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23 de Maio de 2024

Aplicação do Princípio da Insignificância nos Tribunais Superiores

A Aplicação do Princípio da Insingnificância nos Tribunais Superiores e os Requisitos Traçados para sua Concessão

Publicado por Wesley Soares
há 7 anos

O princípio da insignificância aplicado aos casos concretos retira a tipicidade material do fato, restando como conduta atípica. A punibilidade não se esgota com a aplicação deste princípio, antes mesmo que seja analisada a punibilidade, o fato se torna atípico por via da sua caracterização com insignificante. A não lesão, ou a lesão ínfima do bem tutelado é o ponto central para avalição sobre a aplicabilidade da bagatela.

Ultrapassada a fase de adequação formal do crime ao tipo penal, onde o fato é posto em contraponto à letra da lei, almejando-se identificar o seu encaixe perfeito, como o molde à moldura, nos casos em que é comprovada a adequação entre fato e lei, o Estado recebe permissão técnico-jurídica para exercer o jus puniendi, porém, através do conceito moderno de direito penal, existe uma subsidiariedade do direito penal aos outros ramos do direito, resultando na utilização da teoria da intervenção mínima do Estado.

Estando diante do processo, já devidamente iniciado, atendendo os requisitos processuais para a formação da lide, o juízo, seja qual for, poderá declarar a insignificância da lesão praticada pelo agente ativo, entende-se como matéria de ordem pública o reconhecimento da bagatela, pois somente o Estado poderá reconhecê-la ao analisar o fato concreto.

Somente através da análise do caso concreto é que a tipicidade material poderá ser descartada, pois é o momento em que o juízo irá ter contato com o caso particular, restringindo a aplicação da insignificância aos casos em que haja possibilidade de sua aplicação.

O Supremo Tribunal Federal vem reiterando o entendimento de que existem requisitos mínimos para a identificação do princípio da insignificância nos processos, o que fez através da concessão de habeas corpus pelo ministro Celso de Mello, no processo HC 84.412-0 SP, em 19 de outubro de 2004, transcreve-se o trecho da decisão:

O princípio da insignificância – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o carátersubsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

Os “vetores” descritos na decisão da Suprema Corte são tratados como fundamentais para a aplicação do princípio, a mínima ofensividade, não haver ofensividade, a reprovabilidade reduzida da conduta, e inexpressividade da lesão causada pelo delito. Faz-se, então, necessária uma análise separada de cada um desses vetores.

O primeiro vetor a ser analisado é a mínima ofensividade, resultante da conduta do agente frente ao objeto protegido pelo direito penal, tem ligação direta entre o estado do bem tutelado antes e após a intervenção do agente ativo. O grau de ofensividade sofrida pelo bem tutelado somente poderá ser levado em consideração a partir do momento em que o Estado considere necessário reafirmar os valores sociais ali protegidos.

A ofensividade tem a sua mensuração adequada ao bem tutelado e às condições gerais da conduta. Em simples análise nos crimes de furto, tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o STF, veem adotando o critério da ofensividade como aquele que averigua o quantum fora furtado, sempre transformando o valor do bem tutelado em pecúnia, números fáceis de manter uma linha visível dos limites de ofensividade.

Temos como exemplo a decisão do STF no habeas corpus julgado recentemente pela Ministra Ellen Gracie em 5 de outubro de 2010, com o n. HC102.080 MS, eis o trecho da decisão no qual o valor do bem tutelado é transformado em valores concretos e monetariamente fixáveis:

No caso concreto, o paciente foi denunciado por ter subtraído para si 5 (cinco) blusas infantis, no valor total de R$ 10,95 (dez reais e noventa e cinco centavos). Ressalta-se, ademais, que a res furtiva foi restituída à vítima, não havendo, portanto lesão ao seu patrimônio.

Assim como também vem decidindo o STJ no HC 157.137 SP, publicado no Diário de Justiçã Eletrôncio (DJe) em 11 de outubro de 2010, de lavra do Ministro Reletor Napoleão Nunes Maia Filho:

No caso em apreço, como se infere dos autos, tem-se que o valor do bem furtado pelo paciente (R$ 70,00), além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da tipicidade material. Ademais, mostra-se de todo aplicável o postulado permissivo, visto que a res furtiva foi posteriormente restituída à vítima.

Ambas as decisões demonstram o entendimento do STF, respeitando sempre os vetores traçados pelo HC 84.412-0 SP, o que tornou-se como um documento instrutório da aplicação do princípio da insgnificância.

Diante da situação em que valor do bem exceda o senso de insignificância baseado na valoração pecuniária, mesmo que não afetando de forma notável o patrimônio do ofendido, torna-se insustentável a aplicação da insignificância por haver uma sensível diferença entre pequeno valor e insignificância do valor, tendo o Estado se importado com a proteção dos bens de pequeno valor, a sua insignificância esbarra no limite concenssual entre injusto/bem jurídco.

São inúmeras as decisões que consideram o valor dado à lesão como significicante, impossibilitando o afastamento do Estado nesses casos. Há previsão legal para, por exemplo, furto de objetos de pequeno valor, prevista no art. 155, § 2º, do Código Penal, o que torna inaplicável o conceito de bagatela quando o valor dado ao bem tutelado supera o senso de ninharia.

Cita-se a decisão proferidan HC 167.587 SP, pelo Ministro Relator Jorge Mussi do STJ, publicada no DJe em 11 de outubro de 2010:

Com efeito, na hipótese em exame, além de a conduta da paciente - furto - se amoldar à tipicidade formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma incriminadora, e à tipicidade subjetiva, pois comprovado o dolo do agente, não há como, na hipótese, afastar-se a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado, já que, ao contrário do que argumenta a impetrante, o objeto furtado não apresenta valor ínfimo, sendo avaliado em R$ 200,00 (duzentos reais), montante superior ao considerado por esta Quinta Turma como insignificante à esfera penal.

O vetor seguinte a ser analisado vem inteirar a delimitação da aplicação do princípio nos casos em que, como citado, o valor dado ao bem jurídico for além do que está implicitamente concebido pelos julgadores, trata-se de uma periculosidade social reduzida a nada, a conduta do agente ao cometer uma infração penal não altere o equilibrio social trazido pela norma penal infrigida.

O que se pretende através desse vetor é garantir que o Estado deixe de exercer o jus puniendi em todos os fatos que não tragam um abalo aos valores socialmente protegidos pela lei, mas que também garanta o fator preventivo de controle social inerente àquela norma transgredida.

O Estado garante, através da lei, que haja a ordem e a prevenção, contudo havendo atitudes que vão de encontro com a norma penal, pondo em risco o controle social sempre que qualquer um dos seres sociais não mais obedecesse as ordens estabelecidas pelo pacto, assim demonstrando que essa violação torna a prevenção desejada pelo Estado inócua, ponderando-se os benefícios do cometimento do crime face a ausência de resposta suficientemente coercitiva do Estado.

Mesmo considerados como ínfimos os valores do bem jurídico tutelado, a aplicação da bagatela deverá ponderar sobre a possibilidade de resultar no incentivo indireto à prática de crimes de pequeno porte, sendo, então, necessária a repressão por parte do Estado nos crimes em que a aplicação do princípio da insignificância deixe dúvidas ou reste sabido que em razão da pequena monta do crime o agente estaria sumariamente inimputável.

A Suprema Corte, tentando enxergar uma possibilidade de flexibilização na aplicação da pena no crime de roubo, especificadamente quando não houver violência física, ou seja, quando a obtenção da vantagem se der por meio de grave ameaça, avaliou quais as possibilidades e os resultados durante o julgamento do HC 97.190 GO, do qual foi Ministro Relator Dias Toffoli, sendo publicado no DJe em 8 de outubro de 2010, tendo como o centro da decisão a viabilidade do reconhecimento da bagatela no valor obtido pelo roubo. Seguem trechos de fundamental importância:

Pelo que se tem na decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Jusitça, não se vislumbra nenhuma ilegalidade, abuso de poder ou teratologia que justifique a concessão da ordem. Com efeito, o acórdão proferido por aquela Corte encontra-se suficiente motivado, restando justificada a formação do convencimento.
Ademais, o crime de roubo se caracteriza pela apropriação do patrimônio de outrom mediante violência ou grave ameaça à sua integridade física ou psicológica. No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, mormente se se considera que o ato foi praticado pelo paciente meidante grave ameaça e com o concurso de dois adolescentes, fato esse que, na minha concepção, não pode ser taxado como um comportamento de reduzido grau de reprovabilidade (HC nº 84.412/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 19/11/04).

Diante da decisão tomada pelo Relator, outros ministros desenvolveram um pensamento paralelo, sendo o Ministro Marco Aurélio o que mais se afastou da tese incial reclamando a aplicação do princípio da insignificância. Eis os trechos do conflito:

[...]
O SENHO MINISTRO MARCO AURÉLIO – Com a premissa de que não haveria interesse da sociedade em movimentar o Judiciário para essa persecução. O habeas não é ação de mão dupla. Estamos a nos defrontar com o caso concreto em que o pano de fundo foi ess roubo, a corrupção de menores e a ameaça à vítima. O Ministério Público preconiza a concessão parcial para que se dê oportunidade ao titular da ação penal de processar o paciente por motivo diverso. Não estamos diante de uma ação possessória, que é de mão dupla. O que se tem de averiguar é se, no caso – e não houve prejuízo da vítima, parece que se recuperou a quantia -, se configura ou não crime de bagatela – roubo de R$ 3,25 (três reais e vinte e cinco centavos). Se não dissermos, neste caso, que configura, teremos errado em outros precendentos até aqui formalizados.
[...]
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – De minha parte é contrário, tenho dificuldades em aplicar o princípio da insignificância no Supremo pela conotação que isso tem. Acho que, tal como bem dizia o Ministro Sepúlveda Pertence, precisamos de clarear, conforme fez o Ministro-Relator: para esse tipo estamos assentando a inocorrência ou a inaplicabilidade desse princípio da insignificância em face de outros elementos que compõe.
[...]
O SENHOR MINISTRO RICARO LEWANDOWSKI – Mas a violência é psicológica. É uma violência gravíssima, nós vamos sinalizar, como todo respeito, para a sociedade brasileira, que é possível que algúem ameace dizendo que está armado e ante o resultado não esperado, porque...
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Eu nem tenho dúvida de que grave ameaça e violência podem levar à não-aplicação. Agora, há dois dados aqui que precisam assentar: primeiro que, por um roubo com grave ameaça, não com violência, como está acentuando o Ministro Marco Aurélio – aliás, o Ministro Relator também acentuou -, que levou ao roubo de R$ 3,25 (três reais e vinte e cinco centavos), foi fixado uma pena de cinco anos.

Não tendo sido superada a discussão, o Ministro Presidente daquela sessão, Ayres Britto, fez vista antecipada, e assim, por fim, decidindo:

Presente esta moldura teórica, e atento às peculiaridades do caso concreto, tenho que o caso é mesmo de denegação da ordem. Isto porque dou pelo acerto da tese firmada pela autoridade impetrada, no sentido de que, “mesmo insignificante quanto ao aspecto pecuniário ou patrimonial, resta a lesividade quanto à conduta do agente, consubstanciada na violência ou grave ameaça sofrida pela vítima”.
Noutro dizer, não é possível afirmar que a conduta promtagonizada pelo paciente seja de mínima ofensividade; ou mesmo de um reduzidíssimo grau de reprovabilidade, a ponto de provocar a incidência do princípio da irrelevância penal. Pelo contrário, tenho que o reconhecimento da insignificância material da conduta imputada ao paciente, na concreta situação dos autos, serviria muito mais como um nocivo estímulo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder Judiciário.

A transcrição desta discussão se faz importante pela definição do objeto apreciado, requerendo dos julgadores a delimitação de até onde é possível a aplicação da bagatela frente a segurança preventiva da norma na sociedade. Não há automatismo na aplicação deste princípio, pois sempre ester-se-á diante de fatos concretos que merecerão uma análise minunciosa.

Considerando que houve sim uma conduta que põe em risco a sociedade, transmitindo a ideia de que a prática de crimes com o resultado pequeno, com o roubo que tenha como valor subtraído uma ninharia, não trazem um reflexo jurisdicional equivalente à sua proteção, seria mais danoso a aplicação do princípio da insiginificância do que entender que o Estado deve ser reduzido ao mínimo, resgardando esse bem jurídico através de outros ramos.

O terceiro vetor a ser diagnosticado é o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, é a aceitação pela sociedade da conduta de forma a não mais ser necessária a proteção estatal do bem jurídico através da lei penal. Torna-se demasiada qualquer punição praticada pelo Estado ao punir o infrator nesses casos.

A conduta do agente tornou-se inócua ao direito penal através das mundanças sociais, onde fatos antes repudiados e que traziam instabilidade à paz social, não mais são assim encarados, são conceitos transedentários, que podem resultar tanto na criação como no desuso da norma penal.

Contudo, nos crimes em que o valor social da infração é fragmentado, podendo, a depender da intensidade da ação do agente ativo, ter o delito efeito insuficiênte para transformar a realidade por qual ultrapassou os limites. É partindo da alteração do status quo estabelecido naquela sociedade por conta do cometimento de um delito que o Estado realmente deverar se utilizar do seu poder concentrado para impelir novas condutas identicas.

A prática de parcela da ofensividade do delito não anula a letra da lei, mas faz com que seja descartada a aplicação da pena diante dos fatos concretos, a exemplo do adultério, que por limitar os seus efeitos àqueles que especificadamente participaram da conduta, não tendo o condão de alterar o animus da sociedade em que tenha ocorrido, o que se dá em razão dos novos paradigmas referentes a proteção exarcebada do instituto casamento pelo Estado.

Não poderá mais o Estado ir de encontro àquela parcela do crime que não mais ofende a ordem social em nome da rigida aplicação dos seus preceitos penais, caso contrario os danos, e a insuportável pressão estatal, trariam maiores danos do que benefícios, a sociedade busca novas aplicações do direito que possam substituir o direito penal sem que se perca o seu caráter de controle social.

O último vetor a proposto como critério para ponderar a insingnificância do delito é inexpressividade da lesão jurídica provocada ao bem jurídico diante o tamnho do patrimônio ou da dimensão do bem violado.

Confronta-se os aspectos que motivaram a condutada desviado do delinquente com a “quantidade”, por assim dizer, que foi lesada do bem ofendido. Portanto, nos casos de flagrante desparidade entre valor lesionado e o valor total do bem, como a exemplo de furto de valor ínfimo contra um patrimônio de imensurável monta, considera-se uma bagatela a parcela ofendida.

Tal conduta não poderá ir de contro a nenhum dos vetores anteriormente citados, principalmente se afetar a periculosidade social, o que poderia resultar na transmição de uma ideia em que por razão do pequeno valor lesado o crime não será punido. A aplicação desse vetor tem limitação direta com a periculosidade social, necessitando que o valor lesionado esteja dentro do campo de inocividade social, recaindo no reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento pela sociedade.

A aplicação do princípio da insignificância está vinculada ao preenchimento dos quatro vetores aqui definhados, são conceitos viceiralmente ligados, com um sistema de controle que interagem entre eles, refreando um vetor que possa tornar-se indefinido ou abrangente demais.


Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral. 14 ed. São Paulo; Editora Saraiva, 2009.

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. O supremo tribunal e a aplicação do princípio da insignificância. Jus navengandi, Teresina, out. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12551>. Acesso em: 08 de out. de 2009.

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