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29 de Abril de 2024
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    Notas sobre a imprescindibilidade de perícia técnica para a aferição de materialidade em crime ambiental.

    Delitos tipificados no artigo 54 §2º, inciso V da Lei nº 9.605/98.

    há 2 anos

    Na seara dos crimes ambientais, é muito comum nos depararmos com denúncias oferecidas pelo Ministério Público com base somente no auto de infração ambiental e no relatório de vistoria realizado pela Polícia Militar Ambiental.

    Todavia, é muito importante atentar para o fato de que em várias espécies de delitos dessa natureza, isso não é suficiente para embasar a denunciação. Verbi gratia, nos crimes de poluição, como aquele tipificado no artigo 54, § 2º, inciso v, da Lei nº 9.605/98, é necessária a realização de perícia técnica para que se possa evidenciar [ou, não] a materialidade do crime imputado.

    Isso porque o tipo penal exige um resultado finalístico, qual seja o prejuízo à saúde humana, ou, a destruição da flora, ou, ainda, a mortandade de animais, para que o crime se configure. E a aferição desses resultados finalísticos deve advir de perícia técnica por profissional especializado e capacitado para emitir conclusão segura sobre sua ocorrência, sob pena de não restar demonstrado o elemento de materialidade indispensável à oferta de denúncia pelo parquet.

    Logo, embora não raro se encontrem processos penais sendo iniciados com base apenas nestes documentos, o Auto de Infração e/ou relatório de vistoria emitido pela Polícia Militar Ambiental e Fundação Ambiental não são bastantes para embasar a acusação com base no referido tipo penal, cujo texto dispõe (grifa-se):

    Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: [...]

    § 2º Se o crime: [...]

    V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: Pena - reclusão, de um a cinco anos. [...]

    É de se destacar que, pela redação do dispositivo, que é elementar do tipo penal a poluição “em níveis tais” que se produzam (ou se possam produzir) os resultados finalísticos ali previstos.

    Ou seja, para configurar o delito em comento, o nível de poluição deve ser de tal monta que resulte, ou, possa resultar em danos à saúde humana, ou, provoque a mortandade de animais ou, ainda, a destruição significativa da flora.

    Nota-se que a primeira parte do tipo penal possui natureza formal, sendo suficiente a potencialidade do dano. Por essa razão, nesse ponto há prescindibilidade da perícia técnica.

    No entanto, a mesma lógica não se aplica à parte final do artigo, porquanto se trata de crime que deixa vestígio, então, em atenção ao disposto no artigo 158 do Código de Processo Penal, a prova pericial se torna, de fato, indispensável. In verbis:

    Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

    Em não havendo perícia, portanto, não haverá a segurança jurídica necessária para se afirmar que efetivamente há materialidade desse delito, e imputá-lo a alguém.

    A doutrina e a jurisprudência pátrias já confirmam tais conclusões:

    Note-se, a exemplo:

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO DECORRENTE DO LANÇAMENTO DE RESÍDUOS EM DESACORDO COM A DETERMINAÇÃO LEGAL E INSTALAÇÃO DE ESTABELECIMENTO POTENCIALMENTE POLUIDOR SEM LICENÇA (ART. 54, § 2º, V, E 60, CAPUT, AMBOS DA LEI N. 9.605/98). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. PRETENSA CONDENAÇÃO QUANTO AO CRIME DESCRITO NO ART. 54, § 2º, V, DA LEI N. 9.605/98. ALEGADA A EXISTÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVAS ACERCA DO GRAU DE POLUIÇÃO SUPOSTAMENTE CAUSADO PELAS ATIVIDADES DA EMPRESA RÉ (PREJUÍZO À FAUNA OU À FLORA, E POTENCIAL RISCO À SAÚDE HUMANA) NÃO PERMITINDO INFERIR COM PRECISÃO A CONDUTA DESCRITA NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0000774- 49.2008.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 07-08-2018).

    “Para a caracterização do delito previsto no art. 54 da Lei n. 9.605/98, a poluição gerada deve ter o condão de, ao menos, poder causar danos à saúde humana” (STJ, SC 54.536/MS, 5ªT., rel. Min.Félix Fischer,j.6-6-2006, GJ de 1º-8-2006,p.490).

    “Só é punível a emissão de poluentes efetivamente perigosa ou danosa para a saúde humana, ou que provoque a matança de animais ou destruição significativa da flora, não se adequando ao tipo penal a conduta de poluir, em níveis incapazer de gerar prejuízos aos bens juridicamente tutelados, como no presente caso” (STJ, RHC 17.429/GO, 5ª rel.Min.Gilson Dipp,j.28-6-2005,DJ de 1-8-2005,p.476).

    É amplamente constatado que a acusação, frequentemente, denunciará e tentará obter a condenação com base apenas em documentos administrativos, feitos, unilateralmente, pelos órgãos de fiscalização. Porém, nos casos do delito em apreço, a ausência de laudo pericial demonstrando os necessários resultados finalísticos, a materialidade não deve se reputar demonstrada, pelo que, a absolvição será a medida correta a ser aplicada pelo julgador.

    RICARDO FELICIANO DOS SANTOS

    Advogado (OAB/SC n. 34.831)

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