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6 de Maio de 2024

Dimensões dos direitos fundamentais

Uma breve análise e estudo sobre os direitos fundamentais e suas respectivas dimensões.

Publicado por Matheus Sarasa
há 4 anos

Os direitos fundamentais conhecidos, não surgiram simultaneamente, mas foram adquiridos através de um processo histórico de lutas e revoluções de acordo com a demanda de cada época. Dito isso, nos é permitido compreender que esses direitos não são iguais em todas as épocas, por essa razão eles foram divididos em três gerações ou dimensões inspiradas no lema da Revolução Francesa, qual seja: "Liberdade, igualdade e fraternidade."

Paulo Gustavo Gonet Branco elucida que: “Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica”

Mas antes de adentrar ao tema, existe discussão na doutrina quanto ao nome dessa divisão, assim, a fim de obter melhor compreensão acerca do assunto abordado, esta nomenclatura será objeto de análise.

Dimensões ou gerações?

Embora a doutrina atual manifeste preferência em classificar como “dimensões”, a nomenclatura “gerações” ainda é muito utilizada por professores e doutrinadores renomados. O fundamento que justifica essa preferência é que, ao usar "dimensões dos direitos fundamentais", admite-se que a mais nova não rejeita a anterior, ou seja, todas são importantes e cumulativas.

Por outro lado, quando usamos "gerações dos direitos fundamentais" admitimos que o resultado normativo foi consequência de um processo histórico evolutivo, cumulativo e quantitativo. Nas palavras de Paulo Bonavides, “os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo...”

Entretanto, a doutrina atual leciona que o termo “gerações” é impróprio por levantar a falsa ideia de que, conforme fosse evoluindo, haveria substituição de uma geração antiga pela mais nova. Nesse sentido, Cançado Trindade explica que é “a fantasia nefasta das chamadas ‘gerações de direitos’, histórica e juridicamente infundada, na medida em que alimentou uma visão fragmentada ou atomizada dos direitos humanos, já se encontra devidamente desmistificada. O fenômeno de hoje testemunhamos não é o de sucessão, mas antes, de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos. As razões histórico-ideológicas da compartimentalização já há muito desapareceram. Hoje podemos ver com clareza que os avanços nas liberdades públicas em tantos países nos últimos anos devem necessariamente fazer-se acompanhar não de retrocesso – como vem ocorrendo em numerosos países – mas de avanços paralelos no domínio econômico-social.”

Este autor manifesta sua posição favorável à doutrina atual, pelos mesmos motivos expostos. A nomenclatura “Geração” é defasada, e além de apresentar a ideia de substituição também demonstra, em seu contexto, uma errônea superioridade entre as dimensões. Salienta-se que não existe balança quando se trata dessas dimensões, ou seja, não existe direito fundamental superior ou inferior, dependendo de uma análise esmiuçada e ponderação de valores a considerar a demanda do caso concreto.

Direitos fundamentais da primeira geração

Essa dimensão compreende os direitos relacionados ao ideal de liberdade na Revolução Francesa, e assim referem-se as liberdades negativas clássicas, entendida como a não-interferência do poder do Estado sobre as ações individuais. Assim, tem-se direitos que tutelam interesses individuais, e seu objetivo é defender o indivíduo de um Estado autoritário e opressor.

No livro, Direito Constitucional Esquematizado de 2020, Pedro Lenza explica que “Seu reconhecimento surge com maior evidência nas primeiras Constituições escritas, e podem ser caracterizados como frutos do pensamento liberal-burguês do século XVIII. Tais direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor liberdade.”

Nesse contexto, é possível afirmar que direitos como liberdade de expressão, direito à vida, direito à propriedade, participação política, liberdade de religião, dentre outros, fazem parte da primeira dimensão. Isto posto, marca a passagem de um Estado autoritário para um democrático, que respeita as respectivas liberdades individuais.

Direitos fundamentais da segunda geração

Essa dimensão se refere à igualdade, a qual se trata das liberdades positivas, com o intuito de assegurar o princípio da igualdade material entre os indivíduos de uma sociedade. Desse modo, na segunda geração, ao contrário da primeira, é dever do Estado garantir esses direitos.

Nesse sentido, cabe citar o entendimento de Paulo Gustavo Gonet Branco:

“O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reconhecimento de liberdades sociais – como a de sindicalização e o direito de greve. Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social – na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.”

Como exemplos, é possível afirmar que o direito à saúde, educação, greve, trabalho, previdência social, assistência jurídica e dentre muitos outros que são garantidos pelo Estado, são compreendidos entre essa segunda dimensão.

No que diz respeito à sua formação histórica, foi com a Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX, que ficou evidente que apenas a liberdade não é suficiente para garantir a justiça na sociedade. Assim, com regimes de trabalhos massivos e abusivos, movimentos como o cartista, na Inglaterra e a Comuna de Paris eclodiram na busca desses direitos sociais nomeados como reivindicações trabalhistas e normas de assistência social.

Por fim, enquanto a primeira dimensão compreende os direitos do interesse do indivíduo, a segunda aborda o interesse da coletividade.

Direitos fundamentais de terceira geração

Com pressupostos voltados para a solidariedade ou fraternidade, a terceira dimensão compreende direitos que protegem interesses de titularidade coletiva ou difusa. São exemplos desses direitos: direito ao meio ambiente; ao desenvolvimento ou progresso; autodeterminação dos povos; comunicação; propriedade sobre patrimônio comum da humanidade dentre outros.

Nesse sentido, leciona Pedro Lenza:

“Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar aqui dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade.

Os direitos da 3.ª dimensão são direitos transindividuais, isto é, direitos que vão além dos interesses do indivíduo; pois são concernentes à proteção do gênero humano, com altíssimo teor de humanismo e universalidade.”

No decorrer do artigo é possível verificar que cada grupo de direitos fundamentais foram frutos de uma evolução histórica, considerando que sua formação se deve à demanda social de cada época. Contudo, a sociedade não parou de evoluir, seja com o avanço das tecnologias ou com novas pautas sociais, o direito tem a necessidade de se atualizar conforme é demandado. Nesse sentido, a doutrina começou a entender o surgimento de novas dimensões que compreenderiam uma atualização dos direitos fundamentais positivados na constituição.

Direitos fundamentais de quarta dimensão

Salienta-se que o grupo de direitos fundamentais compreendidos na quarta dimensão é alvo de divergência doutrinária. Por um lado, Norberto Bobbio afirma que essa dimensão trataria de avanços no campo da engenharia genética, já que esta possibilita manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo, como clonagem, bioética e demais temas que influenciam à integridade do patrimônio genético.

Em contraposição, Bonavides considera que essa dimensão é voltada para temas relacionados à globalização dos direitos fundamentais, ou seja, universalizá-los no campo institucional. Nesse sentido, a democracia, informação e o pluralismo seriam direitos compreendidos nessa dimensão.

A aceitação dessa nova dimensão também não é tema unânime, mas este autor admite sua existência justamente por considerar que as três dimensões originais, embora imprescindíveis, não suprirão sempre as novas demandas que a atual realidade social produz. Doutrinadores como Pedro Lenza, Marcelo Novelino, Erival Oliveira e Norberto Bobbio também defendem sua existência, e não como uma nova classificação para os antigos direitos individuais, mas direitos fundamentais pertencentes a uma dimensão autônoma.

Possibilidade da quinta e sexta dimensão dos direitos fundamentais.

Atualmente, já existem doutrinadores que defendem a tese da existência da quinta e da sexta geração, onde a primeira compreenderia direitos relacionados ao território cibernético como a realidade virtual e a internet em geral, e a segunda como direito à água potável. Essas novas dimensões podem ser consideradas uma atualização e adequação dos antigos direitos fundamentais de modo que sejam trazidos para a atualidade.

Karel Vasak, considera que o direito à paz está incluído na 3ª dimensão o qual é vertente do rol de direitos relacionados à fraternidade. Já Bonavides afirma que deva ser tratado como dimensão autônoma, já que a paz é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo direito da humanidade.

O direito à água potável é compreendido na possível sexta dimensão, como defendido por doutrinadores, pois buscam considerar a necessidade desse componente fundamental para a existência da vida no planeta.

Entretanto é possível argumentar que tal direito possa ser compreendido dentro do direito ao meio ambiente. Assim, temas como o aquecimento global e demais danos ao meio ambiente podem ser compreendidos nos direitos fundamentais da terceira dimensão.

Referências:

JOSÉ ELIACI NOGUEIRA DIÓGENES JÚNIOR, Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais? Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 23 jun 2020. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29835/geracoes-ou-dimensoes-dos-direitos-fundamentais Acesso em: 23 jun 2020.

SERGIO ZOGHBI, Dimensões dos Direitos Fundamentais, Disponível em: https://sergiozoghbi.jusbrasil.com.br/artigos/499244953/dimensoes-dos-direitos-fundamentais, Acesso em: 23 jun 2020

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. Vol. 1.

FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 7ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, p. 6. Rio de Janeiro: Campus, 1992

Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 14. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. – (Série IDP) 1. Direito constitucional - Brasil 2. Direito constitucional I. Branco, Paulo Gustavo Gonet II. Título III. Série.

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4 Comentários

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Muito bem explanado em seu artigo sobre as dimensões dos direitos fundamentais. Nesses tempos em que estamos vendo pessoas implorando ao Estado que este estabeleça intervenção militar, agindo em atos verdadeiramente na contramão do que foi a duras penas conquistado em nossa Constituição - a dignidade da pessoa humana !
Como diz Flávia Piovesan, os Direitos humanos não dado, eles foram conquistados. Por isso é tão importante valorizarmos as garantias constitucionais.
Parabéns por sua iniciativa. continuar lendo

Obrigado pela leitura, Michele! De fato, algumas pessoas parecem ter esquecido da intensas e árduas lutas históricas para a conquista desses direitos fundamentais. Espero ter conseguido expressar sua devida importância.

Abraços. continuar lendo

Ótimo!! continuar lendo

Obrigado pelo comentário! continuar lendo