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7 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Julgamento

Relator

Des(a). HELDA LIMA MEIRELES

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-RJ_APL_00805398820138190002_98ffb.pdf
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Inteiro Teor

APELANTE: FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE NITERÓI

APELADA: JOILZE DOS SANTOS PRATES

RELATORA: DES. HELDA LIMA MEIRELES

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº XXXXX-88.2013.8.19.0002

JUÍZO DE DIREITO DA 9a VARA CÍVEL

COMARCA DE NITERÓI

ACÓRDÃO

APELAÇÃO CÍVEL/REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO OBRIGACIONAL. PRESTAÇÃO UNIFICADA DE SAÚDE. MEDICAMENTO. SENTENÇA PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELO DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE NITERÓI. Obrigação principal corretamente estabelecida pelo julgado. Art. 196. Da CF/88. Incidência dos verbetes sumulares TJRJ nº 65, 179 e 180, entre outros. As teses fixadas no REsp. 1.657.156/RJ não se aplicam a hipótese visto que os autos foram distribuídos antes do trânsito em julgado do recurso paradigma. Indiscutível, portanto, que, demonstrada a necessidade do medicamento prescrito, não podendo a autora, assistida pela Defensoria Pública, arcar com os custos para sua aquisição, impõe-se ao Estado, lato sensu , o dever de fornecer àquele que necessita, gratuitamente. Inexistência de afronta ao Princípio da Isonomia ou Independência entre os Poderes. Taxa Judiciária devida. Súmula TJRJ nº 145. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos , relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível/Remessa Necessária nº XXXXX-88.2013.8.19.0002 em que é apelante FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE NITERÓI e apelada JOILZE DOS SANTOS PRATES,

A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso e manter, em remessa necessária, a sentença , nos termos do voto da Relatora.

Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.

Helda Lima Meireles

Desembargadora Relatora

RELATÓRIO

Cuida-se de ação obrigacional, vinculada à prestação unificada de saúde, proposta por JOILZE DOS SANTOS PRATES em face da FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE NITERÓI e ESTADO DO RIO DE JANEIRO, alegando, em suma, que é portadora de Diabetes Mellitus II, necessitando com urgência do medicamento TRAYENTA 05 MG, conforme receituário médico, acrescentando que não possui condições financeiras para arcar com tais despesas. Requer, inclusive em sede de tutela antecipada, que os réus disponibilizem o referido medicamento, com a procedência do pedido e a condenação das rés nas custas e honorários advocatícios.

A fls. 33/34, foi deferida a tutela de urgência para determinar aos réus que forneçam à parte autora o medicamento prescrito, de forma contínua, enquanto perdurar a necessidade.

A fls. 75/93, apresentada a contestação pela Fundação. A fls. 138/153, pelo Estado.

A fls. 250/259, a Promotoria de Justiça oficiou pela procedência do pedido.

A fls. 263/266, o pedido foi julgado procedente, nos seguintes termos:

"(...)

Isto posto, julgo procedente o pedido, converto em definitivo a tutela antecipada deferida à fl. 33/34, para determinar que os réus forneçam à autora, gratuitamente, o medicamento elencado na inicial ou similares apropriados, com a apresentação do receituário médico atualizado. Condeno a primeira ré em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, revertidos a favor do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública. Isento ambos das custas, na forma do artigo 17, inciso XI, da Lei nº. 3.350/99, ao primeiro réu não cabe isenção da taxa judiciária. Em razão do reexame necessário, decorrido o prazo legal, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Intimem-se as Partes e o Ministério Público. P.R.I."

A fls. 293/301, apela a Fundação sustentando, em resumo, que não se pode conceder à autora todo e qualquer medicamento, posto que, não obstante seja obrigação do Ente Político assegurar de forma efetiva a saúde da população, o fármaco requerido não consta na relação municipal de medicamentos essenciais. Eventualmente, entende que a condenação ao pagamento da Taxa Judiciária é equivocada, já que possui natureza de custas, além de ter celebrado acordo de reciprocidade.

A fls. 311/318, foram apresentadas as contrarrazões em prestígio ao julgado.

A fls. 329/335, a D. Procuradoria de Justiça oficiou pelo parcial provimento do recurso.

A fls. 338/339, proferida decisão de suspensão do feito até ulterior decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.657.156-RJ.

A fls. 349, certificado o julgamento em definitivo do Recurso Especial supramencionado.

Em seguida, após intimação das partes, apenas a autora se manifestou.

A fls. 360, o MP ratificou o anterior pronunciamento.

A fls. 372, certificada a preclusão da decisão de fls. 368.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Cuida-se de ação de obrigação de fazer vinculada à prestação unificada de saúde que foi julgada procedente para condenar os réus, em caráter definitivo, a fornecerem o medicamento pleiteado, na qualidade e quantidade indicadas, conforme descrição contida na prescrição médica, facultando-se o fornecimento de similares apropriados. Condenou ainda o município ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor dado à causa, além do pagamento da Taxa Judiciária.

De início, consigne-se que a saúde é um bem jurídico que goza de amparo constitucional no plano federal, estadual e municipal, expresso no art. 23, da Carta Magna, e a negativa de fornecimento de medicamentos/tratamento viola as garantias dos cidadãos, máxime dos carentes. Com efeito, o direito à saúde está intrinsecamente ligado ao direito à vida, garantia constitucional prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.

Como cediço, o STJ, no julgamento do REsp XXXXX/RJ, em sede de recursos repetitivos, analisando a controvérsia quanto à obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, fixou as seguintes teses cumulativas:

"i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência."

Insta esclarecer que a Corte Superior, na decisão paradigma, modulou os efeitos do julgado, determinando que somente atingiriam as ações ajuizadas posteriormente à publicação do acórdão ocorrido em 04/05/2018, não sendo este o caso na hipótese, considerando que a ação foi distribuída em 15/12/2013.

Ressalte-se que o comando constitucional do art. 196, da CF/88, não obstante seja considerado norma programática, deixa claro que o necessitado tem o direito subjetivo de receber do Estado, assim entendido União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o suporte efetivo para a tutela do bem jurídico mais importante da sociedade, qual seja, a vida, conforme se constata abaixo:

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Registre-se que a antinomia entre as limitações das despesas públicas dispostas no inciso II, do caput , do art. 167, da Constituição Federal, e as normas definidoras e garantidoras dos direitos à vida, à saúde e à dignidade humana, se resolve em favor das últimas.

Ao tratar da saúde e assistência pública, estabelece a Carta Magna que é dever do Estado como um todo materializar este direito mediante administração local, implementadas pelo SUS - Sistema Único de Saúde.

Partindo da mesma premissa, considerando que a prestação do serviço público de saúde é da responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), que engloba, conforme já ressaltado, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, cabe a todos os entes o fornecimento gratuito de medicamentos aos cidadãos que não tenham condições de adquiri-los na rede privada, sendo tal responsabilidade solidária, nos termos da Súmula 65 do TJRJ.

No caso em tela, a assistência médica era mesmo devida e bem fez a sentença por reconhecê-la.

Com efeito, a jurisprudência já consolidou compreensão de que se trata de obrigação solidária dos entes federativos o fornecimento de medicamentos e tratamento médico integral. Este Egrégio Tribunal de Justiça, em harmonia com o entendimento ora esposado, editou os seguintes verbetes da súmula de sua jurisprudência predominante:

Súmula nº 65 TJRJ: Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e consequente antecipação da respectiva tutela.

Súmula nº 179 TJRJ: Compreende-se na prestação unificada de saúde a obrigação de ente público de fornecer produtos complementares ou acessórios aos medicamentos, como os alimentícios e higiênicos, desde que diretamente relacionados ao tratamento da moléstia, assim declarado por médico que assista o paciente.

Súmula nº 180 TJRJ: A obrigação dos entes públicos de fornecer medicamentos não padronizados, desde que reconhecidos pela Anvisa e por recomendação médica, compreende-se no dever de prestação unificada de saúde e não afronta o princípio da reserva do possível.

Estabelecidas tais premissas, restou comprovado que a autora é portadora de DIABETES MELLITUS II, necessitando do fornecimento do medicamento TRAYENTA 5 mg, entre outros, e que a falta da medicação e do controle da doença poderia causar danos irreversíveis para a saúde da demandante. (ID XXXXX, fls. 23)

De tal receituário, portanto, atestado pelo profissional de saúde conhecedor das condições clínicas do paciente entregue ao seu cuidado, se extrai a necessidade do uso dos fármacos requeridos. Desta feita, a prescrição indicada pelo médico que assiste ao autor prevalece sobre os critérios de conveniência e oportunidade da Administração.

Ressalte-se que não assiste razão ao recorrente quanto à necessidade de a parte apelada demonstrar que a terapêutica pleiteada é imprescindível para o seu tratamento, pois as teses fixadas no REsp. 1.657.156/RJ não se aplicam a hipótese visto que os autos foram distribuídos antes do trânsito em julgado do recurso paradigma.

Indiscutível, portanto, que, demonstrada a necessidade do medicamento prescrito, não podendo a autora, assistida pela Defensoria Pública, arcar com os custos para sua aquisição, impõe-se ao Estado, lato sensu, o dever de fornecer àquele que necessita, gratuitamente.

Destarte, inexiste qualquer afronta ao princípio da isonomia no caso em comento, pois aquele que está acometido de grave infortúnio, como o risco de danos irreversíveis à saúde, necessitando do tratamento prescrito, e não detém recursos financeiros, não se encontra em posição de igualdade com os demais administrados, devendo, desse modo, receber o tratamento condizente.

Consigne-se que não se pode restringir o fornecimento dos medicamentos/insumos àqueles que estejam previstos em listas e portarias previamente elaborados pelos órgãos competentes, diante da supremacia do direito constitucional à vida e à saúde sobre essas esferas infraconstitucionais.

Por outro lado, inclusive, a sentença permitiu a substituição do remédio específico por similar.

Em adendo, não procederia a alegação de que decisões judiciais como a presente provocam desequilíbrio orçamentário, uma vez que incumbe ao Poder Público formular e implementar políticas sociais e econômicas que garantam aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico- hospitalar, o que se extrai da própria Carta Constitucional, não sendo razoável impor à requerente que aguarde os trâmites burocráticos administrativos para que o seu direito à saúde seja assegurado em hipóteses de urgência.

Igualmente, não prosperaria o argumento quanto a violação do princípio da independência dos Poderes. Isto porque o referido princípio não impede que o Poder Judiciário intervenha caso haja lesão ou ameaça a direito, conforme art. 5º, XXXV, da Carta das República, sendo certo que a intervenção do Judiciário se dá na esfera de cumprimento da norma legal/constitucional. Não se pretende, de outro ângulo, implementar políticas públicas por meio de decisões judiciais, mas somente assegurar um direito constitucionalmente garantido.

Na hipótese, ponderando-se os interesses em conflito, claramente prevalece o direito à saúde e à vida, devendo lhe ceder passo as normas que regulam a atividade econômica do Estado.

Isto posto, entendo que a sentença se apresenta correta e bem fundamentada, não havendo que se falar em sua reforma quanto ao mérito.

No que tange à taxa judiciara, impede trazer alguns esclarecimentos. Estatui o art. 115, do Decreto Lei nº 05/75 (com a redação dada pela

Lei nº 4.168, de 26/09/2003) concessão de isenção aos entes públicos quando figuram como parte autora, como se depreende da leitura do referido dispositivo:

Artigo 115 - Nos processos contenciosos em que sejam autores a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias do Estado do Rio de Janeiro ou pessoa no gozo de benefício da justiça gratuita, a taxa será devida pela parte contrária, na execução, quando condenada ou no caso de aquiescência ao pedido.

Parágrafo único - A aplicação da regra prevista no caput deste artigo está condicionada quanto à União, aos Estados e ao Distrito Federal, à concessão de igual benefício ao Estado do Rio de Janeiro e suas autarquias e, quanto aos Municípios, à concessão de isenção de taxas e contribuições relacionadas ao patrimônio do Estado do Rio de Janeiro e, de suas autarquias e fundações públicas.

Portanto, é devida a taxa judiciária quando os entes Federativos forem sucumbentes, seja para ressarcir o autor do pagamento que adiantou, seja para recolher em favor do Fundo Especial do Tribunal de Justiça - FETJ, quando for o demandante beneficiário de gratuidade de justiça, acrescendo-se que a condição de reciprocidade somente aproveita ao Município quando figurar como o autor da demanda.

A questão já foi objeto de discussão neste E. Tribunal, que editou os Enunciados nº 18 e 42, do Fundo Especial, abaixo transcritos:

18. Na hipótese em que a parte autora, beneficiária da gratuidade, vencer a demanda, as custas, taxa judiciária e demais despesas judiciais devem ser cobradas do réu vencido, que recolherá o respectivo valor por meio de GRERJ, e não juntamente com o depósito judicial em favor da autora, posto não ter esta direito ao ressarcimento do que não adiantou.

42. A isenção estabelecida no art. 115, caput, do Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro, beneficia os entes públicos quando agem na posição processual de autores, porém, na qualidade de réus, devem, por força do art. 111, II, do Código Tributário Nacional, recolher a taxa judiciária devida ao FETJ, quando sucumbirem na demanda e a parte autora não houver antecipado o recolhimento do tributo.

A esse respeito, dispõe a Súmula nº 145, do TJ/RJ, in verbis:

Se for o Município autor, estará isento da taxa judiciária desde que se comprove que concedeu a isenção de que trata o parágrafo único do art. 115 do CTE, mas deverá pagá-la se for o réu e tiver sido condenado nos ônus sucumbenciais.

A propósito, consultem-se, entre outros, os julgados nº 0036240- 84.2017.8.19.0002, 15a Câmara Cível, Relatora a Des. Lucia Regina Esteves de Magalhães; nº XXXXX-71.2015.8.19.0002, 19a Câmara Cível, Relator o Des. Fabio Uchoa Pinto de Miranda Montenegro e nº XXXXX-24.2020.8.19.0035, dessa Câmara, Relatora a Des. Renata Machado Cotta.

Neste vértice, não merece reparo a sentença por condenar a Fundação municipal apelante ao recolhimento da taxa judiciária prevista no caso.

Por tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo-

se a sentença vergastada tal qual lançada.

Por fim, deixo de arbitrar honorários recursais, tendo em vista que o

julgado foi proferido na vigência do CPC de 1973.

Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.

HELDA LIMA MEIRELES

Desembargadora Relatora

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rj/2030230131/inteiro-teor-2030230132