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24 de Maio de 2024
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    Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

    Publicado por Camille Vera Cruz
    há 3 anos

    Camille Vitória Silva de Vera Cruz ¹

    Gabriella da Silva Marques ²

    RESUMO

    O trabalho apresentado focou na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros ou de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, decorre do reconhecimento de que as desigualdades não se situam apenas na relação Estado/particular.

    INTRODUÇÃO

    Não há direito absoluto, sequer direito a vida. Dessa forma os direitos fundamentais carregam consigo essa característica que os torna mais fortes, vez que no confronto entre dois direitos fundamentais, há de se observar o caso concreto, inexistindo direito absoluto.

    Os direitos fundamentais também são imprescritíveis e o fato de não se usar um direito não faz com que ele se perca, que seja alcançado pela preclusão, característica aliás extremamente importante desses direitos que se estivessem submetidos a prescrição ou decadência perderiam sua essência de proteção e garantia ao indivíduo.

    Estas características são também extremamente protetivas, uma vez que não se pode renunciar a um direito fundamental ou mesmo aliena-lo a outrem.

    DESENVOLVIMENTO

    1. Dos Direitos Fundamentais

    Os direitos fundamentais surgiram, ligados à liberdade, os chamados direitos de defesa, tendo como seus únicos destinatários os Poderes Públicos.

    Canotilho conceitua "Direitos Fundamentais" como sendo:

    (…) essencialmente direitos ao homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o exercício não depende de previsão em legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política. (…) direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa.

    Já Oscar Vilhena Vieira conceitua "Direitos Fundamentais" como sendo:

    a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional.

    2. Eficácia

    Pedro Lenza afirma em sua obra que a doutrina majoritária vincula características inúmeras a esses direitos. As teorias visam buscar uma explicação para a eficácia destes no ordenamento jurídico, atrelando-os aos princípios norteadores do direito. Muitas são as características que permeiam os direitos fundamentais. Entretanto, os princípios basilares e orientadores são dois: o princípio da universalidade e da proporcionalidade.

    Paulo Bonavides analisando a Nova Hermenêutica Constitucional, inspirada pela teoria material de valores, e a chamada “hipertrofia dos direitos fundamentais” afirma que:

    Com efeito, os direitos fundamentais, ao extrapolarem aquela relação cidadão-Estado, adquirem, segundo Böckenförde, uma dimensão até então ignorada – a de norma objetiva, de validade universal, de conteúdo indeterminado e aberto, e que não pertence nem ao Direito Público, nem ao Direito Privado, mas compõe a abóbada de todo o ordenamento jurídico enquanto direito constitucional de cúpula.

    Essa nova hermenêutica de concretização - oriunda do princípio da unidade da Constituição - possibilita que os direitos fundamentais exprimam sua efetividade e irradiação em todo o ordenamento jurídico, de modo que este ganhe eficácia em razão daqueles.

    Para que o indivíduo pudesse se proteger contra os poderes públicos, foram lhe atribuídos os direitos individuais. A relação de subordinação entre particular e poder público é conhecida como eficácia vertical. Esta é a eficácia clássica dos direitos fundamentais.

    Conforme nos lembra Carla Maia dos Santos:

    No Estado liberal a Constituição regulava apenas as relações entre o Estado e os particulares, enquanto o Código Civil disciplinava as relações privadas. Os direitos fundamentais funcionavam como limites à atuação dos governantes em favor dos governados, tratava-se de direitos públicos subjetivos, oponíveis em face do Estado. No Direito Privado o princípio fundamental era o da autonomia privada, ou seja, a liberdade de atuação dos particulares, que deveriam pautar suas condutas apenas nas leis civis.

    Ao decorrer do tempo, foi se constatando que algumas formas de opressão e violência vinham não só do Estado, mas também de outros particulares. Então, a ideia de que não só o Estado é órgão opressor dos indivíduos, mas também outros particulares, o que fez com que surgisse a eficácia horizontal, aplicada nas relações privadas, onde os interesses antagônicos são entre particulares.

    A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros, decorre do reconhecimento de que as desigualdades não se situam apenas na relação Estado/particular, como também entre os próprios particulares, nas relações privadas.

    Daniel Sarmento, em monografia sobre o tema diz que:

    O Estado e o Direito assuem novas funções promocionais e se consolida o entendimento de que os direitos fundamentais não devem limitar o seu raio de ação às relações políticas, entre governantes e governados, incidindo também em outros campos, como o mercado, as relações de trabalho e a família.

    Acrescentando a lição de Renan Paes Félix, segundo o qual:

    Por regra, as normas que consagram os direitos fundamentais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta. Isso evidencia que a mera declaração constitucional não resolve todas as questões, mas o disposto no § 1º do art. 5º, quando declara que todas as normas do artigo têm aplicação imediata significa, conforme Afonso da Silva, que elas são aplicáveis até onde possam, ou seja, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento; significa também que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes, o mandado de injunção é uma delas, por exemplo, para tornar todas as normas constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente.

    Existem diversas teorias explicativas, dentre essas destacam-se três, a teoria da ineficácia horizontal dos direitos fundamentais, teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais, e a teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais.

    2.1 Teoria da ineficácia horizontal dos direitos fundamentais

    Esta teoria é oriunda do direito norte-americano. Para ela as relações entre particulares, em regra, não serão alcançadas pelos direitos fundamentais presentes na Constituição americana. Logo, apenas o Poder Público estaria obrigado a observar os direitos fundamentais, com exceção da 13ª Emenda, a qual aboliu a escravidão no território estadunidense, a qual todos estão submetidos, inclusive as relações entre particulares.

    Como argumento mais forte essa teoria apresenta a chamada autonomia privada um dos marcos do direito privado.

    Para Daniel Sarmento, referida teoria simplesmente nega aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, os direitos fundamentais não se aplicariam nas relações entre particulares.

    Pablo Stolze nos revela tratar-se do encontro das vontades livres e contrapostas, de onde surge o consentimento, pedra fundamental do negócio jurídico.

    2.2 Teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais

    Para a teoria da eficácia indireta ou mediata, os direitos fundamentais são analisados do ponto de vista de duas dimensões:

    a) dimensão negativa ou proibitiva, que veda ao legislador editar lei que viole direitos fundamentais;

    b) dimensão positiva, impondo um dever para o legislador implementar direitos fundamentais, ponderando, porém, quais deles devam se aplicar às relações privadas. Essa a teoria prevalente na Alemanha.

    O professor João Trindade Cavalcante Filho, exemplifica:

    Se alguém aderir ao estatuto de uma associação, e essa norma previr a possibilidade de exclusão sumária, tal regra seria admissível, pois derivou da autonomia privada do associado em aceitá-la. O direito à ampla defesa não incidiria diretamente na relação entre o associado e a associação, mas apenas de forma indireta (mediata), quando, v.g., a associação tomasse uma posição contrária à boa-fé objetiva, induzindo o associado a crer que tal norma não seria aplicada: nessa situação, a cláusula geral da boa-fé autorizaria a incidência (indireta) dos direitos fundamentais.

    2.3 Teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais

    Nos termos da proposta da teoria da eficácia direta ou imediata, alguns direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às relações privadas, ou seja, sem a necessidade da intervenção legislativa.

    Pedro Lenza traz o seguinte sustentáculo à aplicação da teoria:

    (…) sem dúvida, cresce a teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas (‘eficácia horizontal’), especialmente diante de atividades privadas que tenham um certo ‘caráter público’, por exemplo, em escolas (matrículas), clubes associativos, relações de trabalho (...)

    Armando Cruz Vasconcellos adverte que as:

    (…) violações aos direitos fundamentais podem partir tanto do Estado soberano como, também, dos agentes privados. Essa tendência atual de aplicação horizontal dos direitos fundamentais não visa se sobrepor à relação anterior, uma vez que o primordial nessa questão é nos atentarmos para que a aplicação dos direitos fundamentais, no caso concreto, esteja sempre ponderada com os demais princípios. Diversas questões precisam ser melhores desenvolvidas, como qual a forma dessa vinculação e seu alcance.

    No caso do Brasil, onde a desigualdade social é latente, não permitir a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares é inconcebível. Se fossemos um povo dotado de uma relação social ideal, poderia ser adotada a eficácia horizontal indireta, porém, essa não é a realidade do nosso país. Quanto maior a desigualdade na relação, maior a necessidade de proteção. Por isso, a teoria da eficácia horizontal direta, no caso da realidade brasileira, é a mais adequada.

    Há de se destacar a acertada observação de Pedro Lenza, para quem, na aplicação da teoria da eficácia horizontal,

    (…) poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da autonomia da vontade privada e da livre iniciativa de um lado (CF, arts. , IV, e 170, caput) e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, III) de outro. Diante dessa ‘colisão’, indispensável será a ‘ponderação de interesses’ à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.

    No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem adotado, de forma sistemática, a teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.

    Considerações finais

    O que hoje tem prevalecido em nossa Corte Máxima é a aplicação da Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, ou seja, a ponderação de valores nas disputas geradas entre particulares, que tenham por objeto, direitos fundamentais, um certo risco quando da possibilidade da ingerência desmedida do Estado nas relações entre os particulares. Todavia, parece ser um risco ainda menor do que aquele representado pela ausência de freios e limites à autonomia da vontade, a qual, jamais deve se prestar a legitimar qualquer agressão e desrespeito ao direito de existir com dignidade, ainda que mínima.

    REFERÊNCIAS

    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª edição. São Paulo: Malheiros. 2011.

    CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5º ed. Editora Livraria Almedina, 2002.

    CAPEZ, Fernando; et. AL. Curso de Direito Constitucional. 7ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010.

    FELIX, Renan Paes. Direitos Fundamentais e sua eficácia no âmbito das relações privadas. Revista Juristas, João Pessoa, a.III, n.92, 19/09/2006. Disponível em . Acesso em 18 abr. 2020.

    LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva. 2011.

    MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

    SANTOS, Carla Maia dos. Qual a distinção entre eficácia vertical e eficácia horizontal dos direitos fundamentais? Disponível em http://www.lfg.com.br. 15 de abril de 2020.

    SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 323.

    VASCONCELLOS, Armando Cruz. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas de subordinação. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2107, 8 abr. 2009. Disponível em: Acesso em: 15 de abril de 2020

    VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais – uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo, Malheiros: 1999.

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