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30 de Maio de 2024

Pode o Presidente de uma das Casas Legislativas impedir a instalação de uma CPI quando presentes os requisitos constitucionais?

ano passado

Autor: César Dario Mariano da Silva - Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.

Estão sendo colhidas as assinaturas necessárias para a instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito para investigar as circunstâncias da invasão e depredação dos prédios na Praça dos Três Poderes em Brasília, no fatídico dia 08 de janeiro de 2023.

E, realmente, há muito para se investigar, desde seu planejamento, se é que houve, execução, participação e eventuais omissões daqueles que não a poderiam permitir, em todos os setores do poder público, inclusive as circunstâncias das prisões coletivas, que atingiram até mesmo crianças e pessoas que simplesmente passavam pelo local.

Há, portanto, fatos certos e concretos a serem apurados, não só do ponto de vista jurídico, mas também do político, que não deixa de ser uma das funções da CPI, que é presidida e composta por parlamentares.

Tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados, em conjunto ou separadamente, poderão criar as comissões parlamentares de inquérito para a apuração de fato certo e determinado e por prazo certo. Para sua criação, há necessidade do requerimento de um terço dos membros de cada Casa, na hipótese de ser instalada em uma das Casas, ou de um terço dos membros do Congresso, no caso de uma Comissão Parlamentar Mista, e a comissão terá os mesmos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas. A CPI também poderá ser criada pelos Estados e Municípios, devendo ser regulamentada no âmbito do respectivo Poder Legislativo Estadual ou Municipal.

Dispõe o art. 58, § 3º, da Constituição Federal:

"As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores".

As comissões parlamentares de inquérito situam-se dentro do poder de fiscalização atinente ao Poder Legislativo e fazem parte do sistema de freios e contrapesos dos Poderes da República. Elas poderão investigar possíveis atos ilícitos praticados não só pelo Poder Legislativo, mas também pelo Executivo ou Judiciário, bem como outros fatos de interesse público relevante, como ocorreu com a CPI do narcotráfico e do futebol.

As conclusões da CPI e cópia da documentação serão encaminhadas, dentre outros órgãos, ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União para que promovam a competente ação civil ou penal contra quem de direito e adotem providências decorrentes de suas funções institucionais.

As CPIs são importantes meios de investigação, mas não podem extrapolar seus limites constitucionais. Portanto, para que a prova por ela produzida seja eficaz, vários requisitos deverão ser observados. São eles:

1º) A criação de uma CPI depende do requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa (se tramitar em uma das Casas) ou de um terço dos membros do Congresso (se tramitar no âmbito das duas Casas – CPI mista). Sem esse requisito, nem sequer poderá haver a instauração da comissão;

2º) A apuração deverá visar a fatos determinados e concretos, ainda que vários, que tenham relevante interesse para o País. Fatos vagos e imprecisos não podem ser levados em consideração para a instauração da investigação parlamentar, pois implicaria usurpação da função judicial de investigação;

3º) Deverá ser criada com prazo certo de duração, podendo, se houver fundada necessidade, ser prorrogada.

A CPI é regulamentada pela Lei 1.579/1952, que lhe dá amplos poderes de investigação dos fatos que ensejaram a sua criação, podendo determinar diligências, requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar depoimentos de qualquer autoridade, ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar documentos e informações da administração pública direta, indireta ou fundacional, e transportar-se ao local onde se fizer necessária sua presença.

Entretanto, há certos limites que não poderão ser ultrapassados.

A própria Constituição Federal dá à CPI poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Inclusive, o art. , §§ 1º e , da Lei Complementar 105/2001 possibilita à CPI a quebra do sigilo bancário, atendidos alguns requisitos. Contudo, há algumas medidas que somente poderão ser determinadas pelo Judiciário por afrontarem direitos individuais extremamente importantes, ficando dentro da reserva de jurisdição.

Analisando o tema, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a CPI pode determinar fundamentadamente a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico das pessoas investigadas, desde que presentes os mesmos requisitos para a medida se ela fosse decretada judicialmente, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora [1]. Portanto, essas medidas deverão ser fundamentadas, sob pena de serem anuladas pelo Poder Judiciário.

Por outro lado, fica sob a reserva jurisdicional a determinação de interceptação telefônica, busca e apreensão e decretação de prisão cautelar, exceto flagrante delito, medidas essas excepcionais que somente podem ser analisadas pelo Juiz competente.

Em memorável voto sobre os poderes da CPI, assim se manifestou o Ministro Celso de Mello [2]:

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, proteger a integridade do interesse social e, de outro, assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

Nenhum Poder da República está acima da Constituição e seus atos podem ser apreciados pelo Poder Judiciário e, se for o caso, anulados, desde que utilizados abusivamente ou fora dos requisitos determinados pela própria lei.

Com efeito, presentes os requisitos constitucionais, não cabe ao Presidente de qualquer das Casas Legislativas deixar de instalar a CPI. Não se trata de ato discricionário, mas vinculado e obrigatório, não ficando ao seu alvedrio a decisão de instalar, ou não, a CPI ou quando irá fazê-lo. O ato não é político e sim jurídico, pouco importando se irá causar turbulência na política nacional ou se já há investigação criminal em curso.

Compete ao Poder Judiciário fazer valer as normas constitucionais que trazem os requisitos necessários para a instalação da CPI. No caso de estarem preenchidos os requisitos e houver omissão do Presidente de uma das Casas, a Suprema Corte não só pode como deve fazer valer as normas constitucionais, sem que isso importe usurpação da função legislativa ou quebra da separação dos Poderes da República.

Destarte, desde que colhidas as assinaturas necessárias, e como os fatos são certos e concretos, além de suma importância para a nação, deve a Excelsa Corte, desde que provocada por meio de ação judicial, como já o fez anteriormente, determinar a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para a apuração das circunstâncias da invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes da República.


[1] MS 23452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. em 16.09.1999, v.u.

[2] MS 23452/RJ.

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