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17 de Maio de 2024

Artigo 226º CPP – Procedimento do reconhecimento de pessoas.

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há 4 anos

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

II – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único. O disposto no n. III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Reconhecimento de pessoas

A praxe do reconhecimento na visão de Renato Marcão: O jurista membro do Ministério Público do Estado de São Paulo e professor Renato Marcão faz interessantes e oportunas considerações sobre a forma como vem sendo feito o reconhecimento judicial de acusados: “De fato, e sob os olhos do fiscal da lei, em juízo o que invariavelmente se pratica é um tipo único de reconhecimento sui generis; um arremedo informal de reconhecimento; verdadeiro monstrengo, em que o magistrado, virando-se para o reconhecedor e apontando diretamente para o acusado, pergunta, quase afirmando, em tom de voz perfurocortante: foi aquele ali o autor do crime? (sic). E o arguido, após olhar de soslaio, com os olhos turvos de quem fora surpreendido com tão brusca e inesperada inquirição, rapidamente responde: sim. É quase um “nim”: um misto de sim com não. Esse “sim”, anunciado nessas circunstâncias, algumas vezes exterioriza muito mais o desejo de não contrariar o juiz do que o compromisso sério de identificar verdadeiramente, com segurança, o infeliz que está ali sentado. E dessa maneira, sem calcular o estrago, nesse “jeito de botequim”, afirma-se a visceral ligação com o delito. E mesmo assim: ponto final. É o que basta para mais adiante se fazer constar na fundamentação da sentença, solenemente e em letras destacadas, que o ofendido ou testemunha reconheceu formalmente o acusado em juízo. Nada mais ilusório, grotesco e enganador. Tal prática, de reconhecimento, nada tem. Ensinou FRANCESCO CARRARA que ‘Há sugestão quando, procurando a identificação de um objeto ou de uma pessoa, se apresenta ao interrogado aquele objeto ou pessoa que a acusação quer identificar, sem colocá-lo de permeio a outros. Essa sugestão se poderia dizer implícita. Tal forma de sugestão é um misto de sugestão real e verbal. É real enquanto, com a apresentação da coisa se sugere ao interrogando a ideia de identidade entre a conhecida e a desconhecida que se procura. É verbal por isso que, com a pergunta, se vem a insinuar tal ideia de identidade’ (Programa do curso de direito criminal, parte geral, tradução de José Luiz V. de A. Franceschini e J. R. Prestes Barra, São Paulo, Saraiva, 1957, v.II, p.443). A quebra do procedimento tipificado para a colheita desse tipo de prova desautoriza afirmar que houve reconhecimento em casos tais; tecnicamente, não houve. O que há é um simulacro de reconhecimento. Pensar o contrário é colocar em farrapos a dignidade da Justiça. Na condução do processo de modelo democrático, o juiz não pode portar-se como um vulgar curioso; como um receptor displicente de informações tão sérias. Deve, acima e antes de tudo, respeitar a dignidade de todos e de tudo o que o processo toca e envolve profundamente. Goste ou não; aprecie ou não o formalismo, impõe-se o acatamento irrestrito às diretrizes que informam os procedimentos normativamente delineados pelo Poder competente”. Assiste inteira razão ao Professor Renato Marcão. É bem verdade que em alguns reconhecimentos não se fazem necessárias as formalidades do dispositivo em exame. É quando a autoria não é discutida, ou mesmo quando ela é inegável, quando a prova dela é contundente. Porém, quando a autoria é negada, e a prova é categórica, a forma estatuída pelo artigo 226 é inafastável. Pode ser trabalhosa e, às vezes, morosa, mas imperativa.

Consequência do não cumprimento das formalidades do reconhecimento: As formalidades do reconhecimento só podem ser afastadas quando não há qualquer dúvida quanto à autoria. Havendo dúvida, e não sendo obedecidas, embora tal omissão não resulte em nulidade do processo, a prova de autoria constante da fase inquisitorial sofre decréscimo de seu valor. O novo reconhecimento realizado em juízo, cumpridas ou não as formalidades, não possui o efeito de devolver valor ao realizado na etapa inquisitiva. É que a vítima, ou testemunha, quando do processo, comumente já olhou e reconheceu o acusado por ocasião do inquérito. Assim, na fase judicial, não há um reconhecimento propriamente dito, mas tão somente uma ratificação de reconhecimento, sem o mesmo valor de um reconhecimento real, formalmente perfeito.

Dispositivo aplicável tanto ao inquérito quanto ao processo: O procedimento descrito nesse dispositivo deve ser observado também na fase do inquérito policial. Art. 6º do CPP: Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: (…) VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações.

Reconhecimento ao lado de outras pessoas. A falta de justa causa: O inciso II desse dispositivo ordena que a pessoa de que se pretenda fazer o reconhecimento seja colocada, se possível, ao lado de outras. Portanto, se for possível, e na maioria das ocasiões o é, o reconhecimento deve ser realizado com a cautela do inciso II. Especialmente em se tratando de processo em que há apenas uma testemunha, ou que o único depoimento for o da vítima (o que é comum nos delitos contra a liberdade sexual), ou quando houver dúvida quanto à autoria em qualquer processo. Cremos ser necessário que sejam esgotadas as possibilidades de colocar o réu junto de outras pessoas, sob pena de nulidade. E nulidade haverá especialmente se não houver decisão fundamentada justificando eventual impossibilidade. Sobre o tema há jurisprudência nos dois sentidos, que há, e que não há nulidade. A obediência à cautela do inciso II é mais importante ainda no inquérito. É que em juízo, na maioria das vezes, a vítima ou quem for fazer o reconhecimento já viu a pessoa a ser reconhecida durante a fase do inquérito onde, inclusive, já a reconheceu. Na fase do inquérito, ocorre de forma diferente, a pessoa a ser reconhecida só foi vista, na maioria das vezes, por ocasião da prática do delito. Quando a observância da cautela de que tratamos não for cumprida no inquérito, embora não há de se cogitar de nulidade do processo, já que os vícios do inquérito não afetam, como regra geral, a relação processual, o valor probante do reconhecimento fica restringido. As nulidades do processo possuem, entre outras funções, a pedagógica e a preventiva. Quando o tribunal anula todo o trabalho realizado pelo juiz de primeira instância, há nessa decisão conteúdo pedagógico e preventivo. Enquanto o Poder Judiciário persistir considerando o reconhecimento feito sem observância do inciso II do presente dispositivo (colocação da pessoa a ser reconhecida ao lado de outras pessoas), a polícia persistirá efetuando reconhecimentos sem essa formalidade essencial (e só em casos excepcionalíssimos se pode conceber justificativa razoável e crível para não efetivar o reconhecimento na forma legal quando a autoria é duvidosa). Nos delitos em que a única testemunha é a própria vítima, o reconhecimento realizado sem a observância desse inciso não confere justa causa para a ação penal, e menos ainda para dar suporte probatório para o decreto condenatório. O maior percentual de inocentes condenados que cumprem pena nos estabelecimentos penais resulta de condenações fundadas em um único depoimento, o da vítima. Cumpre aos juízes rejeitar a denúncia quando ela vier amparada nesta gravíssima irregularidade. E observe-se: praticada a irregularidade pela autoridade policial, esta é uma daquelas falhas que refazer não produzirá justa causa, pois a vítima já reconheceu, irregularmente, o investigado. Colocar o investigado, depois de reconhecido, ao lado de outras pessoas não confere valor probatório algum ao novo reconhecimento. Não apenas as nulidades do processo constituem falhas graves, há irregularidades do inquérito que produzem o mesmo efeito das nulidades processuais: nenhum efeito.

Participação das partes: O advogado e o membro do MP não podem formular indagações. A participação de ambas as partes é apenas fiscalizadora, pelo que estão autorizados a fazer observações que julgarem necessárias ao juiz.

Reconhecimento no caso de prisão em flagrante: Na hipótese de prisão em flagrante, a doutrina tem entendido que as cautelas do artigo 226 podem ser dispensadas. Não nos parece que seja sempre assim. No flagrante, o condutor não é necessariamente quem efetuou a prisão. O preso pode ter sido entregue ao condutor. O condutor pode não ter assistido ao delito. A vítima não precisa, necessariamente, acompanhar a condução do preso. Pode, por exemplo, ter precisado de atendimento médico urgente em razão da prática do delito. Nesse caso, será ouvida depois e, então, o reconhecimento deve ser realizado na forma preconizada pelo presente dispositivo legal. Perceba-se que, inclusive, conforme redação do artigo 304, as testemunhas, se houver, podem não ter acompanhado o condutor. Podem, a título de exemplo, ter acompanhado a vítima ao hospital. Serão inquiridas depois. Também aqui, o reconhecimento deve ser feito de acordo com o artigo 226 e seus incisos. As cautelas desse dispositivo só podem ser dispensadas em relação ao condutor/vítima e às testemunhas que acompanharam a condução. Nessas hipóteses, sim, não há razão que justifique a aplicação do artigo 226, na medida em que condutor/vítima e testemunhas estiveram em contato direto e visual com o agente desde o instante da prática delituosa.

Reconhecimento fotográfico: Seu valor deve ser avaliado com cautela. Nem de longe possui o mesmo valor do reconhecimento pessoal, e por isso só se pode recorrer a ele no caso em que for impossível o reconhecimento pessoal. Mesmo o reconhecimento fotográfico deverá ser realizado com as medidas dos incisos desse artigo 226. São utilizadas fotografias de outras pessoas.

Doutrina

Renato Marcão: Reconhecimento de pessoa em Juízo. Conteúdo Jurídico.

Aury Lopes Jr. e Pedro Zucchetti Filho: O direito do acusado de não comparecer ao reconhecimento pessoal. Conjur

Jurisprudência

As irregularidades relativas ao reconhecimento pessoal do acusado não ensejam nulidade, uma vez que as formalidades previstas no artigo 226 do CPP são meras recomendações legais. Fonte: jurisprudência em teses (STJ). Fonte: jurisprudência em teses (STJ).

Acórdãos:

AgRg no AgRg no AREsp 728455/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/06/2016, DJE 03/08/2016

HC 346058/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/06/2016, DJE 30/06/2016

AgRg no REsp 1434538/AC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 02/06/2016, DJE 15/06/2016

AgRg no AREsp 837171/MA, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/04/2016, DJE 20/04/2016

AgRg no AREsp 642866/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/12/2015, DJE 01/02/2016

HC 198846/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 27/10/2015, DJE 16/11/2015

O reconhecimento fotográfico do réu, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para fundamentar a condenação. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).

Acórdãos:

HC 427051/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 05/04/2018, DJE 10/04/2018

AgRg no AREsp 683840/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 15/03/2018, DJE 23/03/2018

AgRg no AREsp 1204990/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 01/03/2018, DJE 12/03/2018

HC 408857/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 08/02/2018, DJE 16/02/2018

AgInt no AREsp 1000882/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/11/2016, DJE 24/11/2016

HC 224831/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/06/2016, DJE 01/08/2016

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