Página 499 do Diário de Justiça do Estado do Maranhão (DJMA) de 15 de Outubro de 2019

requerimento. A denúncia foi recebida ao dia 16 de outubro de 2015 (fl. 330).Citada por edital (fl. 343), pois em local incerto e não sabido (fls. 339/340), a ré não se manifestou, razão pela qual o representante do órgão ministerial pugnou pela suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP (fls. 351/352). A acusada compareceu em juízo por meio de seus advogados constituídos para apresentar defesa, limitando-se a declarar que a denúncia não procede e que provará a alegação oportunamente. Arrolou testemunhas (fl. 354). Instrução levada a efeito com a oitiva das testemunhas Mariano Paulista Azevedo Neto, Manoel de Conceição Araújo, Conceição de Maria Sousa (fl. 378). Ausente a acusada. Mídia eletrônica com todos os depoimentos gravados em audiência à fl. 382. Em que pese a realização de nova audiência de instrução para interrogar a ré, esta não compareceu (fl. 401), razão pela qual foi decretada sua revelia. Na ocasião, o Ministério Público apresentou alegações finais orais ratificando todos os termos da denúncia e requerendo a condenação da acusada. Mídia eletrônica à fl. 403.Às fls. 407/428, alegações finais da defesa suscitando a nulidade da audiência de instrução e julgamento, pois, mesmo não tendo sido intimada a ré para o ato, esta compareceu, mas não procedeu-se ao seu interrogatório. No mérito, alega inépcia da denúncia, ausência de judicialização das provas, produzidas exclusivamente na fase inquisitorial, insuficiência probatória a ensejar uma condenação e, por fim, que na audiência foi requerida pela defesa a suspensão do processo, ante o pagamento dos débitos com os consumidores. Juntou documentos às fls. 429/432.É o relatório. Decido. Inicialmente, cumpre destacar que o Ministério Público Estadual requereu a condenação da ré às penas do art. , VII, da Lei nº 8.137/90 e do art. 171 do CP, nos termos da denúncia. Ocorre que, da narrativa dos autos, se extrai a suposta prática do delito previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/86. Isto porque, de acordo com os contratos que instruem o inquérito policial (fls. 09/12, 17/20, 24/25, 29/29-v, 36/37-v, 42/45, 53/55, 76/78, 91, 95/98, 102/103, 109, 113/114, 118/119, 123, 127/130, 138/139, 145, 150, 154/157, 161/162, 166/170, 176, 180/182, 185/186, 194, 198/199, 210/211, 216/217, 223, 226, 231/234, 237/238 e 248/249), revelam-se negócios com todos os contornos de consórcio (formação de grupos, financiamento em prazo certo, sorteio, entre outros), exceto pela dispensa do participante, a partir de quando sorteado, do pagamento das prestações remanescentes.Essa operação restou conhecida como "venda premiada" ou "compra premiada", sendo definida pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda da seguinte forma: A ’Venda Premiada", ou outra denominação adotada, consiste em operações em que empresas atraem consumidores, com a promessa de adquirir um bem móvel, como motocicletas, com a formação de grupos de participantes que pagariam parcelas mensais e concorrem em sorteios pelo bem objeto do contrato. Quando sorteado, o contemplado ficaria exonerado da obrigação de pagar as demais parcelas e o outro consumidor seria inserido no grupo. Essas operações não apresentam viabilidade financeira e a exigência de substituição da pessoa contemplada por outro consumidor caracteriza a fraude conhecida como"Pirâmide".# A matéria foi objeto de discussão em instâncias inferiores e no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que firmou o entendimento de que essa conduta configura uma modalidade de consórcio não autorizado pelo Banco Central, a perfazer a conduta prevista no art. 16 da Lei nº 7.492/86. Nesse sentido o julgado do Supremo Tribunal Federal: CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - CONSÓRCIO. De acordo com os artigos 1º, parágrafo único e inciso I, e art. 16 da Lei nº 7.492/86, consubstanciam crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a formação e o funcionamento de consórcio à margem de balizamento legal, de instrução do Banco Central do Brasil. (.) STF. 1ª Turma. RHC 84182, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 24/08/2004. O caso concreto se amolda perfeitamente a conduta descrita acima, de modo a configurar crime contra a ordem financeira, de competência da Justiça Federal, com fundamento no art. 109 da Constituição Federal e no art. 26 da Lei nº 7.492/86, que assim dispõem: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; [.]Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal. Com efeito, em recente decisão a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (CC nº. 160.077/PA, relator o ministro JOEL ILAN PACIORNIK - DJe 19/10/2018) decidiu nesse sentido, a ver:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA ESTADUAL E A JUSTIÇA FEDERAL. INQUÉRITO POLICIAL. VENDA PREMIADA. CAPTAÇÃO DE RECURSOS DE TERCEIROS. EQUIPARAÇÃO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL. CARACTERIZAÇÃO, EM TESE, DO DELITO DESCRITO NO ART. 16 DA LEI N. 7.492/86. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O presente conflito negativo de competência deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado entre juízos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105, inciso I, alínea d da Constituição Federal - CF. 2. O núcleo da controvérsia consiste em definir se a"venda premiada"de motocicletas pode ser considerada uma simulação de consórcio de forma que a conduta descrita na denúncia possa se subsumir em tipos penais incriminadores descritos na Lei n. 7492/86, dentre eles, o crime tipificado no art. 16, consistente em operar instituição financeira, sem a devida autorização. Em outras palavras, discute-se se teria havido, em tese, prática de estelionato - tendo como vítima exclusivamente particulares - ou a prática de crime que afeta o sistema financeiro. 3. A venda premiada - ainda que levada a efeito sem autorização do Banco Central do Brasil e mesmo não caracterizando um consórcio puro - trata-se se um simulacro de consórcio, que capta e administra recursos de terceiros, de modo a se enquadrar no tipo penal previsto do art. 16 da Lei n. 7492/86. O fato de o indivíduo contemplado não precisar mais arcar com prestações demonstra apenas o alto risco do negócio, diante da possibilidade de não se conseguir o ingresso de outra pessoa para sustentar a viabilidade de aquisição dos bens. 4. Ademais, ainda que não haja identidade perfeita entre a venda premiada e o consórcio, é evidente de que não se trata de venda comum, na medida em que a pessoa jurídica capta recursos de terceiros, podendo, portanto, ser considerada instituição financeira a teor do art. 1º da Lei n. 7.492/06. Precedente (RHC 50.101/BA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 27/11/2015). 5. No caso concreto, está caracterizado, em tese, crime contra o sistema financeiro, cuja análise e julgamento compete à Justiça Federal, tendo em vista que, conforme apurado no inquérito policial, pessoa jurídica teria captado recursos de terceiros, sem autorização da autoridade competente, em atividade temerária diante da dificuldade de contemplação do sorteado na chamada venda premiada. 6. Conflito de competência conhecido para declarar que compete ao Juízo Federal da Vara Única de Redenção - SJ/PA, o suscitante. (CC 160.077/PA, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 19/10/2018). Concluo, portanto, que a competência para processar e julgar a causa é da Justiça Federal. Ante o exposto, DECLINO DA COMPETÊNCIA para o processamento e julgamento do suposto crime capitulado no art. 16 da Lei nº 7.492/86, DETERMINANDO A REMESSA dos autos à Justiça Federal, Seção Judiciária do Maranhão.Intimem-se. Após transcurso do prazo recursal, não havendo insurgência das partes, remetam-se os autos, com baixa na distribuição.São Luís/MA, 07 de outubro de 2019.RAUL JOSÉ DUARTE GOULART JÚNIORJuiz de Direito Auxiliar de Entrância FinalRespondendo pela 8ª Vara Criminal Resp: 193524

Processo: 10884-42.2017.8.10.001(143332017)

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