Página 335 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 16 de Fevereiro de 2016

164322/SP)

Processo 006XXXX-51.2012.8.26.0100 - Ação Civil Pública - Obrigação de Fazer / Não Fazer - Google Brasil Internet Ltda -VISTOS. Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA movida por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. em que pretende, em síntese, que a requerida passe a exigir documentação idônea de todos aqueles que já contrataram ou que venham a contratar anúncios (“Adwords”) com oferecimento de crédito, comprovando-se a autorização do Banco Central como instituição financeira, bem como a retirada imediata de links ou informações quando demonstrado o caráter ilícito. Propugna também indenização por danos patrimoniais e morais causados a todos os prejudicados, bem como a condenação da requerida a dar publicidade da sentença. Sustenta, em resumo, que a ré oferece aos usuários, mediante contratação e remuneração, negócio jurídico denominado “Adwords” que, segundo a exordial, permite a divulgação, na página de ferramentas de busca da requerido, de anúncios relacionados às palavras-chaves usadas pelo internauta na busca realizada. Ocorre que a falta de controle no negócio jurídico, por meio da ferramenta Adwords, acabou estimulando a prática de condutas ilícitas contra os consumidores. Segundo o apurado em inquérito civil, terceiros contratam a ferramenta Adwords, veiculando a oferta de empréstimo em dinheiro sem burocracia, como se fosse instituição financeira, condicionando a sua liberação ao pagamento antecipado de “seguro fiança”, configurando, assim sendo, o ato criminoso. Juntou documentos (fl. 23/321). Por força da decisão de fl. 322 foi indeferida a tutela de urgência (fl. 322). Negado provimento ao agravo de instrumento (fl. 378/386). O réu apresentou contestação, arguindo, em preliminar, violação ao disposto no art. 129, III, da Constituição Federal, já que a instauração do inquérito civil ocorreu com base em denúncia de uma única empresa, não existindo interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Sustenta também a ausência de interesse de agir, já que a retirada de informação de uma ferramenta de busca não é capaz de remover o conteúdo ilícito. Propugna o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido de remoção dos links patrocinados, por violação ao disposto no § 1º, do art. 19, da Lei. 12.965/2014. No mérito sustenta que a relação entre o Google e os anunciantes é regida pelas normas de direito privado, que não há comprovação de prejuízos a coletividade. Informa que a empresa, para o aperfeiçoamento do negócio jurídico, promove às exigências discriminadas às fl. 407/408. E se o anúncio publicitário não atender as exigências mencionadas, a requerida adota as seguintes medidas contratuais: i) reprovação do anúncio; ii) desativação de domínio; iii) suspensão da conta. Sustenta ainda não ser necessária a autorização do Banco Central, nos termos das resoluções n.º 3110 e 3.156 de 2003, para as operações comerciais de empresais qualificadas como correspondentes bancários. Ainda, sustenta a ausência dos elementos configuradores da responsabilidade civil. Juntou documentos (fl. 418/423) Réplica às fl. 445/469. As partes propugnaram o julgamento do processo no estado em que se encontra (fl. 463 e 465/466). O Ministério Público apresentou novos documentos, seguindo-se da manifestação da parte contrária. Relatado o necessário, DECIDO. A matéria controvertida é essencialmente de direito e não há necessidade de produção de outras provas, conforme, aliás, alardeado pelas partes. Assim sendo, passo ao julgamento do processo no estado em que se encontra, nos termos do art. 330, I do Código de Processo Civil. Convém tecer de saída breves considerações sobre a matéria em exame, sobremaneira no que concerne às regras e princípios aplicáveis no caso em apreço. Observo que a Lei 12.965/2014, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet, sancionada posteriormente a propositura desta ação civil pública (em 23.04.2014), trouxe em seu conteúdo regras e princípios voltados a assegurar direitos potestativos e normas de condutas (dever ser kelseniano) entre usuários, provedores e demais atores identificados no art. , do referido diploma. É de conhecimento público que o vazio normativo (leia-se infraconstitucional), até a vigência do referido diploma legal, era sanado pela exegese direta das normas previstas na Carta de Direitos de 1988, e/ou a aplicação direta dos dispositivos previstos em legislações especiais (v.g. Código de Defesa do Consumidor; Lei 9.610/98...), normas estas que, em sua essência, no entanto, não tinham o condão de prover integralmente disciplina mínima e adequada em casos de conflitos de interesses, antinomia de regras, e tensão entre direitos subjetivos dos usuários e provedores da Internet. E, neste sentido, o novo arcabouço normativo, além de introjetar conceitos normativos de matérias importantes relacionadas ao uso da Internet no Brasil, reproduziu desde logo, em seu capítulo inicial (arts. 1º a 6º), os princípios, direitos e deveres para a disciplina adequada, bem como consolidou a pedra de toque da Lei 12.965 de 2014, traduzida no respeito à liberdade de expressão, bem como o reconhecimento: i) da escala mundial da rede; ii) dos direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; iii) da pluralidade e a diversidade; iv) da abertura e a colaboração; v) da livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; vi) da finalidade social da rede; vii) daproteção da privacidade; viii) da proteção dos dados pessoais, na forma da lei; ix) da preservação e garantia da neutralidade de rede, dentre outros. Outrossim, não passou despercebido ao legislador a necessária disciplina normativa relacionada a “Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros”, sobremaneira com relação aos provedores de conteúdo (no caso do Google), que nos interesse nesta lide, conforme leitura dos arts. 18 a 21, da Lei 12.965/2014, devendo prevalecer, ao menos no plano do direito material, em detrimento de outras legislações protetivas (leia-se Código de Defesa do Consumidor), em razão do princípio normativo da especialidade, conforme reza, aliás, o § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (nomenclatura alterada pela Lei 12.376 de 2010). Feitas estas considerações preliminares, passo a apreciar as preliminares arguidas em contestação. Afasto a preliminar relacionada a pretensa ilegitimidade ativa “ad causam” do Ministério Público, lastreada na suposta ausência de bem jurídico relacionado a direito difuso, coletivo, ou individual homogêneo. A uma porque o art. 30, da Lei 12.965 de 2014 prescreve que a “A defesa dos interesses e dos direitos estabelecidos nesta Lei poderá ser exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma da lei”. A mens legis faz menção indireta, portanto, a ação civil pública, instrumento processual ao exercício da defesa coletiva dos direitos assegurados na Lei do Marco Civil. A duas porque a pretensão do órgão ministerial não está vinculada a defesa da empresa que desencadeou a persecução no inquérito civil (e nem poderia), mas, antes, além do pedido cominatório que compreende, de forma induvidosa, a tutela de interesses difusos (com benefício, ao menos no campo abstrato, a uma gama de usuários que tenham acesso ao anúncio publicitário), propugna-se também a indenização dos prejuízos causados a um indeterminado número de pessoas (interesses individuais homogêneos), sedizentes vítimas do engodo. Sendo assim, não há violação ao disposto no inciso III, do art. 129, da Constituição Federal de 1988. Também não há que se cogitar da ausência de interesse de agir. Isto porque a via eleita é adequada e a prestação jurisdicional não é inútil, já que, conquanto a exigência da documentação idônea, ou remoção dos links patrocinados, não tenha força, por si só, de obstar a empreitada criminosa, a pretensão exordial é, ao menos no campo abstrato, medida alvissareira ao combate ao ilícito, reduzindo substancialmente os efeitos do ato criminoso, já que a ferramenta de busca da ré constitui quando menos importante instrumento de localização e pesquisa por parte dos usuários, importando, por corolário lógico, em redução de acesso (pelos usuários) aos anúncios publicitários fraudulentos. Todavia, aqui cabe uma observação afeta ao mérito, e não as condições válidas da ação. Incumbe, sim, ao Ministério Público promover às medidas necessárias contra os agentes responsáveis pelos patrocínios de anúncios fraudulentos ou em desconformidade com o ordenamento jurídico vigente, pouco importando, neste aspecto, a divisão de atribuições internas do órgão ministerial (ex vi § 1º, do art. 127, da CF/88) ou a “demorada” persecução criminal, conforme justificativa apresentada em réplica. A responsabilidade civil dos provedores de conteúdo da Internet foi bem delineada pelo legislador na Lei 12.965 de 2014, órgão soberano no Estado de Direito, e será oportunamente apreciada no capítulo próprio (mérito) desta sentença. Por

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar