Internação de [adolescente] dependente químico
Em que pese a louvável decisão judicial confirmatória das liberdades públicas – direitos individuais (vida e saúde integral) e garantias fundamentais – constitucional e estatutariamente asseguradas a todas as crianças e adolescentes, percebe-se que não houve qualquer menção da absoluta prioridade do atendimento do adolescente não só como sujeito de direito, mas, principalmente, por se encontrar na condição humana (existencial) de desenvolvimento da personalidade (art. 6º da Lei 8.069/90).
Vale dizer, as “Leis de Regência” – Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente –, simplesmente, restaram olvidados, precisamente, na parte destinada às declarações afirmativas em prol dos direitos da criança e do adolescente.
O tratamento toxicológico – para além dos compromissos político-sociais legal e democraticamente (constitucionalmente) assumidos pelos Poderes Públicos, através do regular exercício de suas respectivas funções (atribuições e competências) – constitui-se em medida específica de proteção, nos termos do inc. VI, do art. 101, da Lei 8.069/90; e, que, portanto, destina-se a salvaguarda dos direitos individuais, de cunho fundamental, a saber: à vida e à saúde.
A vida é a dimensão existencial do ser humano que se desenvolve através do estabelecimento de inúmeras relações interpessoais, e, portanto, deve ser expressão da sua liberdade, respeito e dignidade; a saúde, por sua vez, enquanto direito individual, pode muito bem ser concebida como a plenitude do bem-estar físico, psíquico (moral) e social.
Não fosse isto, observa-se ainda que a eventual internação – compulsória ou não! – de adolescente “dependente químico”, certamente, dependerá da observância das regras, princípios e orientações objetivamente consignadas na Lei 10.216/2001.
Neste sentido, já se tinha advertido que:
“A doutrina da proteção integral, então, adotada no Brasil através da opção política de alinhamento com as diretrizes humanitárias internacionais, restou, pois, sintetizada no art. 227 da Constituição da República de 1988, que, em seu inc. VII especifica a necessidade da construção de programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.
[...]
Senão, que, para tanto, impõe-se a realização de ‘exame periódico de avaliação do tratamento’ médico-psicológico e mesmo do acompanhamento a que estão sendo submetidas crianças e adolescentes, e, de igual maneira, ‘de todos os demais aspectos relativos à internação’, consoante determina o art. 25 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
[...]
Pois, a criança e o adolescente possuem direito a ‘gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde’, nos termos do art. 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
[...]
É o que já se ponderou em outras oportunidades –
RAMIDOFF, Mário L. Prisão domiciliar e sofrimento mental grave. http://atualidadesdodireito.com.br/ marioluizramidoff/2011/09/29/prisão-domiciliaresofrimento-mental-grave/;
RAMIDOFF, Mário L. Prisão domiciliar e saúde mental. http://atualidadesdodireito.com.br/marioluizramidoff/2011/10/03/prisão-domiciliaresaude-mental/”.
(RAMIDOFF, Mário Luiz. Medidas Eugênico-Higienistas Sociais. http://atualidadesdodireito.com.br/marioluizramidoff/2011/10/17/medidas-eugenico-higienistas-sociais-2/#more-95).
Portanto, permanece a preocupação com as decisões judiciais – judicialização (indevida) de políticas sociais públicas – que singelamente determinam, de forma meramente assistencialista, a adoção de medidas administrativas – como, por exemplo, “internações” independentemente de serem compulsórias ou não! – sem, que, contudo, assegurem a vinculação de tais medidas com políticas sociais públicas sérias e permanentes.
Por políticas sociais públicas “sérias e permanentes”, entende-se o conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais (art. 86 e ss. Da Lei 8.069/90) em prol da efetivação dos direitos individuais e do asseguramento das garantias fundamentais, independentemente, de “governabilidades” que sazonalmente ocupam postos diretivos da Administração Pública.
Logo, é possível afirmar, com alguma legitimidade, que toda e qualquer decisão administrativa e mesmo judicial que não se vincule à formulação e execução de programas sociais públicos “sérios e permanentes”, e, que se destinem prioritariamente ao acesso e ao pleno exercício dos direitos individuais, senão, da própria cidadania infanto-adolescente, deva ser “corrigida” pelas próprias instâncias revisionais.
Eis, pois, o que se pode entender por critério verificatório da dimensão democrática (constitucional) do moderno Estado de Direito; vale dizer, do Estado que através de seus órgãos, entidades e instituições não só desenvolve suas funções de acordo com a lei (per lege), mas, também, submete-se à lei (sub lege).
De outro lado, entende-se que as decisões judiciais que não se vinculem à criação, execução (estabelecimento) e manutenção (estrutural, funcional e orçamentária) de programas sociais, no fundo, apenas legitimam a inércia do Estado (Poderes Públicos), senão, a falta ou o precaríssimo funcionamento dos órgãos, estabelecimentos e instituições públicas legalmente constituídas para o atendimento dessas necessidades vitais básicas: a vida e a saúde.
Direitos Difusos e Coletivos IV - v.37
Mario Luiz Ramidoff
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