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24 de Maio de 2024

Aspectos Legais Dos Registros De Imigrantes Italianos, Erros De Grafia E Ações De Retificação De Assento

Um guia para o Operador do Direito

Publicado por Eugenio Cardoso
há 4 anos


ASPECTOS LEGAIS DOS REGISTROS DE IMIGRANTES ITALIANOS, ERROS DE GRAFIA E AÇÕES DE RETIFICAÇÃO DE ASSENTO

LEGAL ASPECTS OF ITALIAN IMMIGRANT RECORDS, GRAPH ERRORS AND RECORD RECTIFYING LAWSUITS

Eugênio Francisco de Campos Cardoso

Prof.a. Ms. Cíntia Maria Trad

RESUMO

O presente trabalho tem como propósito visitar o instituto das ações de retificação de assento, principalmente nos casos de registros civis e eclesiásticos encontrados no final do século 19 e início do século 20, dos imigrantes italianos e seus descendentes, que contém erros de grafia, erros de datas e omissão de informações relevantes aos descendentes vivos destes italianos que na atualidade vem buscando obter reconhecimento de sua cidadania italiana, uma vez que todo o contexto sócio econômico que se verifica no Brasil, e que precisam, para instruir seus respectivos processos com os documentos dos ascendentes originários daquela terra, que os mesmos sejam fidedignos às origens do antepassado italiano, inclusive a respeito da grafia dos nomes e locais de origem. Os citados erros impedem relacionar os descendentes requisitantes com aqueles antepassados que lhes transmitem a nacionalidade, tornando impossível o reconhecimento da cidadania pelo Governo Italiano sem que haja a devida retificação de assento. Compreendendo a legislação nacional existente, a doutrina e também casos práticos, esperamos esclarecer essas relações e demonstrar como o operador do direito pode atuar de forma a regularizar a situação documental, impactando minimamente os direitos dos envolvidos no presente e no futuro, mas corrigindo a documentação, mormente as certidões de nascimento, casamento e óbito registradas no Brasil. No ínterim do presente, será abordada a questão histórica dos imigrantes, a questão linguística-educacional que origina os erros, dos cartórios de registro civil, da possibilidade de se efetuar a retificação dos registros e da realidade jurídico-processual que implica na confecção dos pedidos de retificação de assento a serem apresentados ao Poder Judiciário, buscando que seja ordenada a efetivação das averbações necessárias à satisfação do direito dos requisitantes para que busquem o reconhecimento de sua dupla-cidadania.

Palavras-chave: Imigrantes Italianos. Registro civil. Ação de Retificação de Assento.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to visit the institute of record rectification lawsuits, especially in the cases of civil and ecclesiastical records found in the late 19th and early 20th centuries, of Italian immigrants and their descendants, which contain spelling errors, errors of dates and omission of relevant information to the living descendants of these Italians who are currently seeking recognition of their Italian citizenship, given the entire socio-economic context in Brazil, and who need to instruct their respective processes with the documents of the ancestors originating from that land, that they are reliable to the origins of the Italian ancestor, including the spelling of the names and places of origin. These errors prevent the relationship of requesting descendants with those ancestors who pass on citizenship, making it impossible for the Italian Government to recognize citizenship without proper seat rectification. By understanding existing national legislation, doctrine as well as case studies, we hope to clarify these relationships and demonstrate how the legal operator can act to regularize the documentary situation, minimally impacting the rights of those involved in the present and future, but correcting this documentation. , mainly the birth, marriage and death certificates registered in Brazil. In the course of the present work, the historical question of immigrants, the linguistic-educational question that originates the errors, the civil registry offices, the possibility of rectifying the records and the legal-procedural reality that implies the proposition of Requests for seat rectification to be submitted to the Judiciary, seeking to be ordered by the government to carry out the necessary endorsements to satisfy the right of applicants to obtain the recognition of their dual citizenship.

Keywords: Italian immigrants, Civil Records, Record Rectifying Lawsuits

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa trazer a discussão a questão da obtenção da dupla cidadania italiana, em específico no que tange aos procedimentos advocatícios envolvidos, mormente ações de retificação de assento, necessárias à regularização da documentação obrigatória que será apresentada ao governo italiano.

Tendo em vista a situação econômico-social corrente em nosso país, muitas pessoas passaram a ter vontade de viver fora do Brasil, principalmente nos EUA, Japão e mais recentemente nos países da Europa, buscando melhores condições de vida, trabalho e educação.

Nessa esteira, para que consiga legalmente residir em outros países, o interessado enfrenta inúmeros requisitos impostos pelos respectivos governos, como comprovação de emprego já contratado ou algum tipo de relação de parentesco com algum cidadão daquele país, ou, ainda, que seja efetivamente cidadão daquele país, daí o interesse na obtenção de cidadania italiana pelos descendentes dos imigrantes que se dirigiram ao Brasil no final do século 19 e início do século 20.

A relevância do estudo é patente, pois apesar de não haver dados estatísticos recentes pelo IBGE, a estimativa da embaixada Italiana é de que vivem cerca de 30 milhões de descendentes de italianos no Brasil, ou seja, algo perto de 14% da população.

A aquisição de cidadania italiana se dá primariamente pelo chamado "jus sanguinis" ou "direito de sangue", portanto, por relação de parentesco em linha reta com o antepassado, cidadão daquele país.

Isso nos traz a um dos trabalhos que realizamos em escritório de advocacia, focado nos procedimentos de requerimento de cidadania italiana, pois dentro de tal processo, o interessado precisa comprovar sua ascendência de forma documentada, apresentando ao governo Italiano os documentos de nascimento, casamento e óbito de toda a árvore genealógica que o liga a um cidadão italiano nato.

Entretanto, é muito comum encontrarmos inconsistências nos registros civis e nos registros eclesiásticos (relativos principalmente à batismo, documento aceito pelo governo italiano como suplente ao documento de nascimento), pois ocorrem erros de grafia e de datas nos documentos referidos acima, e assim, toda a cadeia de documentos fica comprometida, quando por exemplo, o nome do antepassado não é o mesmo nas diversas certidões.

Surge então a necessidade de eventualmente se corrigir a documentação existente, averbando na mesma, a grafia e/ou datas corretas, por intermédio de ações de retificação de assento, uma vez que os cartórios de registro civil, apesar de disporem da liberalidade de fazerem "de ofício" a correção dos documentos, costumam exigir ordens judiciais para fazê-lo.

1 - Aspectos e contexto histórico

É preciso compreender o contexto histórico para vislumbrarmos o porquê dos erros de registro e onde podemos nos apegar para que em sede processual possamos fundamentar e instruir corretamente nossos pedidos de retificação de assento nas vias judiciais.

1.1 - Imigração Italiana

Primeiramente, a imigração dos italianos para o Brasil, notória historicamente, é pouco abordada do ponto de vista registral. Importante conhecermos o contexto para entendermos a origem das falhas documentais.

Como ensina ZANINI (2007) os italianos eram população camponesa migrante, analfabeta, em sua grande maioria.

PETRONE (1990), também frisa a questão de analfabetismo dentre os imigrantes, vejamos:

[...] na massa dos imigrantes de origem italiana entrada no Brasil, foi muito elevada a participação dos contingentes originários da áreas rurais, caracterizados por elevadas taxas de analfabetismo. [...] Analfabetismo, origem predominantemente rural do imigrante, indubitável pobreza, quando não miserabilidade, são alguns dos traços que podem contribuir para que se compreenda o nível de valorização da escola por parte dessa gente [...]. (PETRONE, 1990, p. 603)

Assim, além de não serem proficientes na língua portuguesa falavam dialetos que divergiam do italiano corrente, misturas do francês, alemão e outras línguas, dificultando assim a compreensão do que falavam por parte dos registradores daquela época, originando assim vários dos problemas que verificamos hoje nos registros civis.

OLIVEIRA (2002), evidencia a questão dos dialetos:

"A unificação italiana era muito recente e ainda não produzira uma identidade nacional; o que prevalecia não era a Itália, nem mesmo a província, mas sim a aldeia, o povoado. Assim, nem a língua os unia, já que falavam muitos dialetos [...]" (OLIVEIRA, 2020, p.18)

Assim denotamos que o idioma praticado pelos imigrantes é claro obstáculo ao registro fidedigno dos dados.

1.2 - Registro Civil Italiano

Outra fonte de dificuldades na obtenção de documentação e informação fidedigna é que na Itália, como no Brasil, o registro civil foi instituído oficialmente por volta de 1870, ficando a cargo das comunas (prefeituras locais) sendo que todos os registros até então eram também feitos somente pela igreja católica, que mantinha registros de batismo, casamento e óbito dos cidadãos e também pelos registros Napoleônicos de antes da unificação da Itália .

"Após a união da Toscana ao Reino da Itália, ocorrida em 1860, o estado civil continuou a funcionar até o Decreto Real de 15 de novembro de 1865, n. 2602 estabeleceu que o serviço era realizado pelos municípios únicos, como na época de Napoleão. A nova organização entrou em vigor em 1 de janeiro de 1866, no dia em que foi agendada, com a R.D. 17 de dezembro de 1865, n. 2662, a supressão do status civil da Toscana e a passagem de todos os"papéis, registros e livros para o Arquivo do Estado de Florença"." (Tradução Nossa)

1.3 - Registro Civil Brasileiro

O registro civil no Brasil se deu desde o século 19, quando o Estado assumiu o serviço que era oferecido pela igreja católica, que fazia os registros de nascimento, casamento e óbito.

Oficialmente, em 1874, com o Decreto 5604, que regulamentou os registros civis de nascimentos, casamentos e óbitos, o estado brasileiro passou a assumir de fato o serviços de registro que ficava a cargo da igreja até então.

O papel registral da igreja é evidenciado aqui nas palavras de MARIANO (2002):

“[...] o registro civil era o batismo católico. O casamento legal era o oficiado pelos padres. E os mortos tradicionalmente enterrados nos templos católicos, nos quais se impedia o sepultamento de acatólicos."

Temos também na visão confirmatória de BEOZZO (2005), “[...] batismos, casamentos, óbitos, mas também registros eleitorais e de terras são processados nas paróquias, e os cemitérios são eclesiásticos...”.

Com a imposição estatal dos registros, facilitou-se aos atuais descendentes a obtenção de documentação dos antepassados, entretanto, conforme vimos anteriormente, a incidência de erros de grafia e datas ainda persiste pois naquele tempo o rigor registral era muito menor, envolvendo mais a" palavra "e o que era afirmado perante ao registrador, do que comprovação documental dos fatos.

2 - VIÉS JURÍDICO

2.1 - Conceitos iniciais

Preliminarmente, devemos observar que o que se propõe neste artigo não é a alteração dos registros e sim a retificação, uma correção, para que os mesmos reflitam os nomes e os dados realmente utilizados originalmente e para que a documentação do eventual requerente de cidadania italiana tenha estes dados padronizados e seja possível o correlacionamento entre todos os documentos.

Em segundo lugar, temos a questão da imutabilidade do sobrenome, que a lei de registros (Lei 6.015/73), com as modificações supervenientes ao texto original permite relativizar para acomodar estas questões de erros de grafia, contanto que haja motivação justa, como vemos nos julgados:

ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO — ALTERAÇÃO APÓS A MAIORIDADE — ACRÉSCIMO DO SOBRENOME DOS PAIS DE CRIAÇÃO — ART. 56 DA LRP — ADMISSIBILIDADE. I — Não é absoluto o princípio da imutabilidade do nome de família, admitindo-se, excepcionalmente, a alteração do patronímico, desde que presentes a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério Público. No caso dos autos, presentes os requisitos autorizadores, já que pretende a recorrente, tão somente, prestar uma homenagem àqueles que a criaram, acrescendo ao seu assento de nascimento o nome de família daqueles que considera seus pais verdadeiros, nada obsta que se autorize a alteração. Recurso conhecido e provido, com as ressalvas do relator (STJ, REsp 605708/RJ — T3, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.08.2007
CIVIL. REGISTROS PÚBLICOS. RETIFICAÇÃO DE NOME. INCLUSÃO DE PATRONÍMICO MATERNO. ADMISSIBILIDADE. É admissível a inclusão de sobrenome materno omitido no registro civil de nascimento, mormente quando, sob o aspecto funcional, vier a facilitar a perfeita identificação da pessoa no seio da família e da sociedade. (TJ-SC - AC: 281595 SC 2002.028159-5, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 20/03/2003, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. 2002.028159-5, de Joaçaba.)

2.1 - Possibilidades de correção de registros civis

Modernamente o registro civil é delegado aos Cartórios de registro civil e regido pela Lei 6.015/73. A lei de registros civis prevê algumas possibilidades para retificação dos nomes e informações, mas para o escopo deste trabalho nosso foco será nas questões de erro gráfico, onde é claro que houve alguma falha no registro e nomes e/ou prenomes estão grafados de forma incorreta ou há inconsistências de local e datas.

Os arts. 109 e seguintes da Lei, tratam exatamente deste ponto, vejamos:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório. [...]
Art. 110. O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público, nos casos de [...]

Ainda ensina LOUREIRO (2012) que, quando entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo.

As retificações podem se dar, como percebemos, de ofício por parte do cartório ou em certos casos por via judicial, entretanto nossa experiência prática, denota que os cartórios, a fim de evitar qualquer reprimenda correicional, tem optado por exigir que os requerentes adotem as vias judiciais para obter ordem de correção/averbação de suas certidões.

2.2 - Prejuízo a terceiros

Um dos aspectos que nos levam às vias judiciais é a questão do prejuízo a terceiros, uma vez que a retificação dos registros pode influenciar questões que envolvem restrições ao nome do requerente, como por exemplo estar nos cadastros de SERASA ou SPC, ou talvez figurar como parte em ação civil ou criminal.

A Jurisprudência denota o requerimento:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. CORREÇÃO DOS NOMES DOS TATARAVÓS DO REQUERENTE. POSSIBILIDADE. ELEMENTOS DOS AUTOS QUE CORROBORAM A ALEGAÇÃO DE QUE HOUVE EQUÍVOCO DO ESCRIVÃO. DOCUMENTOS CONTEMPORÂNEOS A REFERIDAS PESSOAS QUE INDICAM O ERRO DE REDAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO A TERCEIROS. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 11a C. Cível - AC - 1017715-8 - Toledo - Rel.: Fernando Wolff Bodziak - Unânime - J. 18.09.2013). .
AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ACRÉSCIMO DE PATRONÍMICO DO PAI. REDUÇÃO DE HIPÓTESES DE HOMONÍMIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A TERCEIROS. PEDIDO PROCEDENTE. - É lícito promover a alteração do registro civil para que seja incorporado um outro de origem paterna a fim de evitar a situação de homonímia e constrangimentos ao autor, especialmente quando não há risco de interesses de terceiros serem atingidos. (TJ-MG - AC: 10554160002396001 MG, Relator: Alberto Vilas Boas, Data de Julgamento: 06/11/2018, Data de Publicação: 14/11/2018)

O Ministério Público é, em geral, o responsável por pugnar pela comprovação de que não haverá qualquer prejuízo a terceiros, assim exigindo documentação assecuratória, que servirá a instrução da inicial, como veremos adiante.

3 - AÇÕES DE RETIFICAÇÃO DE ASSENTO

3.1 - A Retificação de Registro Civil

Nosso ordenamento já vem vislumbrando as retificações de assento como direito dos requerentes de dupla cidadania. Temos jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1138103/PR, que já reconhece que nos tempos de imigração, muitos nomes e prenomes foram modificados por desconhecimento do idioma dos imigrantes pelos oficiais de cartório daquele tempo.

A jurista Karina Sasso esclarece sobre as ações de retificação e confirma a ideia de como foi mais relaxado o procedimento cartorial daquele tempo:

"É um procedimento muito comum para quem vai requerer dupla cidadania, uma vez que os imigrantes recém-chegados ao Brasil, tinham seus atos da vida civil registrados de acordo com o entendimento dos oficiais dos cartórios de registro civil, que à época, muitas vezes eram feitos de forma verbal, sem tantas exigências e formalidades. (SASSO, 2018)

Ainda sobre a propositura das ações temos jurisprudência acolhendo as retificações:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – (...) - PRETENSA INCLUSÃO DE PATRONÍMICO PATERNO - POSSIBILIDADE - OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 56 DA LEI 6.015 DE 1973 - - SOBRENOME ADVINDO DE BISAVÓ PATERNA E JÁ REPASSADO AO GENITOR DO APELANTE - INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DA CADEIA REGISTRAL - POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO SOBRENOME - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 1. Nos termos do artigo 56 da Lei de Registros Publicos no primeiro ano após atingida a maioridade civil, é permitido ao interessado alterar o seu nome desde que não prejudique os apelidos de família.2. "Homonímia — Os oficiais de Registro Civil poderão orientar os pais para a inclusão de mais de um sobrenome no nome dos filhos, a fim de evitar prejuízos à pessoa em razão da homonímia. Poderão ser adotados sobrenomes do pai, da mãe ou de ambos, em qualquer ordem.1" 3. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 12a C.Cível - AC - 1036252-8 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Angela Maria Machado Costa - Unânime - - J. 06.11.2013).

3.2 - Observações Sobre Prática Processual

Preliminarmente, cabe ao operador do direito entender qual a competência para o ajuizamento da ação que intenta retificar assento, haja vista que em algumas localidades existe a Vara de Registros Públicos. Ademais, o juízo cível é o competente, podendo ser o do domicílio do autor ou da localidade do registro. Vejamos o Julgado:

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. REGISTRO PÚBLICO. RETIFICAÇÃO. FORO COMPETENTE. Nos casos de retificação de registro civil (certidão de óbito), a pretensão pode ser deduzida em foro diverso da lavratura do assento, sendo facultado à parte interessada optar onde propor o ajuizamento da ação, em razão da natureza relativa da competência territorial. RECURSO PROVIDO, DESCONSTITUÍDA A SENTENÇA. (Apelação Cível Nº 70070167036, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/07/2016). (TJ-RS - AC: 70070167036 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 12/07/2016, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/07/2016)

Ainda sobre a competência de foro, o § 5º do art. 109 da Lei 6.015/73, dispõe:

"§ 5º Se houver de ser cumprido em jurisdição diversa, o mandado será remetido, por ofício, ao Juiz sob cuja jurisdição estiver o cartório do Registro Civil e, com o seu"cumpra-se", executar-se-á."

A fundamentação da peça, como vimos anteriormente, deve se basear nos arts. 109 e seguintes da Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos.

A inicial a ser proposta deve então ser instruída com toda a documentação pertinente ao caso, sendo que documentos estrangeiros deverão receber apostila de Haia, se provierem de país signatário desta convenção, ou ser legalizada no consulado brasileiro do país de origem, bem como deverão ser traduzidos juramentadamente (tradução feita por especialista registrado na Junta Comercial e com registro e reconhecimento em cartório de notas) para o português para que sejam apresentados no processo.

A depender de qual antepassado pretendemos retificar o assento, precisaremos juntar documentação probatória que confirme a modificação que será pedida, e da qual consta a pessoa em objeto da retificação. Em geral a documentação suficiente é a seguinte (documentos da pessoa alvo):

  • Certidão de nascimento

  • Certificado de Batismo

  • Certidão de Óbito

  • Certidão de casamento dos pais

  • Certidão de nascimento de filhos

  • Certidão de casamento de filhos

  • Certidão de nascimento de netos

Ademais, principalmente no caso dos imigrantes italianos, os registros da Hospedaria de Imigrantes e listas de passageiros dos navios, podem ser conteúdo comprobatório complementar, se demonstrarem que efetivamente houve inconsistência na declaração/registro dos nomes.

Ainda, pode ocorrer de o Representante do Ministério Público querer saber das implicações que a mudança de nome ou sobrenome pode ter com relação a credores, transmissão de patrimônio, ou outras. Assim, é prudente acompanhar o processo de certidões negativas de débitos, patrimoniais e negativas criminais, trabalhistas e eleitorais das pessoas envolvidas, como já evidenciamos no tópico sobre prejuízo a terceiros.

3.3 - A Retificação de Registro Eclesiástico

Os registros eclesiásticos (batismos, casamentos e óbitos) eventualmente podem ser os únicos documentos disponíveis para a comprovação da descendência, e estes também podem ser acometidos de variações de nomes e datas como ocorrem nos documentos de cartório.

Então, na mesma forma, se verifica que a propositura de ação contra o órgão eclesiástico (a igreja, paróquia, diocese ou arquidiocese) que esteja de posse e responsável pelo original livro de registro, é o caminho lógico imediato.

Entretanto, fundamental notar que os registros de igreja não estão elencados no rol dos documentos considerados como de registro público pela Lei 8.159/91, mas são na verdade documentos de interesse público e social, como denota o art. 16 da referida lei:

Art. 16 - Os registros civis de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil ficam identificados como de interesse público e social.

A competência neste caso será da justiça comum cível, também da residência do autor ou do órgão eclesiástico em questão, haja vista que a vara especializada dos registros públicos não alcança a Igreja Católica.

CONCLUSÃO

Diante de todo o elencado, verificamos que as ações de retificação de assento são o mecanismo ideal para que a pessoa interessada em ajustar/corrigir sua linha genealógica para fins comprobatórios de descendência consiga atingir este objetivo de obtenção de dupla cidadania italiana.

É assunto de grande interesse por parcela significativa da população, cerca de 14%, que eventualmente possui ascendência italiana e vê na imigração para a Europa ou outros países uma forma de se esquivar da difícil situação social e econômica vigente no Brasil no momento que desenvolvemos este trabalho.

Este instituto é relativamente simples de se utilizar/propor, entretanto sua instrução pode ser dificultada no que tange a obtenção de documentos comprobatórios fidedignos o suficiente para consubstanciar o pleito, bem como a identificação da competência processual pode ser um fator importante para o sucesso da ação.

Importante frisar a necessidade de se garantir que não haverá prejuízos a terceiros com a correção dos assentos, comprovando documentalmente a idoneidade do pedido.

Ademais, cabe ressaltar que existe também no Brasil uma indústria da retificação de assento por parte de advogados e consultorias especializadas na obtenção de cidadania italiana, que por muitas vezes induzem o interessado a realizar a retificação sem haver real necessidade, pois os órgãos consulares e administrativos italianos tem ciência e toleram os erros de grafia menores, e tal correção somente se justifica em casos onde não é possível correlacionar efetivamente o antepassado com seus descendentes.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Política Nacional De Arquivos Públicos Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8159.htm>, Acesso em 01/10/2019.

BRASIL, Registros Públicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em 01/10/2019.

BEOZZO, José Oscar. Igreja e política. História Viva. Temas brasileiros. A igreja Católica no Brasil – fé e transformações. São Paulo: Duetto, 2005: 36-43.

FILHO, LOUREIRO, Lair Silva, LOUREIRO, Cláudia Magalhães. Notas e Registros Públicos, 4ª EDIÇÃO, 2012.

FLORENÇA, Arquivo de Estado de. Disponível em ttp://www.archiviodistato.firenze.it/statocivile/fondo_storia.html>;, acesso em 01/10/2019.

MARIANO, Ricardo. Efeitos da Secularização do Estado, liberdades e pluralismo religioso, disponível em: <http://www.equiponaya.com.ar/congreso2002/ponencias/ricardo_mariano.htm>; acesso em: 19.05.2019.

OLIVEIRA, Lippi, Lúcia. O Brasil dos imigrantes. 2a. Edição, 2002.

PETRONE, P.. Italianos e descendentes do Brasil: escola e língua. In: DE BONI, L. A. (org). A presença italiana no Brasil. Vol. II. Porto Alegre; Torino: EST / Fondazione Giovanni Agnelli, 1990.

SASSO, Karina Cavalcante Gomes Caetano. Ação de retificação de registro civil no âmbito da dupla cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5465, 18 jun. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/60262>. Acesso em: 18 maio 2019.

ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Um olhar antropológico sobre fatos e memórias da imigração italiana. Mana, Rio de Janeiro , v. 13, n. 2, p. 521-547, Oct. 2007 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132007000200009&lng=en&nr...>. Acessado em 06 Fevereiro de 2019.

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