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25 de Maio de 2024

O princípio da insignificância nos delitos de furto

há 6 anos


Por Bruna Lima e Victória Maia

A tipicidade de um crime se dá quando a conduta do agente amolda-se ao tipo penal formal e materialmente, ou seja, o indivíduo pratica de fato a ação e causa lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Assim, desde já, esclarecemos que a mera descrição legislativa não basta para a configuração do delito, seja ele qual for.

Então, buscaremos analisar a incidência do princípio da insignificância no delito de furto, princípio este que tem por escopo tornar atípica a conduta do acusado, ainda que a ação perpetrada por ele amolde-se ao artigo 155 do Código Penal, o qual tipifica o referido crime.

Antes disso, essencial o estudo dos princípios basilares que norteiam a aplicação do Direito Penal como um todo. Entre esses preceitos fundamentais, encontramos a intervenção mínima apontando que

a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes.

Neste horizonte, o Direito Penal, em razão da sua extrema gravidade, já que envolve a liberdade dos indivíduos, apenas deve agir quando outras searas não forem capazes de proteger o bem jurídico tutelado.

No mesmo sentido, o princípio da fragmentariedade nos traz a seguinte lição:

o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes.

A reflexão que buscamos aqui é: será que a subtração, sem emprego de violência, de um pacote de bolachas em um grande mercado, por exemplo, é capaz de causar lesão ao patrimônio desta vítima?

Para solucionar casos como esse, a jurisprudência elencou alguns requisitos para aplicabilidade do princípio da insignificância nos delitos de furto. Passemos a analisá-los:

  • Mínima ofensividade da conduta do agente: neste momento o que se questiona é a lesividade da ação em si perpetrada pelo indivíduo, sem averiguar, por ora, a lesão em si provocada. É necessário que a conduta tenha baixo grau de ofensividade para que se possa continuar averiguando os requisitos de aplicabilidade da insignificância.
  • Nenhuma periculosidade da ação: tal requisito condiciona a aplicabilidade da bagatela à inexistência de qualquer risco sofrido pela sociedade com a conduta praticada pelo agente.
  • Reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta: a ação do réu deve ser, no mínimo, compreensível e aceita, não podendo gozar de relevante reprovabilidade social.
  • Inexpressividade da lesão jurídica provocada: aqui, finalmente, analisa-se se o dano ao patrimônio foi ou não relevante, averiguando-se com veemência a condição pessoal da vítima. Por exemplo, o furto de uma caixa de 12 leites em um armazém de bairro resulta um prejuízo diferente do que seria no caso de a vítima ser uma grande rede de mercados. Ou, a subtração de um cofre de madeira, ainda que vazio, recebido como herança da bisavó, que servia apenas de enfeite; ainda que não valha em espécie, o cofre em si, há por trás da história, um sentimento, um carinho especial pelo objeto, não tendo os juízes aplicados nesse caso a insignificância, desde que comprovado o afeto com o bem subtraído. Nesses casos, cabe à Defesa demonstrar a ausência de conhecimento deste afeto, para que seja aplicado então, o princípio da insignificância. É este o exercício subjetivo que o Magistrado deve fazer.

Na aplicação da bagatela existe a insegurança jurídica em razão dos requisitos serem subjetivos, podendo cada Juiz decidir de acordo com a sua convicção, sem estar restrito amplamente por um mandamento normativo. De qualquer sorte, os requisitos facilitam a aplicação do princípio e garantem a mínima intervenção do Direito Penal.

Recentemente, o STF modificou decisão que havia sido mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça no HC 144551. No caso, a ré havia furtado um sapato no valor de R$99,90 que foi restituído ao estabelecimento comercial.

O Ministro Gilmar Mendes, ao analisar o caso concreto, ponderou:

Não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do estado-polícia e do estado-juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância à hipótese de furto de um par de sapatos femininos avaliado em R$ 99,00 (noventa e nove reais). Isso porque, ante o caráter eminentemente subsidiário que o Direito Penal assume, impõe-se sua intervenção mínima, somente devendo atuar para proteção dos bens jurídicos de maior relevância e transcendência para a vida social. Em outras palavras, não cabe ao Direito Penal, como instrumento de controle mais rígido e duro que é, ocupar-se de condutas insignificantes, que ofendam com o mínimo grau de lesividade o bem jurídico tutelado.

A grande divergência reside na hipótese de aplicabilidade do princípio da insignificância em caso de réu reincidente. Pois bem. Desde já refutamos qualquer impossibilidade. O princípio da insignificância avalia a existência de tipicidade material, não tendo sido, sequer, elencado qualquer requisito que avalie o réu enquanto sujeito.

Ainda mais porque o direito penal é do fato e não do indivíduo. Manter a tipicidade de uma CONDUTA em razão da pessoa do RÉU é plenamente descabido. Neste sentido posicionou-se o STF no julgamento do HC 137.422.

Por fim, ressaltamos que jamais podemos nos esquecer ou deixar esquecer da hermenêutica necessária para análise dos casos concretos que chegam até nós. Cada caso é uma vida. Por trás de cada folha de papel existe um indivíduo a espera de uma resposta estatal.

Portanto, deixemos de lado as nossas convicções pessoais, paixões e ressentimentos. O processo penal é local para exercício da técnica em prol da observância da lei e o Direito Penal, como bem sabido, só deve ser aplicado em ultima ratio, não podendo ser banalizado em nossa sociedade, devendo observar, ainda, todas as garantias cabíveis.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

Fonte: Canal Ciências Criminais

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