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Ação Rescisória e Querela Nullitatis: Semelhanças e Diferenças

Ação Rescisória e Querela Nullitatis: Semelhanças e Diferenças

Capítulo 5

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5.1.Ação Declaratória de Inexistência (querela nullitatis ou actio nullitatis): hipóteses de cabimento

Existe um grupo ou uma classe de sentenças que, por defeitos de que padeçam, em si mesmas, ou por outros, que tenham sido herdados do processo em que foram proferidas, podem ser atingidas depois de findo o processo e depois de passado o prazo para ação rescisória, por ação meramente declaratória (e não de nulidade, mas de inexistência jurídica) 1 .

Assim pensamos porque há certos vícios que comprometem de tal modo o processo, como figura jurídica, que, pode-se dizer, o desfiguram. É o caso da falta de citação do réu revel. Em casos assim, a sentença é proferida num simulacro de processo, já que a relação processual não terá chegado a se triangularizar, sendo sentença e processo, rigorosamente, inexistentes, do ponto de vista jurídico, enquanto sentença e processo.

Tratando-se de sentença ou interlocutória de mérito juridicamente inexistentes (por exemplo, proferida sem a citação do réu 2 , ou que julga procedente pedido contra a parte ilegítima), o meio adequado para retirá-las definitivamente do mundo jurídico é o da ação declaratória 3 , que, no caso, é imprescritível.

Todavia, entre as nulidades absolutas e a inexistência jurídica não há diferença de disciplina (= regime jurídico) enquanto o processo está em curso 4 .

O regime da decretabilidade ex officio e da ausência de preclusão é idêntico para ambas as figuras, pelo que podem ser tratadas em conjunto.

Os regimes jurídicos só passam a se diferenciar depois do fim do processo.

A nosso ver, são diferentes as formas pelas quais se podem impugnar as decisões proferidas em processos com estes vícios: ação rescisória (para as decisões que padeçam de nulidade absoluta ou que decorram de processos inquinados de nulidade absoluta) e ação declaratória de inexistência jurídica (para as “sentenças” que padeçam de vício de inexistência ou que decorram de processo maculado por vícios dessa natureza).

É preciso, contudo, esclarecer o que se quer dizer com inexistência, no processo civil, e quando se está diante de um simulacro de sentença ou de processo.

Se a questão da inexistência “não se pode dizer seja pacífica no que respeita à matéria civil... no direito processual, em contrapartida, pode observar-se que a ideia de inexistência é de fácil assimilação” 5 .

Diferentemente do CPC/73, cujo art. 37, parágrafo único, estabelecia que os atos praticados por advogado sem mandato, que não fossem ratificados, eram considerados inexistentes, o CPC/15 não menciona de forma expressa a categoria da inexistência. No entanto, na nossa opinião, a inexistência é, antes, uma categoria lógica.

Além do mais, a simples circunstância de a lei não se referir diretamente a uma figura não pode ser considerada argumento que, por si só, leve à conclusão no sentido de que esta não exista no sistema jurídico 6 .

A categoria dos atos inexistentes é de extrema utilidade prática. Trata-se de fenômeno que diz respeito à ausência de tipicidade. Um ato é inexistente, para o direito, quando carrega em si um defeito de tal monta, que é capaz de desfigurá-lo e de impedir que se encaixe no tipo. É um defeito de essência 7 .

Há elementos tidos como essenciais para a existência de um processo 8 e, por conseguinte, de uma sentença, sobre cujo conteúdo recaia a coisa julgada. Trata-se, como se disse, de um problema de tipicidade. Embora exista no plano dos fatos, o ato não pode ser considerado como tal no mundo jurídico, por ser desprovido de elementos imprescindíveis a sua constituição. 9

Para que haja processo, juridicamente, isto é, para que ele exista, deve haver jurisdição. Exemplo típico de sentença juridicamente inexistente é a sentença a non judice, justamente porque se considera proferida em situação a que falta pressuposto processual de existência: jurisdição. Para que o processo existente, por sua vez, seja válido, é necessário que o juízo a que está submetido possa exercer essa jurisdição, no caso concreto, tenha competência 10 . A sentença proferida por juízo absolutamente incompetente é nula (inválida), passível de ação rescisória.

Em relação às partes, para que o processo exista é necessário que o procurador do autor, além de ser habilitado, tenha legitimidade para exercer concretamente o munus que lhe foi outorgado 11 - 12 . Uma vez que o processo existe, a capacidade e a legitimidade processual são requisitos para a sua validade. Portanto, o pressuposto processual de existência é a “capacidade” 13 postulatória, e os pressupostos de validade são, concretamente, a capacidade e legitimidade processual.

Há de existir, outrossim, uma petição inicial para que haja processo, que deverá conter o pedido do autor, a que se deve referir a sentença. E, a fim de que o processo seja válido, há de ser apta essa petição. Então, pressuposto processual de existência é a petição inicial, ainda que inepta 14 .

Para que a relação jurídica processual se aperfeiçoe, é imprescindível a participação do autor, juiz e réu. O réu passa a ter ciência, em regra, da existência da relação processual pela citação. Ressalte-se que antes da citação já existe processo (rectius: relação processual), tanto que pode ser extinto por improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC/15). Portanto, o pressuposto processual de existência é a citação 15 ; a citação válida é pressuposto processual de validade.

A falta de citação no litisconsórcio necessário simples ou no litisconsórcio necessário unitário, é causa de inexistência jurídica, podendo ensejar ação declaratória de inexistência. Pode ocorrer, porém, que falte ao autor interesse de agir, por falta de prejuízo. Reiteramos o exemplo do confinante que pretenda impugnar, porque considera juridicamente inexistente (ou nula, segundo alguns), sentença proferida em ação de usucapião em que não foi citado. Se a sentença, na ação originária, tiver sido favorável aos demais litisconsortes e também beneficiar aquele que não foi citado, a este faltará interesse de agir, porque sobre ele estende-se a coisa julgada, nos termos do art. 506 do CPC/15. 16

Além dos pressupostos processuais de existência e validade positivos, tratados anteriormente, há dois outros pressupostos processuais de existência, que são negativos, isto é, não podem estar presentes para que exista juridicamente o processo, são eles: litispendência e coisa julgada. 17 - 18

Observe-se que a adoção desta teoria resolve a polêmica que ainda se trava no plano da doutrina e da jurisprudência, acerca de se saber qual das duas coisas julgadas deverá prevalecer, no caso de existirem duas sentenças transitadas em julgado, já se tendo esgotado o biênio decadencial dentro do qual poderia ter sido proposta a ação rescisória 19 .

Os pressupostos processuais negativos, se existentes, acabam por gerar situação que se subsume à categoria da falta de interesse de agir. De fato, se o interesse de agir é noção que repousa sobre o binômio necessidade-utilidade, já tendo sido formulado o pedido em idêntica ação anterior que, ou está em curso (= litispendência) ou já terminou, tendo a sentença transitado em julgado, não há como negar ser o autor da segunda ação carente de interesse de agir. 20

O STJ, contudo, no julgamento do EAREsp XXXXX/SP, em 04/12/2019, entendeu de forma diferente, concluindo que “sentença transitada em julgado por último implica a negativa de todo o conteúdo decidido no processo transitado em julgado anteriormente, em observância ao critério de que o ato posterior prevalece sobre o anterior”, com o que não concordamos.

Prosseguindo nossa análise do grupo de sentenças que não têm aptidão para transitar em julgado, devemos nos referir, considerando também como sendo juridicamente inexistentes, às sentenças proferidas em processos gerados pela propositura de “ações”, sem que tenham sido preenchidas as condições de seu exercício. Em outras palavras, para nós, se o autor não preenche as condições da ação, a sentença de mérito proferida neste contexto é juridicamente inexistente, como dissemos no item 1.1.2., supra.

Como, em casos assim, inexiste ação, considera-se que o que se terá exercido terá sido, em verdade, o direito de petição 21 .

A terminologia usada pelo CPC/73, que empregava a expressão “carência” de ação (art. 301, X), inspirada em Liebman, reforçava nosso ponto de vista. Pode-se dizer o mesmo, ainda que o legislador de 2015 tenha preferido usar o termo ausência, porque carência, como se sabe, significa falta ou ausência.

Liebman ensina que “as condições da ação são requisitos constitutivos da ação. Somente se existem, pode considerar-se existente a ação” 22 - 23 .

Assim, sentença de mérito proferida sem que haja interesse do autor e sem que as partes tenham legitimidade ad causam é sentença juridicamente inexistente 24 .

Diversamente, no entanto, se a sentença pronunciar a ausência de uma condição da ação, haverá fenômeno assimilável à coisa julgada, porquanto somente se poderá propor nova ação se corrigido o vício – e não mais se poderá falar, no caso, que se está diante da mesma ação. Por isso, quando não há vício a corrigir, o autor poderá lançar mão de ação rescisória, nos termos do art. 966, § 2º, I, de modo a que a ação originária seja julgada nos termos em que proposta, sem correção alguma.

Enrico Tullio Liebman, a propósito, escreveu que:

[...] il diffeto delle condizioni dell´azione non riguarda qual determinato processo, ma l’azione in sè, non potrà proporsi nuovamente um altro processo finchè non mutano le circostanze di fatto rilevanti (se, per. es. non sopravviene l´interesse ad agire, che prima era mancante) 25 .

Sob este prisma, a sentença que acusa a ausência de uma condição da ação é, a rigor – e embora se diga estar diante de sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito – algo até mais grave, perante o ordenamento jurídico, que a sentença que julga improcedente o pedido. A sentença terminativa aí proferida declara que a ação sequer poderia ter sido proposta, porquanto ausentes os requisitos minimamente exigidos pelo sistema, para que isso ocorresse.

A sentença que, equivocadamente, julga o mérito quando, a rigor, encontram-se ausentes as condições da ação, é um arremedo de sentença, pois a questão submetida ao juiz sequer poderia ter sido apreciada (v. g., no caso de sentença proferida entre partes ilegítimas).

Assim, pela gravidade do vício – inexistência –, o ato deixa de pertencer à categoria jurídica que pretendia integrar.

Voltando ao exemplo da sentença proferida em processo sem a citação do réu, somada à revelia: o ato existe, faticamente, mas não pode ser tido como sentença; é um arremedo de sentença. É uma sentença juridicamente inexistente, que não pode ostentar, portanto, o nomen juris sentença.

É evidente a conveniência da adoção da categoria das sentenças inexistentes.

Estas sentenças devem ser extremadas das sentenças rescindíveis. São as que ficam sujeitas à impugnação pela via da ação declaratória.

Estas sentenças, e há muito uma das autoras deste trabalho vem defendendo este ponto de vista 26 , não têm aptidão para transitar em julgado.

Imprescindível que se reconheça que o ato juridicamente inexistente não corresponde a um “nada” fático 27 . Ao contrário. O ato juridicamente inexistente é um “impostor”: pretende fazer passar-se pelo ato “que quereria ter sido”.

Pode ocorrer, ainda, que o ato processual ao qual falte algum dos elementos integrativos do tipo 28 deixe de figurar, no sistema, como ato processual que aparentava ser, mas, nem por isso, os efeitos do ato subsistente (ou “sobrevivente”) deverão ser desprezados. Assim, por exemplo, a nulidade de sentença homologatória não atinge, necessariamente a validade do ato homologado (e. g., transação) que poderá produzir outros efeitos processuais.

Claro que uma sentença de mérito proferida nestas condições e neste contexto é, por “contaminação”, sentença juridicamente inexistente, que jamais transita em julgado.

Portanto, não havendo coisa julgada, rigorosamente, dir-se-ia neste caso não estarem presentes nem mesmo os pressupostos de cabimento da ação rescisória, descritos no caput do art. 966: decisão de mérito transitada em julgado. Tampouco se encartaria nas exceções já mencionadas (art. 966, § 2º, I e II).

De fato, sentido não teria a criação de uma categoria designada de pressupostos processuais de existência, sem que se dissesse que, ausentes estes pressupostos, está-se diante de uma situação de inexistência jurídica!

Vê-se que esta postura doutrinária retira do elenco de sentenças que, para serem impugnadas, reclamam o uso da ação rescisória as sentenças proferidas sem que haja a citação (sem que haja a integração ao processo) de réus (ou autores) em casos de litisconsórcio necessário 29 .

É preciso analisar, agora, as hipóteses em que, embora os pedidos possam ser formulados autonomamente, em diferentes ações, são reunidos numa só. É imprescindível que haja correlação entre pedido e sentença e, quando essa correlação não existir, a sentença padecerá de vício intrínseco, que, segundo parte da doutrina e da jurisprudência poderá levar à propositura de ação rescisória (por manifesta violação à norma jurídica – art. 966, V – pois há desrespeito aos arts. 141 e 492 do CPC). A nós nos parece, porém, ser hipótese de que cabe ação declaratória de inexistência.

É preciso analisar as sentenças que deixam de julgar todos os pedidos formulados pelo autor. Para parte da doutrina e da jurisprudência, tendo sido formulado mais de um pedido pelo autor, e tendo o juiz deixado de apreciar um deles, estar-se-ia diante de sentença infra petita e, pois, rescindível. Assim, tendo o autor formulado pedidos A, B e C e tendo o juiz apreciado apenas A e B, a sentença é infra petita e deve ser rescindida.

Causa, todavia, evidentissimamente, estranheza imaginar-se que transitaria em julgado a decisão proferida a respeito do pedido C, pois que esta decisão, em verdade, não existiu, nem mesmo sob o ponto de vista material e físico.

Estranheza causa também a conclusão a que se pode ser levado, no sentido de que, sendo formulado dois pedidos A e B e tendo o juiz decidido A, B e D, ter-se-ia sentença ultra petita, portanto, nula e rescindível. É-se levado a afirmar, por uma visão sugerida pelo que costuma ser ensinado pela doutrina tradicional, que a decisão judicial sobre D (pedido que nunca foi formulado) ficaria, do mesmo modo que as demais decisões (sobre A e B), acobertada pela autoridade de coisa julgada.

O que se pretende examinar neste item é se D, que não foi formulado, transita em julgado; e se C, como pedido que foi feito e que não foi decidido, pode (ou não) ser reformulado em outra eventual posterior ação (independentemente da propositura de qualquer ação em que se visasse a impugnar a decisão em que houve omissão a seu respeito).

Trata-se, portanto, de tentar solucionar problemas emergentes de tais sentenças, ditas ultra (ou extra? – porque decidiriam além, mas na medida em que foram além, decidiram fora do pedido) e infra petita, respectivamente, a partir de uma ótica diferente da tradicional. Segundo postura que, ao que parece, tem predominado, dir-se-ia, pura e simplesmente, que se trata de sentenças rescindíveis porque afrontam os arts. 141 e 492 do CPC/15 30 .

Uma das autoras deste ensaio já observou antes e já considerou em trabalho anterior, com base em farta doutrina, que a petição inicial é pressuposto processual de existência 31 . Este nos parece um ponto de partida razoavelmente seguro para se dizer que não havendo pedido, não se cria a relação processual que este teria o condão de instaurar.

Diz Carlo Calvosa 32 que la proposizione della domanda giudiziale determina la litispendenza: lis incipit a citatione. Questo principio, che il legislatore ha codificato solo indirettamente, contiene in germe, limitatamente all´ipotesi in esame, la soluzione del problema.

O dever de decidir é condicionado à atividade da parte, no sentido de ter pedido. É aí que o poder do Estado passa a ser, também, um dever 33 .

O dever de decidir não só é condicionado pelo …

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24 de Maio de 2024
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