Indenização por dano moral em ricochete em face de erro médico
Análise à luz da atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
1 Introdução
A responsabilidade civil decorrente de erro médico é uma questão que tem suscitado crescente atenção tanto no meio acadêmico quanto nos tribunais. Uma das dimensões mais interessantes e ainda pouco exploradas desse tema é o chamado "dano moral em ricochete", ou seja, a reparação por danos morais que afetam não apenas a vítima direta do erro médico, mas também terceiros que mantêm com ela um vínculo significativo. O tema, apesar de incipiente na jurisprudência nacional, tem ganhado contornos mais definidos, sobretudo a partir de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Este estudo objetiva fazer um levantamento e uma análise crítica dessas decisões, procurando identificar padrões, critérios e diretrizes que possam estar emergindo na interpretação deste tipo de caso pelo STJ. Em particular, serão avaliadas questões como a natureza da responsabilidade civil envolvida, os critérios para a compensação do dano moral em ricochete e a identificação dos possíveis titulares desse direito à reparação.
Dado que a matéria é relativamente nova no ambiente jurídico nacional, o foco será em como o STJ tem tratado as nuances deste tema, servindo de guia para advogados, juízes e demais operadores do Direito que se deparam com casos similares.
Dessa forma, o estudo tece uma análise interpretativa dessas decisões, buscando identificar os princípios e critérios que o Tribunal tem utilizado para fundamentar suas decisões referentes ao tema.
2 A indenização por dano em ricochete na atual visão do STJ
A responsabilidade civil por erro médico tem se tornado tema de grande relevância acadêmica, doutrinária e jurisprudencial, especialmente quando o resultado lesivo ultrapassa a vítima e afeta terceiros. Há questionamentos sobre a possibilidade de reparação por dano moral em ricochete nos casos de erro médico, quem seriam os titulares deste direito e os critérios para compensação. O assunto é ainda incipiente na jurisprudência nacional, uma vez que se debruça sobre as fronteiras da teoria da responsabilidade civil e sugere novas diretrizes para reparação. A esse respeito, o STJ tem fornecido diretrizes significativas aos operadores do direito.
Em 2018, ao apreciar o REsp 1698812/RJ, o STJ entendeu que a responsabilidade civil decorrente de erro médico tem natureza contratual, sendo dever da instituição hospitalar e de seu corpo profissional agir conforme os parâmetros técnicos estabelecidos para evitar danos ao paciente. Portanto, uma vez comprovado que a atuação médica foi a causa da lesão resultante em estado vegetativo e posterior morte precoce da vítima, é facultado aos familiares pleitear indenização por dano moral reflexo (em ricochete). O valor da indenização, se considerado irrisório na instância original, pode ser revisto. Nos casos em questão, sob a égide do art. 927 do Código Civil e da Súmula 54/STJ, o termo inicial para o cálculo dos juros de mora é a data do evento danoso, uma vez que se trata de responsabilidade civil extracontratual.
Em 2019, no REsp 1732556/SP, o STJ reconheceu a possibilidade de indenização por dano moral em ricochete pleiteada pelos familiares da vítima de erro médico, devido à natureza extracontratual da relação. Entretanto, o Tribunal manifestou-se no sentido de que, em respeito ao princípio da vedação da "reformatio in pejus", o termo inicial para o cálculo dos juros de mora é a data da citação e não do evento danoso.
Posteriormente, em 2021, no AREsp 1908476/RJ, o STJ manteve o valor da indenização arbitrada em desfavor do Município por erro médico que resultou em morte. Os genitores deveriam ser compensados pelos prejuízos sofridos devido ao dano moral em ricochete. Com a constatação do dano e do nexo de causalidade pelo tribunal original, o dever de indenizar ficou configurado. O valor arbitrado atendeu aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Naquele mesmo ano, no REsp 1948045, o STJ reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado pela morte da gestante e do nascituro. Foi entendido que a indenização por dano moral reflexo (em ricochete) aos familiares das vítimas seria admissível quando constatada a culpa do ente estatal e o resultado lesivo. O valor deveria ser estabelecido de modo a evitar enriquecimento sem causa, pautando-se na equidade e em montantes aplicados em casos semelhantes.
Em 2022, no AREsp 2084546/SP, o STJ decidiu que, caso o valor da indenização esteja fundamentado no conjunto fático-probatório apresentado e não se mostre irrisório ou exorbitante, a revisão do valor estabelecido não deve prosperar.
Veja-se que o STJ tem consolidado seu entendimento de que, diante de erro médico, as vítimas indiretas que sofreram danos reflexos podem ser compensadas de forma independente. Para isso, é necessário comprovar o nexo de causalidade para o reconhecimento do dano moral reflexo. Os danos sofridos pelas vítimas indiretas devem ser evidenciados e manter relação direta com o dano principal causado pelo erro médico. Desse modo, não são passíveis de reparação, a título de dano moral em ricochete, os casos em que não há comprovação efetiva de ofensa a direitos de personalidade.
3 Considerações finais
O texto em análise ofereceu uma visão abrangente da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação à responsabilidade civil por erro médico, com foco específico na figura do dano moral em ricochete. Ao longo dos anos, o STJ construiu um corpus jurisprudencial sólido que contribuiu de maneira significativa para o entendimento deste tema complexo e ofereceu diretrizes claras para os operadores do direito.
Ficou evidente que o Tribunal reconheceu a possibilidade de reparação tanto no âmbito contratual quanto extracontratual, variando de acordo com as circunstâncias do caso em questão. Além disso, demonstrou atenção a princípios como razoabilidade, proporcionalidade e vedação do enriquecimento sem causa, que balizaram a fixação do valor da indenização. Destacou-se também o entendimento do STJ quanto ao termo inicial para o cálculo dos juros de mora, que podia diferir conforme a natureza da responsabilidade civil implicada.
No que tange ao dano moral em ricochete, o entendimento firmado pelo STJ foi de que vítimas indiretas, geralmente familiares, também poderiam ser compensadas, desde que demonstrado o nexo causal direto entre o dano principal e o dano reflexo. A jurisprudência do Tribunal exigiu a comprovação efetiva de ofensa a direitos de personalidade nas vítimas indiretas.
Em suma, o panorama jurisprudencial do STJ sobre a responsabilidade civil por erro médico e dano moral em ricochete apresentou-se como um referencial normativo dinâmico e adaptável, sensível às complexidades e particularidades deste tipo de caso. Esse quadro normativo contribuiu para tornar as expectativas em torno de tais litígios mais previsíveis e justas, para vítimas diretas e indiretas.
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