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Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal

Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal

7.5. Execução Provisória da Pena na Jurisprudência do STF

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Carla Ramos 1

The life of law has not been logic: it has been experience.

(Oliver Wendell Holmes)

Introdução

A execução provisória ou antecipada da pena 2 , a partir do exaurimento das instâncias ordinárias, é hoje tema da maior relevância no debate jurídico nacional. Assumiu, além de sua feição técnica atinente à interpretação normativa, verdadeira natureza política, repercutindo nos meios de comunicação e despertando interesse da sociedade nas decisões da Suprema Corte sobre a matéria.

Observando-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal posterior à Constituição de 1988 3 , a fórmula da presunção de inocência consagrada no art. , LVII, da Lei Maior ganhou contornos mais definidos com a reiteração dos debates quanto ao seu alcance. Ainda assim, os diferentes ângulos de argumentação revelam a ausência de clareza do texto 4 . Como consignou o Ministro Luiz Fux no voto proferido no HC 152.752 , “a controvérsia quanto ao que efetivamente se entende como ‘ser considerado culpado’ afasta a incidência do brocardo ‘in claris cessat interpretatio’ de resto há muito superado pelas lições dos maiores juristas e modernamente entendido cum granum salis”. Daí porque se deva considerar o texto como o ponto de partida 5 , e não de chegada 6 , da interpretação. Deveras, o texto (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), apesar de sua aparente singeleza, suscita indagações de duas ordens: (1) O que significa “ninguém será considerado culpado”? A prisão e outras medidas restritivas de direitos do acusado, antes do trânsito em julgado, estão englobadas nesta norma? (2) O que se entende por “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”?

Jurisprudência do STF: sedimentação do conteúdo jurídico do art. , LVII, da CRFB/1988

Nos julgamentos realizados nos primeiros anos após a promulgação da Constituição, a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação foi considerada compatível com o art. , LVII. Somente em 2009, no HC 84.078 , de relatoria do Ministro Eros Grau, é que a matéria foi afetada ao Plenário, com o fim de se proceder à revisão da jurisprudência histórica.

No presente artigo, tendo em vista o vasto repertório jurisprudencial posterior à Constituição de 1988, o enfoque será dirigido aos fundamentos adotados por cada corrente interpretativa que se estabeleceu no Supremo Tribunal Federal, procedendo à catalogação dos argumentos, com o fim de visualizar com clareza como se procedeu à construção do conceito de presunção de inocência.

I. Corrente 1: proteção do “núcleo essencial” da presunção de inocência

As distinções “originalismo vs interpretativismo”, “utilitarismo vs jusnaturalismo”, “ativistmo vs autocontenção 7 , não são suficientes para distinguir as duas correntes que se formaram no Supremo Tribunal Federal. Ambas lançam mão de argumentos extraídos destas diferentes matrizes teoréticas. A corrente atualmente majoritária no STF 8 tem seu centro de gravidade na conceituação do “núcleo essencial” da presunção de inocência, recorrendo à interpretação histórica e de direito comparado e internacional. Confere-se o mesmo peso de partida aos direitos fundamentais individuais e aos denominados direitos fundamentais prestacionais (ou “deveres” fundamentais, e. g. segurança pública, defesa de bens jurídicos penais violados pela prática criminosa 9 ). Fora do “núcleo essencial” inquebrantável da presunção de inocência, reconheceu-se a liberdade de conformação do legislador para conferir efeitos meramente devolutivos aos recursos excepcionais. Considera-se, sobretudo, haver concurso de normas cujos conteúdos se autolimitam, demandando interpretação à luz da unidade da Constituição 10 . A presunção de inocência sujeita-se à redução teleológica, que pode ser exigida “pelo escopo, sempre que seja prevalecente, de outra norma que de outro modo não seria atingida” 11 . Proceder de outro modo seria incorrer em “interpretação em tiras” 12 . Além disso, lançou-se mão de argumentos consequencialistas e utilitaristas. Vejamos os principais argumentos veiculados por essa corrente.

1.1. “Sentença transitada em julgado” não se confunde com “coisa julgada”

Esse argumento pode ser considerado originalista 13 , a sondar o significado que teria inspirado o Constituinte ao cunhar a expressão “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em resumo, distinguiu-se “trânsito em julgado da sentença penal condenatória” de “coisa julgada”, concluindo-se que a sentença contra a qual cabem apenas recursos especial e extraordinário preenche o conceito de “sentença condenatória transitada em julgado”, ainda que sem “coisa julgada”:

Reproduzindo lição de Espínola Filho, in Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 1959, vol. 7º, p. 296, nºs 1.404 e 1.405, observa Damásio de Jesus, in Código de Processo Penal Anotado, 3ª ed. p. 397, acerca da sentença com trânsito em julgado: ‘Ocorre quando: a) não é admissível recurso ordinário (cujo efeito é suspensivo) contra ela; b) decorreu o prazo legal sem interposição do recurso ordinário (cujo efeito é suspensivo) contra ela; c) decididos os recursos ordinários (cujo efeito é suspensivo) contra ela’. Na obra referida, p. 396, Espínola Filho escreve: ‘O que diferencia o caso julgado, ou seja, a sentença com trânsito em julgado, da coisa julgada, é ser mister, para ter-se esta, que, contra a decisão não caiba mais recurso de espécie alguma, ordinário ou extraordinário; ao passo que há caso julgado, passa em julgado a sentença, quando pode ser executada, se bem que seja ainda suscetível de impugnação por meio de recurso de caráter extraordinário, sem efeito suspensivo, por já se terem esgotado, ou não mais se poderem usar, os recursos ordinários admitidos” ( HC 68.726 , Plenário, Rel. Min. Néri da Silveira, unânime, j. 28.06.1991 14 ).

Em julgamentos posteriores, conferiu-se interpretação restritiva à expressão “trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, equiparando-a à preclusão. A culpa estaria formada a partir do julgamento em segunda instância, contra o qual não caibam mais recursos voltados à discussão da matéria fático probatória. Nas precisas palavras do Ministro Teori Zavascki:

Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito ( HC 126.292 ).

1.2. Espaço de conformação do legislador

Considerou-se que o legislador dispunha de espaço de conformação 15 para conferir efeito meramente devolutivo ao RE e ao REsp.

Para essa corrente,

O disposto no item LVII do art. da Carta Política de 1988, ao dizer: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não importa em revogação dos preceitos do Código de Processo Penal que autorizam a prisão após sentença condenatória (HC 67.857, Segunda Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. 19.06.1990 16 ).

No mesmo julgamento, mencionou-se o posicionamento do STJ sobre a matéria, com alusão ao voto do Ministro Carlos Thibau, segundo o qual:

[...] é insubsistente a tese defendida na impetração, porque a prisão do paciente foi determinada, já em segundo grau, em decorrência da confirmação de sentença condenatória recorrível, devendo ser aplicado à hipótese o disposto no art. 393 3, I, do CPP P, que estabelece como um dos efeitos da sentença condenatória recorrível aquele de ser o réu preso ou conservado na prisão. Não se extraia do princípio inscrito no art. , LVII, da Constituição de 1988, a conclusão de que não podem subsistir medidas de coerção pessoal expedidas durante o processo. Tanto é assim que o inciso LXI do mesmo dispositivo constitucional permite a custódia ‘por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente’. […] De índole processual que ainda tem, a prisão decretada em virtude de sentença condenatória recorrível não sofre o empeço constitucional arguido na impetração, de tal modo que em nada se altera o efeito meramente devolutivo imprimido aos recursos extraordinário e especial, nos arts. 637 do CPP e 255 do RISTJ.

Na mesma linha, compreendeu-se que o legislador ordinário não vedou a execução da pena antes do trânsito em julgado, refutando-se interpretação em contrário do art. 105 da LEP 17 , que se limitou a regular a expedição da guia definitiva de recolhimento do condenado, caso ainda não estivesse preso ( HC 84.078 , voto do Min. Joaquim Barbosa).

Ainda sob o ângulo da compatibilidade da legislação ordinária que autoriza a execução antecipada da pena, considerou-se que, perante a Constituição, inexistiria diferença entre a prisão cautelar e a que decorre de condenação, razão pela qual a prisão fundada na condenação antes do trânsito não violaria a presunção de inocência (HC 67.857, Segunda Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho; HC 126.292 , Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki; ADCs 43 e 44-MC 18 , Tribunal Pleno, Rel. p/ Acórdão Min. Edson Fachin): “Aguardar, como se pretende, que a prisão só ocorra depois do trânsito em julgado é algo inconcebível. A prevalecer essa tese, nenhuma prisão poderia haver no Brasil” ( HC 84.078 , voto da Min. Ellen Gracie).

1.3. Interpretação sistemática

Procedendo a uma leitura sistemática da Constituição, esta corrente considerou que “Outros itens do mesmo artigo levam à conclusão de que não pode prevalecer a tese de que, ante o mencionado item LVII, embora haja decisão condenatória, mesmo em segundo grau, a prisão só poderá efetuar-se após o trânsito em julgado de tal …

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26 de Maio de 2024
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