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3 de Maio de 2024
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    O poder de auto-organização municipal

    1. PODER DE AUTO-ORGANIZAÇÃO

    Uadi Lammêgo Bulos conceitua Município como a unidade geográfica divisionária dos Estados-membros, datadas de personalidade jurídica de Direito Público Interno, possuindo governo próprio, para administrar, descentralizadamente, serviços de interesse local.

    Como é possível constatar em análise histórica, desde o período colonial, quando o Município se prestava a ser apenas um departamento administrativo da Província, até a Constituição de 1988, que, em seus artigos e 18, trouxe expressamente o Município como ente federativo, atribuindo-lhe significativa ampliação de sua autonomia política, econômica e social, podendo, até mesmo, ser considerada como a célula primária do pacto federativo brasileiro.

    Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

    Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição

    Alguns, como Hely Lopes Meirelles, consideram que a entrada do Município como ente federativo foi mais do que necessária, em razão de sua importância na organização político-administrativa brasileira, sendo acertada a decisão do constituinte originário de tornar o Brasil uma federação de terceiro grau.

    Todavia outros doutrinadores, como Uadi Lammêgo Bulos, entendem que a Carta Maior exagerou ao incluí-lo no enlace federativo, em razão de a Teoria Geral do Federalismo prever apenas uma “federação de Estados”, ou seja, uma federação de segundo grau.

    Estes acreditam que o ente local não deveria fazer parte da Federação sob os seguintes argumentos:

    a) Inexistência de representação no Senado Federal;

    b) Inexistência de Poder Judiciário próprio;

    c) Impossibilidade de intervenção federal no Município;

    d) Impossibilidade de apresentação de emendas à Constituição da República pelas Câmaras Municipais.

    Ademais esta controvérsia doutrinária, dentre as inovações trazidas pela Constituição Cidadã, consta o Poder de Auto-organização dos Municípios, que é resultado de uma maior autonomia organizatória relegada a estes entes.

    Este poder pode ser conceituado como a possibilidade de o Município elaborar a sua própria Lei Orgânica, sendo, assim, um desdobramento da autonomia política, ou seja, trata-se de autonomia normativa, onde este poderá elaborar competências e estabelecer suas estruturas de acordo com as suas necessidades, sendo prescindível qualquer aprovação por parte do Estado ou União.

    Antes da Constituição de 1988, o a competência para elaborar a Lei Orgânica era do Estado membro, sendo esta válida para todos os Municípios de seu território, o que era afrontoso a autonomia dos entes locais.

    Além disso, essa conjuntura anterior à Constituição Cidadã deixava de levar em conta as peculiaridades dos entes locais de forma individualizada, pois, certamente, a Capital, regida pela mesma Lei Orgânica, não estava inserida no mesmo contexto fático de um Município interiorano.

    Foi a Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 1988, nos termos do art. 29, caput, quem instituiu o poder de auto-organização, passando a Lei Orgânica a ser editada pela municipalidade, devendo atender aos princípios estabelecidos nesta e na Constituição do respectivo Estado, in verbis:

    Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...)

    Os preceitos supracitados referem-se à eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País (inciso I); posse do prefeito e do vice-prefeito no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição (inciso III); número de vereadores proporcional à população do Município, observados os limites definidos no inciso IV do art. 29; subsídios do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais fixados por lei de iniciativa da câmara municipal (inciso V); inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município (inciso VIII); julgamento do prefeito perante o Tribunal de Justiça (inciso X); organização das funções legislativas e fiscalizadoras da câmara municipal; e iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, mediante a manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado (inciso XIII).

    2. Lei Orgânica

    De todos os atos normativos que podem ser editados pela municipalidade, a Lei Orgânica do Município é considerada o mais importante, pois estabelece as suas diretrizes básicas da organização política, além sistematizar os princípios vetores da Administração Pública local.

    Mas qual seria a natureza da Lei Orgânica Municipal?

    A corrente municipalista apresenta uma gama de argumentos que apontam que a LOM tem natureza jurídica de Constituição do Municipio, dentre eles:

    a) Lei Orgânica não se confunde com Lei Ordinária ou Complementar, já que estas dependem de sanção por parte do prefeito, e aquela deve ser promulgada pela Câmara Municipal, não participando o prefeito de sua elaboração ou aprovação;

    b) A Lei Orgânica deve ser votada com interstício mínimo de 10 (dez) dias, requisito procedimental que não está presente nos outros atos normativos locais;

    c) Necessidade de quórum de 2/3 para aprovação da LOM, requisito formal desnecessário para criação de leis ordinárias, que carecem apenas de maioria simples; ou de lei complementares, que necessitam de maioria absoluta;

    d) A Lei Orgânica trata da organização política do Município, relação entre a Prefeitura e a Câmara Municipal, princípios norteadores da administração local, questões que não são passíveis de tratamento por lei ordinária ou complementar;

    e) A LOM funciona como fundamento de validade para todos os atos normativos de competência municipal, de modo que as normas anteriores e incompatíveis com a nova Carta Municipal estarão tacitamente revogadas.

    3. CONTEÚDO DA LEI ORGÂNICA

    Segundo Antônio José Calhau de Resende, a LOM deve:

    a) Estruturar os órgãos políticos da municipalidade;

    b) Estabelecer as relações entre o Executivo e o Legislativo;

    c) Fixar as competências do Município de acordo com o critério do interesse local;

    d) Determinar as atribuições privativas do prefeito e da câmara municipal;

    e) Estipular regras atinentes ao processo legislativo;

    f) Fixar o número de vereadores, que deverá ser proporcional à população do Município, nos termos do inciso IV do art. 29 da Constituição Federal;

    g) Estabelecer os princípios que regem a administração pública; e

    h) Discriminar os tributos de competência da municipalidade, especialmente os impostos.

    Todavia, é comum que a Lei Orgânica Municipal trate de matérias que poderiam ser relegadas a leis ordinárias ou complementares. Esta prática, segundo o supracitado autor, faz parte da tradição cultural do legislador municipal.

    Importante salientar que, devido à tradição formalista e burocrática existente no Brasil, devem constar na Lei Orgânica dispositivos da Constituição Federal e Estadual, nem que seja fazendo remissão a normas lá constantes, pois, caso uma LOM não traga nada referente a medidas provisórias, não poderá editá-las com fulcro na Constituição da República ou do Estado membro.

    4. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA

    A LOM do Município de Fortaleza, que possui 284 artigos, além de outros 14 no Ato das Disposições Transitórias, é estruturada da seguinte forma:

    · TÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

    · TÍTULO II - DA COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO

    · TÍTULO III - DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES - Capítulo II - DO PODER LEGISLATIVO

    · TÍTULO III - DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES - Capítulo III - DO PODER EXECUTIVO

    · TÍTULO IV - dA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL - Capítulo I - DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA

    · TÍTULO IV - DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL - Capítulo II -

    DOS SERVIDORES PÚBLICOS

    · TÍTULO IV - DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL - Capítulo III -

    DAS OBRAS E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

    · TÍTULO IV - DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL - Capítulo IV - DA TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo I - DA POLÍTICA URBANA

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo II - DO MEIO AMBIENTE

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo III - DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo IV - DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo V - DA SAÚDE

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo VI - DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

    · TÍTULO V - DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL - Capítulo VII - DO DESPORTO, DO LAZER E DO TURISMO

    · TÍTULO VI - DISPOSIÇÕES GERAIS

    5. DIVISÃO ENTRE MUNICÍPIOS E DISTRITOS

    A divisão de Municípios em Distritos e Subdistritos é meramente administrativa, de maneira que estes não adquirem personalidade jurídica nem autonomia política ou financeira, continuando sob a administração do Município e sob representação partidária.

    O Distrito consiste nessa divisão administrativa, destinada ao melhor atendimento do usuário, com alguns serviços públicos estaduais, como registro civil, registro de imóveis, delegacias de polícia; e municipais, como postos de arrecadação e serviços de limpeza pública. Ele não possui capacidade postulatória.

    Já os Subdistritos são apenas subdivisões dos Distritos com a finalidade de descentralização ou desconcentração de serviços locais e estaduais.

    Além dos distritos, subdistritos, subprefeituras e das regiões, outras divisões administrativas podem ser estabelecidas pelo município, através de seu zoneamento, para a setorização de seu território visando a melhor funcionalidade da cidade, bem como a maior eficiência da prestação dos serviços públicos, estabelecendo critérios para o uso e ocupação do solo e as linhas mestras que nortearão o crescimento e o desenvolvimento do município no plano urbanístico.

    Dentro da organização político-administrativa está a divisão do território municipal, que poderá ser dividido em distritos e subdistritos, mediante lei municipal, desde que prevista na Lei Orgânica.

    Finalmente, como parte do processo de descentralização da governança pública, é crescente a participação da sociedade civil, do terceiro setor e do setor privado para catalisar e promover ações em áreas como saúde, educação, habitação, resíduos sólidos, violência doméstica e outros problemas recorrentes das grandes cidades. Nessa lógica, “o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser o coordenador e fiscalizador de serviços que podem ser prestados pela sociedade civil ou pelo mercado ou em parceria com esses setores” (FARAH, 1999, p. 331).

    6. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

    A Constituição Federal de 1988 inovou quanto à organização do judiciário, conferindo-lhe autonomia institucional, funcional, administrativa e financeira.

    A organização judiciária define a competência dos órgãos jurisdicionais incumbidos da administração da Justiça, disciplinando sua composição e funcionamento.

    A Justiça brasileira está estruturada, de acordo com o organograma acima apresentado, com os seguintes órgãos do judiciário, em consonância com o artigo 92 da Constituição Federal.

    · Supremo Tribunal Federal;

    · Superior Tribunal de Justiça;

    · Os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

    · Os Tribunais e Juízes do Trabalho;

    · Os Tribunais e Juízes Eleitorais;

    · Os Tribunais e Juízes Militares;

    · Os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

    5.1. JUSTIÇA ESTADUAL

    Já a Justiça Estadual é organizada da seguinte maneira:

    · Primeira instância: juízos de direito (varas), tribunais do júri, juizados especiais, auditorias militares estaduais;

    · Segunda instância: Tribunais de Justiça (em 26 Estados, mais um no Distrito Federal), Tribunais de Justiça Militar (em apenas em três Estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), colégios recursais (segunda instância dos juizados especiais);

    · Terceira instância: Superior Tribunal de Justiça;

    • Sobre o autorWalter Queiroz, Especializado em Direito Previdenciário
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