudança de paradigma, todavia, devido à heterogeneidade das decisões proferidas pelos juízos em primeira instância e as grandes proporções de nosso país, dificilmente se poderia começar por este âmbito, a ágil mudança que a situação demanda deve vir, primeiramente, de nossas cortes superiores, as quais, através da formação de decisões com caráter vinculante dever orientar a aplicação de institutos como a prisão preventiva.

Por fim, entende-se que uma saída alternativa, seria se utilizar de órgão como o CNJ para emitir resoluções que orientem a aplicação da lei. Pode-se apontar, ainda, como forma de conceder maior efetividade ao princípio, a edição de leis que limitem o período de prisão provisória.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Apontamentos sobre a presunção de inocência. Disponível em:. Acesso em: 25 de maio 2017.

BARBOSA, Aline. O princípio da presunção de inocência nas constituições brasileiras até o julgamento do Habeas Corpus 126.292. Disponível em:. Acesso em: 26 de maio 2017.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.

BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 1992. Disponível em:. Acesso em: 29 de maio 2017.

BRASIL. STF. Plenário. HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/10/2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246>. Acesso em: 28 de maio 2017.

BRASILEIRO, Renato. Curso de Direito Processual Penal. 4. Ed. Juspodvm, São Paulo, 2016.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão - Teoria do Garantismo Penal. 3. Ed. Revista dos Tribunais, 2004.

MARUPIARA, Cesar Ferreia. Prisão preventiva e o princípio da presunção de inocência. Monografia. 2010. Disponível em: <http://tmp.mpce.mp.br/esmp/biblioteca/monografias/d.penal-d.proc.penal/prisão.preventiva.e.o.principio.da.presuncao.de.inocencia[2010].pdf>. Acesso em: 24 de maio 2017.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21. Ed. Saraiva, 2001.

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SILVEIRA, Rafael Rodrigues. A atuação da mídia e a ofensa ao princípio da presunção de inocência, monografia. Disponível em: <http://perquirere.unipam.edu.br/documents/23456/422843/A+++atua%C3%A7%C3%A3o+da+m%C3%Addia+e+a+ofensa+ao+princ%C3%Adpio+da+presun%C3%A7%C3%A3o+da+inoc%C3%Aancia.pdf>. Acesso em: 25 de maio 2017.

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1 Comentário

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Rafael Rodrigues
5 anos atrás

Parabéns pelo artigo e obrigado por me citar nas referências, rs.
Abraço! continuar lendo