Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024

Direito e Justiça. Ou: o Direito é justo?

Lei e justiça caminham no mesmo sentido. Será?

Publicado por Edson Luiz Facchi Jr
há 9 anos

Acredito que quando alguém opta por fazer o curso de Direito, na graduação, pensa de plano: vou fazer justiça. Todavia, ao ingressar em uma faculdade de Direito, os acadêmicos volteemeia, nos períodos iniciais, frustram-se. Deparam-se com situações jurisprudenciais trazidas por seus professores; ou ainda vivenciadas nos escritórios de advocacia onde fazem estágio, que não retratam bem um Direito justo.

Válido ressaltar que o presente artigo toma por base o trabalho de Adriano Sérgio Nunes Bretas, que foi meu professor na graduação e continua sendo na advocacia, em sua abordagem feita a partir de pensador britânico Dennis Lloyd (in A Idéia da Lei), em seu livro "Moderna Teoria do Direito" (Capítulo VII).

Situações do cotidiano acabam causando repugnância em alguns acadêmicos do Direito, como: "preso por furtar dois pacotes de bolacha"; "declarada a penhorabilidade da única casa de idosa por falta de pagamento de condomínio"; ou ainda situações consumeristas onde os consumidores ficam a-ver-navios pelo malsinado princípio do pacta sunt servanda.

Nesse artigo se partirá de um pressuposto, dentre os três explorados por Lloyd: de que a lei (o Direito) pode, sim, ser injusta. Vide exemplos acima. Triste constatação é de que o Direito pode ser injusto.

Nem de longe pode-se aplicar a lei friamente. A lei deve ser interpretada de forma teleológica! A aplicação da lei como se a mesma fosse sinônimo de justiça carece de bom senso. Momento ímpar para todo aquele que pretende exercer a árdua profissão da advocacia é no momento de prestar juramento. E, nele, além do boleto, você recebe os 10 mandamentos do advogado. Em um deles, está a célebre frase de Eduardo Couture, quando diz: "teu dever é lutar pelo Direito; porém, quando encontrarem o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".

Nada mais que isso! Peguemos como exemplo, também citado no trabalho de BRETAS, o Código Penal. A pena máxima do crime de lesão corporal (art. 129, caput) é de 1 (um) ano; enquanto a pena máxima do crime de furto (art. 155, caput) é de 4 (quatro) anos. Vamos ao exemplo num caso concreto: o sujeito furta duas barras de chocolate do supermercado. No caminho de casa, a polícia instaura perseguição. O sujeito despista os policiais e entra no primeiro escritório de advocacia que encontra e questiona o que falar às autoridades para amenizar sua conduta. O advogado sugere: “Não! Não diga que você furtou essas duas barras de chocolate. Se os policiais não se lembrarem do que você exatamente fez, diga que você surrou uma pessoa, agrediu-a”. O sujeito retruca: “Doutor, mas eu só peguei duas barras de chocolate, jamais cometeria uma barbárie dessas com ninguém”. O advogado então finaliza: “Se você disser que furtou essas duas barras de chocolate, você se submeterá a uma pena maior do que a que você se submeteria se disser que espancou alguém”.

Ou ainda o exemplo da Lei nº 8.009/90 que discorre sobre um dos institutos mais valiosos do Direito: a impenhorabilidade da residência única de uma família. O artigo 3º da mesma lei impõe algumas exceções. São circunstâncias que possibilitam a penhorabilidade do bem de família. Uma delas, o não pagamento das taxas condominiais. Vivenciei um caso concreto, onde fora declarada a penhorabilidade do apartamento onde vivia minha cliente, idosa, mais de 70 anos, por não pagar as taxas condominiais, pela aplicação do artigo 3º da referida lei. Indagaria ao operador do Direito (o juiz, nesse caso): é sustentável, em nome da lei, retirar de uma idosa sua única casa? Seu único lugar onde dormir? Ou será que a dignidade da pessoa humana não teria prioridade, nesse caso? Provavelmente o juiz me responderia: é a lei.

O que dizer?

Fato é que o apego à letra fria da lei, pode acarretar em sérias catástrofes, injustiças irremediáveis. Juízes condenando pessoas por crimes ínfimos; retirando a única casa de uma senhora idosa pelo simples motivo de que é devedora de condomínios atrasados (Lei nº 8.009/90 – art. ); prejudicando consumidores dia a dia. Escondem-se atrás de um escudo chamado Lei/Direito, cometendo injustiças diárias, conscientemente, valendo-se do malsinado brocardo latino: dura lex, sed lex.

Referências:

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes. Moderna Teoria do Direito - Curitiba: Juruá, 2010.

  • Publicações8
  • Seguidores41
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações4499
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direito-e-justica-ou-o-direito-e-justo/184075346

Informações relacionadas

Editora Revista dos Tribunais
Doutrinahá 2 anos

5. O Conceito de Justiça

Doglas A. Silva, Advogado
Artigoshá 10 anos

Direito X Justiça

O Direito como Ciência

Artigoshá 9 anos

Ética, moral e Direito

Alex Santos, Advogado
Artigoshá 2 anos

Direito e Filosofia: Existe relação? Se comunicam?

12 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Muito interessante o seu artigo.
Somente um detalhe, corrija o número da Lei, correto 8.009. continuar lendo

Exato!! Obrigado pela correção e pelo comentário!
Lei nº 8.009/90! continuar lendo

Pura verdade, mas embora a letra fria e seca, o que seria dessa justiça se não fossem os advogados que buscam incansavelmente o entendimento mais justo, mais direito e mais digno para defender a sociedade.
Parabéns pelo artigo, precisamos sempre refletir sobre o papel que desempenhamos. continuar lendo

Obrigado, Eliane!
Penso da mesma forma: nós, advogados, temos que lutar pela justiça, ainda que venhamos a contrariar a lei. Avante! continuar lendo

Parabéns pelo texto.
As vezes deparamos com situações adversas, ou seja, nem tudo que é legal é moral, ou, algumas coisas imorais são legais, cada caso um caso. continuar lendo

Obrigado, Paulo!
Exatamente! Justiça moral vs. Legalidade imoral.
Abs! continuar lendo

Parabéns pelo belíssimo artigo.

Acredito que o Direito como um todo é muito mais amplo que a letra fria e seca da lei. No livro "Primeira lição sobre o Direito", de Paolo Grossi, a coerção é apenas um acessório, ou seja, o Direito não precisa de coerção para existir.

Penso que, como ressaltou no texto, nós operadores do Direito temos que fazer um juízo de valor em cada caso, observando também, o valor ético e moral.

Edson, acompanho você a algum tempo, sei o quanto é empenhado com o Direito e a advocacia, parabéns. Um abraço. continuar lendo

Guilherme, você será um advogado de grande sucesso, tenho certeza disso.
Obrigado pela leitura e pelo apoio que sempre dá! continuar lendo