Propaganda de álcool e tabaco na televisão: falta de razão
Esta é a pergunta central deste artigo: por que a propaganda de tabaco não é permitida na televisão, mas a propaganda de álcool, substância mais maléfica, é?
PROPAGANDA DE TABACO E ÁLCOOL NA TELEVISÃO
Nossa Constituição traduz valores (moral) dos brasileiros. Não é nem puramente normativa, nem puramente valorativa e cultural. É uma mistura de ambas visões (positivistas de um lado e culturalistas ou naturalistas de outro). Assim, temos escrito em nosso texto constitucional, nos artigos 220 a 225, os vetores ou princípios jurídicos e morais da propaganda televisiva no Brasil.
É consabido que a moral transforma-se em Direito. Moral, em muitos dicionários, tem o sentido de “bons costumes” ou “hábitos”. A moral é o comportamento do homus medius em sociedade. Já a Ética diz respeito a um pensamento interno de relacionamento com o outro. A moral forma normas morais no seio da sociedade. Quando se vai a uma igreja e não se tira o chapéu, isto é imoral, pois há uma norma moral reprovando esta conduta. A diferença com o Direito é que esta norma moral se transforma em norma apta a aplicar alguma sanção ao transgressor.
Os juízes têm a seu dispor o art. 4º da LINDB (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro). Não necessitam mais ficar adstritos à fria letra da lei. Podem aplicar em seus julgados a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito (ex.: ninguém é obrigado ao impossível, ninguém pode ser punido por seus pensamentos, ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza, a felicidade de um não afeta a do outro, falar e não provar é o mesmo que não falar, ninguém deve fazer ao próximo o que não quer para si, etc) e tantas outras formas de integração e interpretação.
Os preceitos positivados na Constituição dizem não haver censura no Brasil, exceto quanto à classificação indicativa ou sigilo da fonte, sigilo a bem da intimidade ou indenizações por excessos (danos morais e materiais). Cada país é livre para decidir, soberanamente, se mostrar os pés desnudos é crime ou moralmente reprovável. Já aqui, esta conduta não é nem colhida pelo Direito nem pela moral.
Portanto, o direito de informar não é absoluto, como de há muito já sabemos, conforme interpretação já firmada pelo STF. Nenhum direito é absoluto, nem mesmo as cláusulas pétreas, que podem ceder diante de ditames constitucionais. As demais normas de liberdade de informação constitucionais são conformadas por leis infraconstitucionais.
A questão dolorosa, pois, é a colisão de direitos entre liberdade de informar e direito à saúde.
Estes “direitos” são, em verdade, princípios, pois estão plasmados no texto constitucional como vetores axiológicos. Desta forma, a única saída para o dilema é a aplicação do princípio da proporcionalidade (ponderação de direitos), para sabermos em que medida um princípio deve ceder e o outro se sobressair. Se estivéssemos a tratar de regras (leis), uma simplesmente excluiria a outra em caso de colisão. Mas princípios não podem se excluir mutuamente, devendo ser ponderados e encontrada uma solução para o caso concreto.
Outro ponto interessante: existe, sim, uma pirâmide de princípios. Em seu topo, parece estar o princípio do direito à vida. Logo abaixo, a dignidade da pessoa humana. Parece ser possível uma certa hierarquização de princípios. Temos, então, princípios de informação versus princípio de ser informado corretamente e princípios da saúde e cultura.
O princípio da proporcionalidade para resolver a colisão de princípios não está expresso no texto da Constituição. É implícito e tem 3 etapas de aplicação: a) necessidade; b) adequação; c) proporcionalidade em sentido estrito (justiça e razoabilidade).
A necessidade diz respeito à diminuição de um direito em prol de outro. Verifica-se a necessidade no plano concreto, quando há colisão e tensão humanas. Verifica-se que há necessidade de interromper o conflito.
A adequação diz respeito ao modo de intervenção na propaganda de tabaco e álcool: Uma lei? Um Decreto? O que seria mais adequado?
A proporcionalidade em sentido estrito, a seu turno, diz respeito à harmonização final. É a busca da conciliação final e do justo. Mas o que é o “justo”?
Esta questão é tormentosa: o que é “justo” e "injusto"? São conceitos até hoje não definidos, como "direito", "liberdade" e "amor". Castigar um filho imoderadamente é imoral. Castigar um filho mais do que o outro pela mesma traquinagem de ambos é injusto. Está aí a diferença entre imoral e injutos.
Existe justiça, sim, em uma legislação que tribute mais pesadamente os mais ricos, mas uma lei que diga ser obrigatório levar os filhos à escola é apenas moral.
Pois bem, o art. 220, § 4º, CF assegura restrições à propaganda de tabaco e álcool, expressamente em nome da defesa da família quanto à nocividade de tais produtos e preservação da saúde.
Os princípios constitucionais de proteção à saúde encontram-se dispersos pelo texto constitucional (art. 6º, 7º, 23, 24, 30, 34, 35, 40, 194 a 200, etc).
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A Lei nº 9.294/96, com redação dada pela Lei nº 12.546/11, trata quase que exclusivamente de proibição de propaganda de tabaco, e proíbe sua propaganda na televisão, além da obrigatoriedade de aposição de imagens ilustrativas da nocividade do tabaco nos maços de cigarro.
Mas, aí está a SURPRESA: a lei que completa os preceitos constitucionais não proíbe a propaganda de álcool na televisão. Proíbe-a apenas em estádios de esportes, a venda a menores, venda pela internet e escolas.
O Decreto nº 2.018/96 contém regras mais pormenorizadas que implementam a Lei nº 9.294/96 como, por exemplo, a definição de recintos coletivos, a confirmação da vedação total da propaganda de tabaco e a permissão da propaganda de bebidas alcoólicas pela televisão somente das 21h às 06h.
Ora, a permissão de propaganda do álcool na televisão e proibição da propaganda do tabaco é completamente desarrazoada. A finalidade da lei e dos princípios constitucionais é proteger a saúde, o que se sobressai na aplicação do princípio da proporcionalidade (teleologia da norma).
Assim, a atividade planejadora do Estado para proteger a família e os jovens (art. 174, CF) não está sendo cumprida. Se a finalidade é diminuir acidentes de trânsito, por que permanece a propaganda no intervalo da novela?
A propaganda do álcool, sempre muito bem elaborada e com jovens bonitos, só permanece e não foi restringida por lei infraconstitucional por conta do lobby das cervejarias e empresas afins.
O efeito do alcoolismo é muito mais grave do que o efeito de quem acende um cigarro. Chega-se a matar quando se está embriagado. E a propaganda continua solta!
Não é demais pensarmos que se estimula o consumo de álcool e se desestimula o consumo de tabaco.
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O tabaco não causa os mesmos males que o álcool. A longo prazo, pode-se sentir os malefícios do tabaco. A curtíssimo prazo (3 copos de cerveja ou whisky), já são sentidos males individuais e que também atingem a sociedade.
O art. 221 da CF claramente expõe especificamente os princípios da propaganda na televisão: a) preferência a finalidade educativa, cultural e informativa; b) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.]
Ora, a lei deve ter uma finalildade no conturbado mundo moderno. Caso contrário, torna-se letra morta e ergue-se o costume contra legem.
Onde está a razoabilidade no banimento de uma propaganda na televisão e não da outra? Nós estamos sendo adequadamente informados da barbaridade dos malefícios do álcool e das consequencias nefastas de sua propaganda diária na televisão? Existe lei conformadora da CF para nos proteger da propaganda do álcool na televisão? Existe razão para banirmos a propaganda de cigarros e mantermos a propaganda de cervejas e afins?
Creio que a resposta para todas as perguntas acima é não.
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