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30 de Abril de 2024

O que configura associação para o tráfico?

Publicado por Thiago Knopp
há 2 anos

No post de hoje, vamos verificar o que configura associação para o tráfico e seus requisitos; se tem fiança e qual a pena por associação ao tráfico.

No ano de 2012, quando cursamos especialização em Criminologia, Direito e Processo Penal na Universidade Candido Mendes, durante as aulas sobre Política Criminal de Drogas, no módulo de Segurança Pública, a professora fez uso de expressão jocosa para identificar um dos crimes previstos na Lei n. 11.343/2006 que utilizamos desde então.

Ela (a professora), que também era coordenadora do programa de pós-graduação e de quem fomos monitor desde metade ao fim do curso, fazia exposição onde criticava a ausência de critério objetivo para a distinção dos comportamentos de consumo daqueles que configuram comércio, com impacto no aumento do espectro de criminalização por tráfico de drogas, responsável, ao lado dos crimes patrimoniais – como furto e roubo – pelo encarceramento em massa a partir da edição da atual de Lei de Drogas brasileira.

Prosseguiu afirmando que, para além de prender demais, a (não tão) nova Lei n. 11.343/2006 amplia os horizontes de punitividade, potencializando a criminalização secundária levada a cabo pela polícia, Ministério Público e Magistratura, na medida em que estabelece vetores que colocam atrás das grades, majoritariamente, a juventude preta, pobre e favelada.

Assim, concluiu, basta ser abordado nas proximidades de um “conhecido ponto de venda de drogas”, ser preto, pobre e favelado para, independentemente da quantidade de substância ilícita encontrada pelos policiais, ser rotulado como traficante.

E a situação ainda pode piorar se o sujeito estiver na companhia de outra pessoa com o mesmo estereótipo, caso em que serão ambos presos em flagrante por tráfico e associação para o tráfico – “dutrilha”, como a professora chamou, fazendo referência ao antigo crime de quadrilha ou bando, para designar o “pacote” que neutraliza o inimigo interno criado pela bem-sucedida guerra (aos pobres) às drogas.

Associação para o tráfico: requisitos

Ocorre que somente configura associação para o tráfico, diz o art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei.

Para a imputação do crime de associação para o tráfico, portanto, é necessária a presença dos requisitos (elementos do tipo) objetivo e subjetivo, bem como a demonstração de indícios acerca da autoria e prova da materialidade (justa causa) pela acusação quando do oferecimento da denúncia, sob pena de rejeição.

Apesar de a doutrina ensinar que a melhor interpretação reclama à sua incidência o ajuste prévio e um mínimo de organização, seja embora na preparação e no cometimento de um só delito de tráfico ilícito de drogas (Lima, 2020, p. 1081), a realidade do dia a dia nos fóruns brasileiros é um tanto diferente…

No Rio de Janeiro, cidade onde atuamos como Advogado Criminalista, verificamos a existência de “tribunais de rua”, onde policiais (geralmente militares) que efetuam a prisão em flagrante, também realizam, num primeiro momento, o enquadramento (juízo de tipicidade) do comportamento aos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico – e o fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação, conforme orientação do próprio Tribunal de Justiça local (Súmula 70).

É bem verdade que a lei revogada (n. 6.368/1976) previa causa de aumento de pena quando a associação para o tráfico fosse eventual, ou seja, mero concurso de agentes – a atual, porém, aboliu essa majorante.

Com o advento da mais recente Lei de Drogas brasileira, então, não se pode concluir que, em virtude do uso da expressão “reiteradamente ou não”, o crime de associação para fins de tráfico passe a abranger tanto o concurso eventual quanto o concurso estável e permanente de dois ou mais indivíduos.

Se se trata de crime contra a paz pública, há de se entender que apenas a associação estável e permanente é capaz de expor a risco o bem jurídico tutelado.

Logo, uma associação instável e efêmera, características inerentes ao concurso eventual de agentes, não tipifica, de per si, o crime do art. 35 da Lei nº 11.343/06 (Lima, 2020, p. 1080).

O que se vê na prática, entretanto, é, por um lado, o abuso do poder-dever de acusar de parcela dos integrantes do Ministério Público ao formular em juízo pretensão sem justa causa, ou seja, quanto ao crime de associação para o tráfico, sem elementos mínimos a demonstrar consciência e vontade (dolo) dos sujeitos de se associarem com estabilidade e permanência; por outro, denúncias recebidas de forma automática pelo Poder Judiciário, mediante decisões carentes de fundamentação e filtragem responsável quanto à viabilidade da persecução processual penal.

Em outras palavras:

É preciso atenção processual, sem estereótipos, para a distinção, em cada caso, entre o crime de associação para o tráfico, nos termos do art. 35 da Lei 11.343/2006, e a coautoria mais complexa, não podendo a associação ser dada como comprovada por inferência do crime de tráfico perpetrado” (STJ, AREsp n. 2.048.099, rel. Min. Olindo Menezes [Des. Convocado do TRF 1ª Região], Sexta Turma, j. 16/8/2022).

Enfim, naqueles casos onde a acusação deixou de produzir prova além da dúvida razoável sobre o imprescindível dolo de se associar com estabilidade e permanência para a configuração da associação para o tráfico; ainda, quando outras provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos poderiam ter sido produzidas, o que só não ocorreu por inércia do próprio Estado, a absolvição é a solução mais adequada à adjudicação do caso penal.

Tem fiança para associação ao tráfico?

Embora seja pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a tese segundo a qual o delito de associação para o tráfico de drogas não possui natureza hedionda [1], não tem fiança para associação ao tráfico, pois expressamente vedada pelo art. 44, caput, da Lei n. 11.343/2006, observem:

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Qual a pena por associação ao tráfico?

A atual Lei de Drogas prevê qual a pena por associação ao tráfico no preceito secundário do seu art. 35, caput, ou seja, reclusão, de 3 a 10 anos, e pagamento de 700 a 1200 dias-multa.

[1] Jurisprudência em Teses. Edição n. 45: Lei de Drogas I.

Sobre o Autor

Thiago Hygino Knopp é especialista em Criminologia, Direito e Processo Penal (UCAM). Membro da Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal da OAB/RJ. Advogado Criminalista inscrito na OAB/RJ sob o n. 165.680. Contato: e-mail: contato@thiagoknopp.com.br; site: www.thiagoknopp.com.br.

Referências Bibliográficas

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada. 5ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 8ª. Edição. Bahia: Juspodivm, 2020.

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