Eminentes Colegas:
Peço vênia à Eminente Relatora para divergir do seu voto, a fim de dar provimento ao recurso ministerial, afastando a possibilidade de deferimento de trabalho externo a apenado como autônomo.
A atividade laboral tem como finalidade a reinserção do reeducando na sociedade, minimizando os efeitos sociais da restrição à liberdade. Porém, o instituto exige a ocorrência de fiscalização que viabilize aferir, com precisão, a qualidade da medida realizada.
Assim, não há qualquer dúvida de que o trabalho externo seja um importante elemento de ressocialização, tanto que previsto em lei. No entanto, a sua fiscalização é imprescindível para que se atinja o objetivo que é a ocupação produtiva, e não a liberdade ociosa e desvigiada.
E com efeito, a fiscalização não ocorre apenas pela atuação do Estado, através de seus órgãos responsáveis. Mas, sobretudo, pelo controle direto exercido pelo empregador, que deverá reportar-se ao Juízo da execução, preenchendo os relatórios mensais sobre assiduidade, pontualidade e cumprimento dos deveres inerentes à função exercida pelo apenado, o que não ocorre em caso do trabalho autônomo.
Nesse contexto, o apenado, sem fiscalização, poderá fazer o que melhor lhe aprouver (até mesmo cometer delitos) no tempo em que está fora do estabelecimento penitenciário, quando em realidade deveria estar trabalhando.
Em razão disso, a fiscalização do trabalho externo, que deveria ser realizada pelo empregador, resulta prejudicada, impedindo aferir aptidão, disciplina e responsabilidade do apenado, consoante previsão legal contida no artigo 3737. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.Parágrafo único ? Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrários aos requisitos estabelecidos neste artigo.">1 da LEP. Isso porque não é crível que o próprio agravado vá se prejudicar, comunicando ao juízo, por exemplo, as faltas cometidas, afastando toda e qualquer imparcialidade da fiscalização.
Nesse sentido, colaciono precedentes:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. SERVIÇO EXTERNO. TRABALHO AUTÔNOMO. CONSTRUÇÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE TOTAL DE FISCALIZAÇÃO. BENEFÍCIO REVOGADO. Os benefícios do trabalho em prol da ressocialização do preso à sociedade, objetivo da execução penal, preponderam sobre eventual dificuldade de fiscalização. Daí a importância de reconhecer todas as atividades exercidas por reeducandos, desde que admitidas pela própria casa prisional, tendo o Superior Tribunal de Justiça flexibilizado as regras previstas no artigo 126 da Lei de Execução Penal, a fim de reconhecer a remição da pena pela leitura, pelo estudo por conta própria e por tarefas de artesanato. No entanto, no caso penal em apreço, o fornecedor da carta de emprego é o próprio apenado, que cumpre a pena em domicílio. Embora haja indicação do local exato do labor voltado à construção civil - que é o endereço residencial do recorrido - e da jornada de exercício, nada pode garantir que o serviço será desempenhado e que o reeducando atuará com disciplina. Mesmo não perdendo de vista as dificuldades que um condenado possui para se desenvolver pessoalmente e, assim, recolocar-se no mercado de trabalho, além da crise econômica instalada em razão da pandemia de Covid-19, o apenado não tem direito subjetivo à atividade laborativa sem nenhuma supervisão. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta 2ª Câmara Criminal. Decisão concessiva reformada. AGRAVO EM EXECUÇÃO MINISTERIAL PROVIDO. (Agravo de Execução Penal, Nº XXXXX20218217000, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Viviane de Faria Miranda, Julgado em: 21-09-2021)
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. TRABALHO EXTERNO. AUTÔNOMO. IMPOSSIBILIDADE. O trabalho externo não constitui dever do apenado, senão que benefício passível de ser concedido a este, com o que somente se afigura possível remir pelo trabalho que, obrigatório, é desenvolvido internamente, merecendo registro a circunstância de que o óbice à remição - inclusive em se tratando de regime aberto - não se encontra na obrigatoriedade do exercício de atividade laboral para ingresso no regime, senão que do fato de ser realizada extramuros, mediante remuneração. Caso em que, ademais, a fiscalização da jornada de trabalho e do efetivo cumprimento das atividades ficar a cargo do próprio apenado, na condição de microempreendedor individual voltado à prestação de serviços de polimento de veículos, resultando, também por tal razão, inadmissível a remição. Decisão reformada. AGRAVO PROVIDO, POR MAIORIA.(Agravo de Execução Penal, Nº XXXXX20218217000, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Honório Gonçalves da Silva Neto, Julgado em: 12-08-2021)
AGRAVO EM EXECUÇÃO. REMIÇÃO E TRABALHO EXTERNO AUTÔNOMO. IMPOSSIBILIDADE. REFORMADA DECISÃO DE ORIGEM. O instituto da remição, tem como objetivo possibilitar ao sentenciado reduzir o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade, em razão de trabalho ou estudo, durante o período de cumprimento da pena. Entretanto, o labor sugerido pelo apenado, com a inexistência da figura do empregador na prestação do serviço, sem nenhuma vigilância, supervisão ou chefia, obstaculiza a plena fiscalização do efetivo cumprimento do trabalho e o real comportamento do apenado. Não me parece crível que o apenado, possa se autofiscalizar e comunicar ao juízo faltas que ele próprio eventualmente cometer; afastando, pois, toda e qualquer imparcialidade da surpervisão do labor, o que leva, inevitavelmente, à revogação do benefício deferido pelo magistrado singular. À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.(Agravo de Execução Penal, Nº XXXXX20218217000, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em: 05-08-2021)
Diante disso, entendo que a fiscalização restará prejudicada, sendo inviável a concessão de trabalho externo como autônomo.
Por tais razões, voto no sentido de dar provimento ao agravo ministerial, a fim de reformar a decisão que deferiu o serviço externo ao reeducando na condição de autônomo, como prestador de serviços de pintura.