Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
30 de Abril de 2024

Desnecessidade do Exame Criminológico para progressão de regime

Com o advento da lei 10.792/2003, o exame para a progressão deixou de ser indispensável para a progressão de regime

Publicado por Juliana Seixas
há 9 anos

Sabe-se que a Lei de Execução Penal, para a progressão de regime, exige o preenchimento do requisito objetivo, que é o cumprimento de determinado lapso temporal (1/6 para crime comum e 2/5 para crime hediondo, sendo o sentenciado primário, e 3/5 sendo o sentenciado reincidente) e o preenchimento do requisito subjetivo, caracterizado pelo bom comportamento carcerário.

Não obstante a Lei é clara em determinar que para a progressão de regime, é necessário tão somente o preenchimento dos requisitos legais acima citados, ainda discute-se a necessidade ou não da realização de exame criminológico para melhor análise de mérito subjetivo do sentenciado, principalmente quando se diz respeito a crime grave e de pena longa.

No que se refere à gravidade do delito e a realização do exame criminológico requer-se que seja observado o que se passa a argumentar.

Verifica-se que o requisito subjetivo necessário para fins de livramento condicional e progressão de regime deve ser observado através do comportamento carcerário, pois a gravidade do delito já foi observada no momento em que se fixou a pena a ser cumprida, não podendo ser novamente analisada durante a execução. Deve-se analisar o futuro comportamento da condenada e não seu comportamento passado.

Nesse sentido tem-se:

Questões atinentes às circunstâncias em que o crime foi cometido, assim como a peculiar forma de agir do agente da conduta criminosa, podem servir como fundamentos hábeis para a individualização da pena na fase cognitiva, justificando, por vezes, a imposição de pena mais severa. Contudo, uma vez constituído o título executivo, o que se deve ter em conta é cumprir os objetivos da LEP: efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado. É essencial, portanto, que durante a execução o condenado seja avaliado por sua conduta e atitudes a partir do início do cumprimento da pena, não pelo seu comportamento anterior ao crime ou no momento de prática delitiva. O exame criminológico no curso da execução se e quando necessário, deve projetar-se para o futuro do condenado, não para seu passado, razão pela qual as genéricas considerações normalmente feitas acerca da personalidade imatura, de falta de arrependimento ou das razões que levaram ao cometimento do ilícito penal não podem servir como fundamento para a denegação do pedido.”[1] (grifo nosso)

A individualização da pena possui três aspectos, quais seja a fixação legislativa de penas mínimas e máximas para cada conduta, a judicial, quando o sentenciante aplica o artigo 59 do Código Penal e a administrativa, que ocorre na execução, na forma dos benefícios da execução, como o próprio sistema progressivo.

Atribuir enorme importância a fatos ocorridos há tantos anos (prática dos crimes), agravando injustamente a situação do condenado na execução de suas penas, é possibilitar uma espécie de bis in idem, tendo em vista que, por duas vezes, o peso de suas condutas aumentará o rigor de sua condenação.

O legislador pátrio, tentando evitar esta situação, simplesmente não fez constar entre os requisitos para a concessão da progressão de regime, a análise subjetiva do condenado pelo juiz. Assim, é claro o espírito da lei no sentido de que, para concessão da progressão de regime prisional, devem apenas estar cumpridos os requisitos legais.

Assim, ainda que o sentenciado tenha cometido crime grave, tal fato já foi devidamente considerado no momento de fixação da pena, cabendo, no momento de execução apenas a verificação da presença dos requisitos objetivo e subjetivo para a obtenção da progressão, pois o que deve ser levado em conta no momento da progressão é o mérito do condenado, considerando suas atitudes durante o curso da execução.

Diante disso, a determinação da realização de exame criminológico não pode se basear na simples gravidade dos delitos cometido, pois, conforme argumentado, tal gravidade já foi considerada no momento de fixação da pena, não cabendo ao magistrado responsável pela execução analisá-la novamente. Nesse sentido decidiu recentemente o STJ:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. HOMICÍDIO SIMPLES E ROUBOS MAJORADOS. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. DETERMINAÇÃO, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, DA REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PRECEDENTES. 1. A Lei n.º 10.792/2003, ao dar nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal, afastou a exigência do parecer da Comissão Técnica de Classificação e da submissão do condenado a exame criminológico, para o deferimento de benefícios como a progressão de regime e o livramento condicional. 2. Todavia, consoante a jurisprudência desta Quinta Turma, embora a nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal não mais exija, de plano, a realização de exame criminológico, cabe ao magistrado verificar o atendimento dos requisitos subjetivos à luz do caso concreto, podendo, por isso, determinar a realização do aludido exame, se entender necessário, ou mesmo negar o benefício, desde que o faça fundamentadamente, quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem, atendendo-se, assim, ao princípio da individualização da pena, prevista no art. 5.º, inciso XLVI, da Constituição Federal. 3. Na hipótese, o magistrado e o Tribunal a quo não apontaram nenhum elemento concreto que comprovasse o demérito do Paciente, limitando-se a aduzir a longevidade da pena imposta ao Paciente e a gravidade dos crimes de homicídio e roubo, circunstâncias que, por si sós, não podem inibir a concessão do benefício pleiteado, já que não são conclusivas da não-comprovação do preenchimento do requisito subjetivo. 4. Ordem concedida para, cassando o acórdão impugnado e a decisão do juízo das execuções, determinar que outra seja proferida com a devida fundamentação. (STJ - HC 131025 / SP - rel. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA j. 01/10/2009, DJe 26/10/2009)

Verifica-se que, com o advento da Lei 10.792/2003, o exame criminológico ficou afastado como requisito indispensável para concessão de determinados benefícios, admitindo-se sua realização apenas quando o mérito do condenado durante o curso da execução não lhe favorecer.

Ademais, psicólogos, psiquiatras e criminalistas têm discutido a validade de tal exame, tem-se nesse sentido:

“Como garantir que as características psicológicas apontadas no atual exame estavam presentes quando da prática criminosa, há dois, três ou mais anos atrás; como garantir que elas foram fatores psicológicos motivadores do crime. Se a resposta ao desafio for a de dizer que as características de personalidade importantes tendem a ser mais estáveis e que, por conseguinte, já estariam presentes quando da prática delitiva, então há que se concluir que, o preso que hoje não tem condições de obter o benefício, nunca as terá, e que o preso que hoje tem condições, sempre as teve e sempre as terá. Por outro lado, se se acreditar na possibilidade da pessoa mudar suas características psicológicas, para melhor ou para pior, como garantir as características tidas como negativas já estariam presentes na época da prática delitiva e que teriam sido motivadoras do crime? Como garantir que tais características não teriam sido fomentadas no processo de prisionização, de aculturação no cárcere? Diversos fatores negativos que comumente vêm reforçando conclusões contrárias à concessão dos benefícios podem facilmente ser associados à experiência de encarceramento. Exemplos ilustrativos: estereotipia de pensamento, com baixa capacidade de reflexão e autocrítica, valores ético-morais centrados em benefícios próprios (mecanismo de sobrevivência), aspectos regressivos, infantis, de imaturidade e de insegurança (produtos mais do que esperados de uma vida totalmente controlada, de total dependência dos outros), dificuldade de elaboração de planos futuros consistentes (reflexos da estereotipia do cárcere e da falta de perspectiva na vida carcerária, a não ser, quando muito, a de conquistar liberdade) [...] quanto a perspectiva de futuro, como se exigir que o preso tenha uma visão consistente do que pretende em liberdade, se ele está sujeito aos rigores do cárcere[2]?”

Se a realização de tal exame, mesmo nos casos cabíveis, é questionada por estudiosos, sendo questionada sua real avaliação e validade, o que dizer nos crimes como presentes, em que a realização nem é cabível?

Porquanto, o deferimento do Regime Semiaberto não significa conceder ao requerente a liberdade plena, eis que tem por objetivo incentivá-lo no resgate de suas penas, benefício que, se não aproveitado dentro das regras estabelecidas legalmente, poderá ser revogado.

A pena executada com um único e uniforme regime prisional significa pena desumana porque inviabiliza o tratamento penitenciário racional e progressivo, deixa o recluso sem esperança alguma de obter a liberdade antes do termo final do tempo de sua condenação e, portanto, não exerce nenhuma influência psicológica positiva no sentido de seu reinserimento social.

Desta forma, como medida de bom senso, deve ser-lhe dada uma oportunidade para que possa demonstrar que vem assimilando a terapêutica penal em um regime mais ameno, que, apesar da vigilância não ser tão intensificada (justamente para que seja dada uma impressão de "quase liberdade" e também para que não seja inserido bruscamente na sociedade, sendo portanto, progredido por etapas que é a sede de nosso ordenamento jurídico) é um sistema de cumprimento de pena, e toda a execução de pena é vigiada e gravosa para qualquer indivíduo.

Isto posto, comprovado que o sentenciado reúne méritos suficientes para alcançar a concessão do benefício pleiteado, o deferimento para a progressão de regime é direito do sentenciado, para que o mesmo dê continuidade ao seu processo de ressocialização.


[1] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Breves considerações acerca do exame criminológico. BOLETIM IBCCRIM, ANO 17, Nº 206, JANEIRO DE 2010.

[2] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Breves considerações acerca do exame criminológico. BOLETIM IBCCRIM, ANO 17, Nº 206, JANEIRO DE 2010.

  • Publicações12
  • Seguidores42
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações7627
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/desnecessidade-do-exame-criminologico-para-progressao-de-regime/172140411

Informações relacionadas

Isabella Ribeiro de Queiroz, Advogado
Modeloshá 6 anos

[Modelo] Agravo em Execução

Tribunal de Justiça de São Paulo
Jurisprudênciahá 2 anos

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Agravo de Execução Penal: EP XXXXX-79.2022.8.26.0996 SP XXXXX-79.2022.8.26.0996

Jullyana Pereira Fernandes, Advogado
Modeloshá 2 anos

Modelo de Acordo Judicial de Pensão Alimentícia por Prisão Civel

Leonardo Castro, Professor de Direito do Ensino Superior
Artigoshá 10 anos

Legislação comentada: concurso de crimes

Christian Gonzaga, Advogado
Artigoshá 6 anos

Exame Criminológico e a Gravidade Abstrata do Crime

1 Comentário

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Queria Dizer que o exame criminológico no momento feito pelos profissionais não pode levar em conta a vida pregressa do condenado sendo que, em um presídio o dia a dia não é muito relevante , estão tendo várias transferência para outras penitenciarias, cadeias superlotadas, pode ser que no dia do exame o reeducando não estava nos seus melhores dias como nós também temos o nosso dia não muito agradável, e nem por isso pode se levar em conta uma vida de uma pessoa que está presa necessitando de uma nova oportunidade.
http://www4.tjmg.jus.br/jurídico/sf/proc_movimentacoes.jsp?comrCodigo=231№=1&listaProcessos=13031673 continuar lendo