Página 176 da Judicial I - Interior SP e MS do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 12 de Junho de 2017

PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA DAS F. 440-442 PARA CO-RÉ BANCO SANTANDER (BRASIL) SA:A União (PGFN) ingressou coma presente ação de procedimento comumcontra a Unimed de Ribeirão Preto Cooperativa de Trabalho Médico e o Banco Santander (Brasil) S. A., objetivando a anulação ou declaração de que não lhe é oponível a alienação registrada emR.8/143077 da matrícula 143.077 do Segundo Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, combase nos argumentos da inicial, que veio instruída pelos documentos das fls. 6-99.A decisão da fl. 101 determinou a citação dos réus, que apresentaramas contestações das fls. 115-132 (Unimed) e 333-362 (Santander), sobre as quais a autora se manifestou nas fls. 399-403. O despacho da fl. 397 determinou a intimação das partes para se manifestareminclusive quanto à necessidade de dilação probatória e elas se mantiveramemsilêncio quanto a isso (fls. 399-403, 438 e 439).Relatei o que é suficiente. Emseguida, decido.Preliminarmente, decreto o segredo nos presentes autos, acolhendo o requerimento da Unimed emtal sentido (fls. 117-118 e item1 da fl. 131).Emseguida, rejeito a alegação de perda do objeto feita pela mesma ré (fls. 118-119), pois as razões utilizadas para a postulação emtal sentido se confundemcomo mérito da demanda.Rejeito igualmente a alegação de falta de interesse de agir, trazida pela defesa do Santander (fls. 337-340), porquanto tambémse encontra fundada emtema meritório.O mesmo Santander, ainda em preliminar, deduz impugnação ao valor da causa, que indefiro, pois o objetivo final e específico da presente ação é o de assegurar que o imóvel permaneça como garantia genérica dos débitos descritos na inicial, e não desfazer o negócio jurídico emsi.No mérito, cuida-se de ação visando a assegurar a anulação ou declaração de que não é oponível à autora a alienação registrada emR.8/143077 da matrícula 143.077 do Segundo Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, realizada da ré Unimed para o réu Santander, mediante operação levada a registro no dia 9.2.2015 (fls. 27-27 verso).O pedido busca fundamento na alegação de que a alienação implicou a insuficiência de bens para fazer frente aos créditos tributários no valor de quase 150 milhões de reais, materializados nas inscrições emDAU 80215006069-31, 80615062994-01, 80615062995-84 e

80715011238-41, que são objetos de duas execuções fiscais emtrâmite (autos nº 0009563-98.2XXX.403.6XX2 e nº 009564-83.2XXX.403.6XX2), ajuizadas em27.10.2015, emdecorrência de inscrições emDAU ocorridas no dia 30.7.2015. Afirma-se ainda na inicial que parte substancial dos débitos consta do PA 10840.001629/2006-22, nos qual a Unimed foi intimada da última decisão em17.7.2014. Ademais, a vestibular sustenta que os débitos levaramao arrolamento nos autos administrativos nº 15956.000442/2008-08, que foi levado a registro antes do negócio celebrado entre os réus.A Unimed alega que o bemfoi penhorado na execução fiscal correspondente aos autos nº 009564-83.2XXX.403.6XX2 e que não teria havido fraude nemconsiliumfraudis. O Santander sustenta que o negócio foi anterior ao surgimento de dívida exigível, que não houve fraude, que os débitos são objeto de parcelamento comas prestações pagas emdia, que a propriedade é resolúvel (por se tratar de alienação fiduciária) e que o negócio foi celebrado de bo -fé.Antes da análise específica do caso concreto, é importante considerar que, apesar das similitudes existentes, o caso dos autos não deve ser confundido coma hipótese descrita que trata de fraude de execução. Esse instituto de direito processual resta caracterizado na hipótese emque o devedor, na existência de ação condenatória ou executiva emcurso, se desfaz de bens de forma a tornar inútil o resultado do processo. Tendo emvista que tal espécie de comportamento não se limita a frustrar o interesse do credor, inclusive no que se relaciona ao bemalienado, mas, também, obstaculiza a atividade judicial, a solução admitida pelo ordenamento prescinde do ajuizamento de ação. Com efeito, a fraude de execução pode ser reconhecida por simples requerimento incidental nos autos, e a decisão que a reconhece afasta do credor a eficácia da alienação.Vale notar que o art. 185 do Código Tributário Nacional, tanto na sua redação original quanto naquela resultante da alteração promovida pela Lei Complementar nº 118-05, veicula norma que presume a fraude de execução na alienação de bens pelo devedor, desde que ele não tenha reservado bens suficientes para garantir o pagamento do crédito tributário. A mencionada alteração legislativa modificou o momento emque a alienação gera a referida presunção. A redação original previa a existência da ação de execução fiscal, enquanto a alteração retroagiu o momento para a inscrição emDívida Ativa.Ora, no caso dos autos, a alienação dos bens foi realizada anteriormente à inscrição do débito emDívida Ativa da União. Logo, não incidemno caso dos autos os preceitos processuais de fraude de execução constantes do ordenamento.O caso reclama, na verdade, a incidência dos preceitos de direito material constantes do Código Civil que tratamda fraude contra credores. Esse evento foi definido como umvício do negócio jurídico, tanto no Código de 1916 (art. 106 a 113) como no de 2002 (arts. 158 a 165), e resta caracterizado sempre que da alienação de bens, pelo devedor, resultar insuficiência para a garantia das dívidas existentes na época da alienação. Note-se que insuficiência não quer dizer a não existência de bens remanescentes, mas quer dizer, apenas, que o patrimônio passivo tornou-se maior que o ativo.A possibilidade de reconhecimento da fraude contra credores decorre do princípio geral de que o patrimônio do devedor constitui garantia comume geral dos respectivos credores, que dispensamgarantias especiais, porque pressupõemque aquele age de boa fé ao contrair suas dívidas. Vale ainda lembrar que os Códigos Civis citados, ao incluírema fraude contra credores no âmbito dos vícios do negócio jurídico, recomendamque a alienação assimfraudulenta seja desconstituída (anulada). Ocorre, todavia, que a doutrina mais recente recomenda que a solução mais adequada é a declaração da ausência de eficácia do negócio. Nesse sentido, Sílvio Venosa indica que a real finalidade da ação é tornar o ato ou negócio ineficaz, proporcionando que o bemalienado retorne à massa patrimonial do devedor (Direito Civil, 7ª edição, Atlas, p. 420).A jurisprudência mais autorizada alinha-se ao sentir da doutrina, ao ponderar que a ação pauliana não conduz a uma sentença anulatória do negócio, mas simà de retirada parcial de sua eficácia, emrelação a determinados credores, permitindo-lhes excutir os bens que forammaliciosamente alienados, restabelecendo sobre eles, não a propriedade do alienante, mas a responsabilidade por suas dívidas (STJ. Primeira Turma. REsp nº 506.312. DJ de 31.8.06, p. 198).O celebrado jurista acima citado, coma clareza que lhe é peculiar, indica os três elementos configuradores da fraude contra credores: a anterioridade do crédito, o eventus damni e o consiliumfraudis (op. cit., p. 424). O primeiro elemento era previsto pelo parágrafo único do art. 106 do Código Civil e consta do 2º do art. 158 do diploma atualmente emvigor. Consiste emque somente são considerados passíveis de lesão os créditos já existentes na data da alienação fraudulenta. O segundo elemento é o evento danoso, que consiste no depauperamento patrimonial que leve o devedor à insolvência no sentido já apontado acima (mera insuficiência do patrimônio ativo para fazer frente às dívidas pendentes na época da alienação fraudulenta, e não a inexistência desse patrimônio).O terceiro elemento era previsto pelo art. 107 do Código Civil de 1916 e consta do art. 159 do Código Civil emvigor. Trata-se de elemento subjetivo que dispensa a intenção precípua de prejudicar, bastando a existência da fraude e o conhecimento dos danos resultantes da prática do ato (Sílvio Venosa, op. cit., p. 426). Esse elemento decorre da notoriedade do estado de insolvência ou da existência de motivo para que esse estado seja conhecido pelo contratante destinatário do bemalienado pelo devedor.O mencionado doutrinador expressa, ainda, que a intenção de prejudicar tambémnão é requisito da caracterização da fraude contra credores e da ação visando a obstar a eficácia do ato. Se a intenção fosse erigida emrequisito para a ação, ela estaria frustrada, porque muito difícil é o exame do foro íntimo do indivíduo. O requisito está, por conseguinte, na previsibilidade do prejuízo (op. cit., p. 427).Salienta, ademais, que quemcompra de bemde agente insolvente, ou emvias de se tornar tal, deve prever que esse ato pode lesar credores. Não lhe é lícito ignorar que a lei proíbe a aquisição nessas circunstâncias, na proteção dos respectivos credores. Esse é o princípio legal (idem).Lembra, emseguida, que o erro de fato aproveita ao terceiro adquirente se provar que a insolvência não era notória e que não possuía motivos para conhecê-la. Mas a prova lhe compete. Quanto ao próprio devedor, a fraude, nessas circunstâncias, é presumida (ibidem).Convémainda observar que o terceiro adquirente (...) pode ser chamado à relação processual emdiversas hipóteses, desde que se constate conluio ou sua má-fé. Esta existirá sempre que a insolvência for notória ou sempre que esse terceiro tiver motivos para conhecê-la (idem, p. 429).No caso dos autos, resta suficientemente demonstrado que no dia 17.2.2009 foi levado a registro na matrícula nº 8.848 do 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto (fl. 25) o arrolamento de bens da Unimed realizado nos autos administrativos nº 15956.000442/2008-08. Por sua vez, a certidão das fls. 323-325 evidencia que o imóvel da matrícula nº 143.077 do Segundo Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, que é o objeto da presente ação, resultou de desdobro do imóvel da matrícula nº 8.848, que foi acima referido. Por esse motivo, consta da certidão que o ônus do arrolamento foi transportado para a matrícula nº 143.077. Esse transporte ocorreu no dia 27.6.2012.Por outro lado, o documento da fl. 255, expedido pela Receita Federal do Brasil, afirma que os débitos de tributos federais da Unimed, no dia 16 de julho de 2013, chegavamao total de R$ XXX.567.1XX,27 (duzentos e setenta e três milhões quinhentos e sessenta e sete mil cento e quarenta e oito reais e vinte e sete centavos). No entanto, o relatório consolidado da fl. 278 destes autos, expedido pela Receita Federal do Brasil, informa que os créditos passíveis de arrolamento totalizamo valor de R$ 59.922.159,51 (cinquenta e nove milhões novecentos e vinte e dois mil cento e cinquenta e nove reais e cinquenta e umcentavos).O laudo das fls. 292-325 avaliou o imóvel objeto dos presentes autos (matrícula nº 143.077 do Segundo Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto) emR$ XXX.889.7XX,17 (cento e trinta e três milhões oitocentos e oitenta e nove mil setecentos e cinco reais e dezessete centavos), ou seja, menos do que a metade do valor da dívida tributária descrita (o total). A certidão das fls. 232-235 descreve que, no dia 7.8.2012, a Unimed alienou fiduciariamente o imóvel para o outro réu (Santander) pelo valor de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), ou seja, valor declarado sensivelmente inferior ao da avaliação realizada pelo perito extrajudicial. Para efeitos de público leilão, foi atribuído ao imóvel o valor de R$ 8.015.000,00 (fl. 324), ou seja, ainda mais inferior ao total das dívidas da alienante.Vale dizer, emsuma, que o adquirente conhecia o potencial estado de insolvência da alienante no momento emque foi realizada a alienação imobiliária, principalmente porque a prenotação do arrolamento ocorreu anos antes do negócio jurídico. Não se trata obviamente de fraude, mas da assunção do risco de forma consciente. Risco de que o bemadquirido possa servir de garantia para as dívidas tributárias não quitadas anteriores ao negócio. O risco consciente assumido pelo adquirente torna prescindível a existência de fraude, mesmo se considerarmos que a alienação tenha sido feita por menos de umquarto do valor da avaliação pericial. A suspensão de exigibilidade por recursos administrativos, demandas judiciais ou parcelamentos não desconstitui a regra geral de que pelo inadimplemento das obrigações respondemtodos os bens do devedor (Código Civil, art. 391). Recursos administrativos podemser infrutíferos, decisões judiciais suspensivas podemser revertidas e parcelamentos podem deixar de ser honrados. Por isso essas situações reversíveis não podemde nenhuma forma ser admitidas como meios de retirar do patrimônio positivo os bens que constituema garantia geral de satisfação das dívidas.Destaque-se, emseguida, que, até o presente, o primeiro réu não demonstrou ostentar patrimônio positivo suficiente para garantir os créditos tributários da autora. Vale lembrar a histórica orientação jurisprudencial no sentido de que, na ação pauliana, cabe ao devedor alienante provar a própria solvência (STF: RE nº 71.638. STJ: REsp nº 31.366 e REsp nº 2.256), e isso não ocorreu no caso dos autos. Ressalto que não houve qualquer requerimento do polo passivo no sentido de demonstrar que os outros bens da devedora alienante são suficientes para garantir as obrigações perante o Fisco federal, mesmo que admitida a veracidade das alegações no sentido de que as mesmas teriamsido reduzidas por decisões tomadas nos âmbitos administrativo e judicial.O fato de que o bemtenha sido penhorado emexecução fiscal não retira a plausibilidade do entendimento de que seja necessária a persistência da sua função como garantia geral dos débitos da alienante, mormente porque sequer foi alegado (e muito menos demonstrado) que todas as dívidas foramajuizadas e estão garantidas de forma específica pelo imóvel no juízo especializado.Ademais, reitero que o eventual parcelamento de débitos não descaracteriza a responsabilidade patrimonial, mas se limita a suspender a exigibilidade das obrigações. Caso fosse admitida a desvinculação da responsabilidade patrimonial por meio de parcelamento, surgiria a oportunidade de que adesões a essa modalidade de cumprimento diferido de obrigações servissem de meio para o esvaziamento patrimonial. Ante o exposto, julgo procedente o pedido da inicial, para declarar ineficaz a alienação realizada pela ré Unimed de Ribeirão Preto Cooperativa de Trabalho Médico ao réu Banco Santander (Brasil) S. A. do imóvel registrada emR.8/143077 da matrícula 143.077 do Segundo Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, relativamente aos créditos existentes e tenhamsido objeto de lançamento originário anterior ao registro do arrolamento identificado nesta sentença, independentemente de eventual suspensão de exigibilidade por qualquer meio. Condeno os réus ao pagamento pro rata das custas processuais (definitivo) e de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor da causa. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Depois do trânsito, oficie-se para que seja prenotada a ineficácia reconhecida nesta sentença.

Expediente Nº 4623

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