regime democrático. No entanto, o ordenamento jurídico permite, de outro lado, embora de maneira excepcional, cautelosa, e de maneira a gerar a menor restrição possível, análise jurisdicional (artigo 5º, XXXV, CF) sobre eventuais abusos em tal exercício, a exemplo de notícias que, sem base factual idônea, possam gerar danos a direitos da personalidade de terceiros, também estes erigidos ao status de direitos fundamentais resguardados por cláusula pétrea (artigo 5º, V e X, da Constituição da República), podendo ser determinada inclusive a indisponibilidade do conteúdo, nos termos do artigo 19, caput e §§, da Lei nº 12.965/14. No caso dos autos, em análise perfunctória, observase que a publicação da requerida em sua rede social Facebook noticia eventuais irregularidades na cobrança de água em sua residência, imputando à Autarquia Municipal responsável pela cobrança eventual tendência ao financiamento da campanha eleitoral do seu ex diretor, ora candidato à Prefeitura. Prima facie, não há elementos de convicção hábeis a levar este Juízo à determinação liminar de exclusão do post, ultrapassando o direito à liberdade de expressão consagrado constitucionalmente, vez que para comprovação da veracidade ou não da publicação seria necessária dilação probatória, o que, se de fato caracterizado, levará à condenação da requerida em indenização em favor da autora. Não fosse apenas isso, o autor é autarquia municipal que lida com serviço público e, portanto, detém caráter público, sujeito à fiscalização de todas as searas, conforme orienta o Ministro Gilmar Mendes, no HC n.º 78.426, ao asseverar que “define tópicos que hão de balizar o complexo de ponderação, fixandose que OS HOMENS PÚBLICOS ESTÃO SUBMETIDOS À EXPOSIÇÃO DE SUA VIDA E DE SUA PERSONALIDADE E, POR CONSEGUINTE, ESTÃO OBRIGADOS A TOLERAR CRÍTICAS QUE, PARA O HOMEM COMUM, PODERIAM SIGNIFICAR UMA SÉRIA LESÃO À HONRA. Todavia, essa orientação, segundo o Supremo Tribunal Federal, não outorga ao crítico um bill de idoneidade, especialmente quando imputa a prática de atos concretos que resvalam para o âmbito da criminalidade“. – grifouse. A este respeito, colhase, nesse sentido, o seguinte trecho do voto do e. Ministro Celso de Mello, no julgamento da paradigmática ADPF 130/DF, que se refere à liberdade de imprensa, face da liberdade de expressão, e aplicável à espécie: A CRÍTICA JORNALÍSTICA, DESSE MODO, TRADUZ DIREITO IMPREGNADO DE QUALIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL, PLENAMENTE OPONÍVEL AOS QUE EXERCEM QUALQUER PARCELA DE AUTORIDADE NO ÂMBITO DO ESTADO, POIS O INTERESSE SOCIAL, FUNDADO NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS LIMITES ÉTICO JURÍDICOS QUE DEVEM PAUTAR A PRÁTICA DA FUNÇÃO PÚBLICA, SOBREPÕESE A EVENTUAIS SUSCETIBILIDADES QUE POSSAM REVELAR OS DETENTORES DO PODER. Uma vez dela ausente o “animus injuriandi vel diffamandi ”, (...) a crítica que os meios de comunicação dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do Estado, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade. (...) VÊSE, POIS, QUE A CRÍTICA JORNALÍSTICA, QUANDO INSPIRADA PELO INTERESSE PÚBLICO, NÃO IMPORTANDO A ACRIMÔNIA E A CONTUNDÊNCIA DA OPINIÃO MANIFESTADA, AINDA MAIS QUANDO DIRIGIDA A FIGURAS PÚBLICAS, COM ALTO GRAU DE RESPONSABILIDADE NA CONDUÇÃO DOS NEGÓCIOS DO ESTADO, NÃO TRADUZ NEM SE REDUZ, EM SUA EXPRESSÃO CONCRETA, À DIMENSÃO DE ABUSO DA LIBERDADE DE IMPRENSA, NÃO SE REVELANDO SUSCETÍVEL, POR ISSO MESMO, EM SITUAÇÕES DE CARÁTER ORDINÁRIO, À POSSIBILIDADE DE SOFRER QUALQUER REPRESSÃO ESTATAL OU DE SE EXPOR A QUALQUER REAÇÃO HOSTIL DO ORDENAMENTO POSITIVO (...). Com efeito, a pedra de toque para aferirse LEGITIMIDADE NA CRÍTICA JORNALÍSTICA É O INTERESSE PÚBLICO, OBSERVADA A RAZOABILIDADE DOS MEIOS E FORMAS DE DIVULGAÇÃO DA NOTÍCIA. No caso concreto, o interesse público mostrase extreme de dúvidas, porquanto ao reverso do que pretendeu demonstrar o autor a matéria jornalística não revela qualquer ânimo de injuriar ou difamar a pessoa em si, mas, essencialmente, de dar publicidade acerca de desvios de conduta perpetrados por agente público. (...) ”. –destacouse. Ora, evidente o debate público estabelecido em torno da questão sub judicie (eventual irregularidade na prestação de serviço público), debate este saudável, devendo ser orientado apenas pela razoabilidade de termos, urbanidade e proibição do anonimato, constitucionalmente vedado. Com feito, retirar de circulação a publicação objurgada e proibir a discussão acerca do tema constituiria censura indevida ao direito de expressão e, portanto, ataque nefasto ao Estado Democrático de Direito, estabelecido na Constituição da República de 1988 após anos e anos de escuridão da ditadura, razão pela qual o indeferimento da pretensão de urgência concernente na exclusão da publicação é medida que se impõe. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL. ABUSO DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO. AUSENTE. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. RETIRADA DA MATÉRIA. IMPROCEDÊNCIA. 1. No julgamento da ADPF nº 130 (Rel. Ministro Carlos Britto), o Supremo Tribunal Federal, em interpretação ao art. 220 da Constituição Federal, confrontado ao art. 5º da Carta, já decidira que os direitos de personalidade relacionados à plena liberdade de atuação da imprensa (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação), inclusive pela Internet, têm precedência sobre os demais direitos da personalidade, entre eles, os de intimidade, vida privada, imagem e honra. 2. No caso, não sobressai excesso no direito de liberdade de expressão, porquanto não foi além do direito de crítica e do dever de informação, bem como não assumiu postura ofensiva e difamatória na publicação, a ponto de atingir a honra do agente público e justificar a retirada da matéria dos veículos de comunicação. 3. Apelação conhecida e não provida. (TJDF 07146129720188070001 DF 071461297.2018.8.07.0001, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Data de Julgamento: 19/02/2020, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe : 30/03/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CC INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Retirada de conteúdo publicado na rede social facebook e pedido indenizatório pelos danos morais relativo às publicações. Sentença de procedência. Inconformismo do réu, arguindo cerceamento de defesa. Inocorrência. Cerceamento de defesa afastado. Mérito. Liberdade de manifestação do pensamento e de expressão. Exercício abusivo de direito. Não ocorrência. Autor que exerce função de prefeito do Município de Sorocaba/SP. Conduta do réu que não configurou excesso em relação aos limites da liberdade de expressão. Postagens que não caracterizaram ofensas pessoais ao autor ou mesmo a imputação a este de condutas que configurem crime. Autor que está sujeito a questionamentos dos munícipes em razão da função política que exerce. Situação que, apesar de desconfortável, caracterizase como mero aborrecimento cotidiano. Não caracterizado dano moral indenizável. Efetiva lesão aos direitos da personalidade não demonstrada. Não restou comprovada a repercussão negativa na vida do autor, Sentença reformada. RECURSO PROVIDO. (TJ SP AC: 10009489820198260602 SP 100094898.2019.8.26.0602, Relator: Ana Maria Baldy, Data de Julgamento: 24/07/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/07/2020). De outro norte, o direito de resposta é assegurado pela Constituição Federal, art. 5º, inciso V, sendo proporcional ao agravo. É da jurisprudência que cabe ao usuário responsável pelo perfil no Facebook a publicação de resposta de ofendido por algum tipo de conteúdo ilícito divulgado na rede social: CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÕES CAUTELAR E DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. JULGAMENTO CONJUNTO. SENTENÇA ÚNICA. DUPLO RECURSO. NÃO CONHECIMENTO. PROVEDOR DE SERVIÇOS DE INTERNET. REDE SOCIAL. FACEBOOK. INEXISTÊNCIA DE CONTROLE EDITORIAL. LEI Nº 13.188/2015. DIREITO DE RETRATAÇÃO. AUSÊNCIA. § 1º DO ART. 19 DA LEI Nº 12.965/2014. INDICAÇÃO DA URL E DECISÃO JUDICIAL ESPECÍFICA. NECESSIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1 Não se conhece de recurso reproduzido em autos de ação conexa, se a sentença proferida é única para ambos os Feitos. 2 A lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet“) estabeleceu em seu artigo 19 que o provedor de internet somente pode ser civilmente responsabilizado por danos gerados por terceiros quando, após ordem judicial específica, não tomar providencias para tornar indisponível o conteúdo ofensor. 3 O § 2º do art. 2º da Lei 13.188/2015 exclui do termo “matéria“ os comentários realizados por usuários de internet nas páginas dos veículos de comunicação social, no caso em análise. A seu turno, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que a responsabilidade dos provedores de internet depende da existência de controle na publicação do material gerado pelos usuários. 4 O Réu FACEBOOK não possui o dever de publicar, no perfil dos usuários apontados na inicial, vídeo de retratação, tendo em vista que, o vídeo não se enquadra no conceito de “matéria“, porque não se pode criar responsabilidade para o provedor de conteúdo de internet, quando este não possui controle do conteúdo “postado“ por seus usuários, destacandose que caberia ao Autor atribuir diretamente às pessoas que indicou na petição inicial a responsabilidade de publicar o vídeo de retratação. 5 Não pode o Juiz determinar que sejam indicadas URLs administrativamente e sem decisão judicial específica para fins de exclusão vídeo de perfis de usuários, quando a própria lei regente da matéria (§ 1º do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014) determina que tal informação deverá constar na própria decisão judicial. Apelação Cível interposta nos Autos nº 2015.01.1.1091076 não conhecida. Apelação Cível interposta nos Autos nº 2015.01.1.0716593 provida. (TJDF 20150110716593 DF 002095995.2015.8.07.0001, Relator: ANGELO PASSARELI, Data de Julgamento: 08/11/2017, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 24/11/2017 . Pág.: 384/386) Desse modo, é o caso de deferimento liminar do direito de resposta à autarquia Águas do Pantanal, proporcional ao agravo, a ser feita pela rede social da requerida, com prazo de permanência de, no mínimo, 15 (quinze) dias. ISSO POSTO, e por tudo mais que dos autos consta, DECIDO: a) RECEBER A PEÇA INICIAL, eis que preenche os requisitos legais previstos no art. 319 e não incide em nenhum dos defeitos do art. 330 do CPC ; b) DEFERIR PARCIALMENTE o pedido de TUTELA DE URGÊNCIA, forte no art. 300 CPC, conceder o DIREITO DE RESPOSTA e determinar à requerida SILVIANE APARECIDA ROSSI DA SILVA que promova a publicação, na mesma página do Facebook onde ocorreu a ofensa , de texto esclarecedor a ser fornecido pela Requerente Águas do Pantanal, sendo mantida pelo período mínimo de 15 (quinze) dias; c) Intimese pessoalmente a requerida da presente decisão, devendo comprovar nos autos o seu cumprimento até 05 (cinco) dias após a disponibilização do texto pela autora; d) Encaminhese o feito ao CEJUSC para designar audiência de conciliação, conforme art. 334 § 1.º CPC ; e) Intimese o autor do ato de conciliação; f) Citese o réu da presente ação e intimese para comparecer à audiência de conciliação, ciente de que o prazo para contestar flui nos termos do art. 335 NCPC; g) Intimem se as partes. Às providências. Cumprase.
Intimação Classe: CNJ46 PROTESTO
Processo Número: 100334643.2020.8.11.0006