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26 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Penal - Procedimento Ordinário • Estelionato • XXXXX-45.2015.8.26.0050 • 2ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

2ª Vara Criminal

Assuntos

Estelionato

Juiz

Rodrigo Cesar Muller Valente

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorAlegações Finais (pag 773 - 781).pdf
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AUTOS Nº XXXXX-45.2015.8.26.0050.

2a VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA, CIDADE E COMARCA DE SÃO PAULO.

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

RÉ: MILA SEREBRENIC.

MEMORIAIS

Meritíssimo Juiz,

Trata-se de ação penal pública incondicionada ajuizada em face de JAIME SEREBRENIC e MILA SEREBRENIC porque eles, no dia 19 de agosto de 2010, nesta cidade e Comarca de São Paulo, teriam praticado o crime de estelionato qualificado (artigo 171, § 2º, inciso II e § 4º, do Código Penal), conforme denúncia de fls. 288/291.

Denúncia foi recebida em 17 de setembro de 2018 (fls. 300/301); respostas à acusação às fls. 313/323 e 354/361; manutenção do recebimento da denúncia à fls. 365; extinção da punibilidade de JAIME com fundamento no artigo 107, inciso I, do Código Penal à fls. 425; audiências de instrução às fls. 495/496, 504/505 e 769.

Representação criminal às fls. 2/6.

Ficha Cadastral Completa da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) da Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. às fls. 18/22.

Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra firmado entre a vítima e a Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. , representada por JAIME, relativo à unidade autônoma de nº 54, localizada no 5º andar, do edifício erguido na Rua Turiassú, nº 581/589/591 e 599, em 21 de julho de 2010, às fls. 8/11.

Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra firmado entre ROSE LYNDA BODNAR ZOLCSAK e a Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. , representada por JAIME, relativo à referida unidade autônoma, em 19 de agosto de 2010, às fls. 108/112.

Recibo de pagamento firmado pela Construtora, representada por JAIME, em favor da vítima, no valor de R$ 174.000,00 (cento e setenta e quatro mil reais) à fls. 13.

Matrícula do imóvel objeto dos autos às fls. 14/17, com averbação da venda de referido imóvel para LEONOR MARIA PAPETI DE SOUZA, em 22 de maio de 2014.

Documentos juntados pela ré às fls. 511/766: recibos de transferências bancárias em favor da vítima (fls. 512/583), planilha com agendamentos e pagamentos em favor da vítima (fls. 584/593), planilha com relação dos credores da construtora confeccionada pelo (a) administrador (a) judicial, figurando a vítima como investidora e com um crédito de R$ 3.626.236,06 (fls. 594/613), nove instrumentos particulares de promessa de cessão de direitos, venda de frações ideais e outras avenças firmados entre a vítima e a Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. , representada por JAIME e dois instrumentos particulares de promessa de cessão de direitos, venda de frações ideais e outras avenças firmados entre a vítima e a Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. , representada por MILA (fls. 614/692), sentença prolatada nos autos nº 0035376- 38.2016.8.26.0050 que tramitaram na 17a Vara Criminal (fls. 693/700), sentença prolatada nos autos nº XXXXX-54.2015.8.26.0050 que tramitaram na 30a Vara Criminal (fls. 701/706).

Folha de Antecedentes Criminais e certidões às fls. 292, 330/331, 382/383, 434/436 e 478/480.

É a síntese do necessário.

A ação penal deve ser julgada IMPROCEDENTE.

DO MÉRITO.

A materialidade delitiva encontra-se comprovada através dos documentos carreados aos autos, a saber: Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra firmado entre a vítima e a Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. , representada por JAIME, relativo à unidade autônoma de nº 54, localizada no 5º andar, do edifício erguido na Rua Turiassú, nº 581/589/591 e 599, em 21 de julho de 2010, às fls. 8/11; Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra firmado entre ROSE LYNDA BODNAR ZOLCSAK e a Construtora e Incorporadora Atlântica Ltda. , representada por JAIME, relativo à referida unidade autônoma, em 19 de agosto de 2010, às fls. 108/112; Recibo de pagamento firmado pela construtora, representada por JAIME, em favor da vítima, no valor de R$ 174.000,00 (cento e setenta e quatro mil reais) à fls. 13; e Matrícula do imóvel objeto dos autos às fls. 14/17.

No tocante à autoria, tem-se o que segue:

MILA SEREBRENIC , quando interrogada em juízo, negou os fatos. Disse que sempre atuou na área administrativa. Contudo, quem sempre tratava a área comercial era o pai JAIME. Disse que com as dificuldades enfrentadas pela construtora, contrataram uma auditorIa para apurar exatamente quem era comprador e quem era investidor. Quanto à vítima, disse que a conhecia, mas que nunca fez qualquer negócio com ela. Chegaram à conclusão de que GIAN era investidor. A interroganda constava no quadro societário, mas não tinha atuação decisória. Quem assinava no geral era JAIME. A interroganda apenas assinava quando ele não se encontrava. O negócio era tocado por JAIME. A interroganda secretariava JAIME, apenas. Atuava no administrativo, mas não na atividade fim. Não é corretora de imóveis e nunca recebeu comissão pela venda de imóveis. Tinha salário na construtora. Não tinha a função de atrair investidores. Com o afastamento do pai, representava a construtora perante a recuperação judicial, a auditoria e eventuais clientes que a procurassem. Disse ter feito vários depósitos para a vítima, mas não sabe esclarecer se ela recebeu pelo imóvel. GIAN BATTISTA era investidor. O primeiro imóvel que ele comprou da construtora ficou para o filho dele. Os demais ele "comprava" como investidor. Não sabe o que aconteceu no caso dos autos, não sabe o que ele teria conversado com o pai. À fls. 10 quem assina pela construtora é JAIME. À fls. 112, quem assina pela construtora na pa rte "vendedora" é JAIME. O investimento funcionava como um empréstimo. As pessoas colocavam o dinheiro na construtora e recebiam os valores mensais de acordo com a venda que ocorria nos apartamentos. Às fls. 512 e seguintes são rendimentos que eram pagos a GIAN em razão dos investimentos que ele fazia na construtora. À fls. 584 é uma relação de pagamentos feitos para GIAN que figura na lista geral de credores na falência como investidor. Dos vários negócios que ele fez com a construtora, o único imóvel que ele ficou foi o que deu para o filho que mora no imóvel. Era mais filha do que sócia.

A vítima GIAN BATTISTA MASCHERETTI confirmou a compra do imóvel citado na denúncia. Ocorre que depois descobriu que já tinha sido lavrada uma escritura em nome de terceira pessoa, que teria comprado o imóvel um mês depois da compra efetuada pelo ofendido. Disse ter pagado todo o valor cobrado pelo imóvel. Quando da compra, não houve escritura em nome do depoente porque o prédio estava em construção. Celebrou-se apenas um instrumento particular de compromisso de compra e venda. Depois de terminar o pagamento, descobriu no cartório a existência de uma escritura averbada na matrícula, dando conta de que o imóvel havia sido vendido para terceira pessoa. Negociou a compra do imóvel com JAIME ou com MILA ou com os dois. Depois disse que negociou a compra com JAIME. Não se lembra se MILA tratou algo com o imóvel em questão. Contudo, disse já ter comprado outros imóveis da Construtora Atlântica e tratou com ambos. Disse não ter sido ressarcido. Foi atrás da construtora e eles ficavam "empurrando com a barriga" para a entrega do bem até que descobriu a existência da escritura, tendo se deslocado até a Delegacia. Também falava com Nelson que seria genro de JAIME. Disse estar habilitado na falência da Construtora Atlântica .

ROSE LYNDA BODNAR ZOLCSAK disse que adquiriu o imóvel da Construtora Atlântica . Tratou inicialmente com um corretor e, depois, foi até o escritório do imóvel na Construtora. Foi feito um contrato de compromisso de compra e venda, mas a escritura pública foi feita já em nome de LEONOR, não figurando a depoente formalmente, no cartório de registro de imóveis, como proprietária do bem. Disse ter vendido o imóvel assim que ficou pronto para LEONOR. Não teve contato com a vítima GIAN. A Construtora nunca falou nada a respeito de ter vendido o imóvel para mais de uma pessoa. Não se recorda com quem, no escritório da construtora, assinou os documentos. Lembra de uma mulher que disseram ser filha do proprietário. Não se lembra de referida pessoa.

LEONOR MARIA PAPETI DE SOUZA confirmou ter comprado o imóvel através da administradora Carrier Elias . Eles fizeram toda a pesquisa cartorial, não havendo notícia alguma de que referido imóvel já havia sido vendido anteriormente. Disse desconhecer a ré e GIAN. O imóvel pertencia a ROSE. Só no dia em que foi passar a escritura é que esteve com ROSE. Ainda tem o imóvel.

NELSON BANDEIRA MARGARIDO disse que em 2015 foi contratado para encaminhar assuntos relacionados à propositura da ação de recuperação judicial em favor da construtora. A construtora trabalhava com investidores, sendo que a matrícula do imóvel só era individualizada após a construção. As unidades eram negociadas com mutuários ou clientes finais, os destinatários dos imóveis, e outros que eram parceiros da construtora para fomento da atividade, os chamados investidores que eram remunerados com juros, como se fosse um investimento. Esses contratos dos investidores eram simulados, pois as pessoas iam de um contrato para o outro, pois quando o imóvel ficava pronto, não ficavam com ele, migravam para outro contrato e assim por diante. Quando a construtora começou a passar por dificuldades, os investidores começaram a cobrar a entrega dos imóveis, já que não estavam mais recebendo seus rendimentos. Isso foi em um crescente até culminar com a recuperação judicial. A construtora se capitalizava justamente através desses investidores, além de outras fontes de receita como, por exemplo, os clientes finais. Não sabe se GIAN era investidor ou consumidor final. JAIME garantia que iria construir e iria vender. Com o produto da venda, ele remunerava o investidor. Caso desse algo errado, o investidor ficava com o imóvel. MILA trabalhava no administrativo na construtora. Só trabalhou com MILA por 45 dias antes de ingressar da recuperação judicial.

Pois bem.

Trava-se nos autos contenda sobre a natureza da relação jurídica havida entre a vítima e a Construtora, ou seja, se GIAN BATTISTA era investidor ou se era cliente final, ou seja, aquele que busca adquirir o imóvel para uso próprio ou de terceiros.

Contudo, há questão prejudicial à tal contenda.

De início, é preciso saber se a ré teria algum poder de gestão, de ingerência, de administração nos negócios da Construtora, ou seja, junto às vítimas, na parte comercial, pois, em caso negativo, não há que se falar em autoria delitiva em desfavor de MILA .

Além da prova oral produzida nos autos, há que se verificar alguns elementos também trazidos na presente ação penal.

MILA é filha de JAIME.

Nos termos da Ficha Cadastral de fls. 18/22, na data dos fatos, enquanto JAIME tinha valor de participação na empresa no importe de R$ 7.600.000,00 (sete milhões e seiscentos mil reais), MILA tinha valor de participação na empresa de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). É dizer: o capital social de JAIME era 19 vezes maior do que o de sua filha MILA .

Figurou como representante da Construtora , quando da celebração do instrumento particular de compra e venda com a vítima, JAIME.

JAIME e MILA já responderam por outros crimes de estelionato, conforme se depreende das r. sentenças de fls. 693/700 e 701/706. Na ocasião, restou consignado que:

"A bem da verdade, pelo conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório e por tais depoimentos percebe-se que a acusada não praticava, à época dos fatos, atos de gestão na Construtora Atlântica e, portanto, o crime de estelionato não restou comprovado nos autos, uma vez que todas as negociações com as vítimas foram tratadas diretamente com o acusado Jayme, vindo a acusada Mila tomar conhecimento desses contratos singulares após o adoecimento de seu pai, ou seja, em meados de 2015" .

(...)

"Conforme se depreende por todo o exposto, não restou comprovado pelos documentos juntos nem pelos depoimentos prestados em juízo eu a ré Mila tenha obtido vantagem indevida. Também não agiu com dolo preexistente, haja vista que no período compreendido nos contratos em questão, apenas secretariava seu pai, ora corréu Jayme, que capitaneava as negociações da Construtora Atlântica, até mesmo após seu afastamento em 2015" .

"De tal modo, diante dos fatos, é de rigor a absolvição da acusada, devidamente demonstrado não estar à frente dos negócios da empresa (...)" .

Vejamos também:

"Destaca-se primeiramente que, em relação à ré Mila, sua versão de que cuidava apenas da parte administrativa da empresa e que não possuía qualquer relação com a parte comercial foi prontamente confirmada pelo corréu, seu genitor, bem como pelas próprias testemunhas ouvidas, que afirmaram que as negociações comerciais eram realizadas diretamente com Jayme.

(...)

Assim, como, repita-se, a versão da ré Mila foi integralmente confirmada por seu genitor, bem como corroborada com as demais provas colhidas nos autos, que demonstraram não ser a ré a responsável pela gerência e administração dos negócios, de rigor a sua absolvição por falta de provas a incriminá-la" .

Nesse sentido, verifica-se que os elementos são no sentido de que MILA , na verdade, coadjuvava o pai, ou seja, era uma espécie de braço direito, de secretária de luxo, de auxiliar daquele que, de fato - até em razão da posição societária - era quem realmente dirigia a empresa, mormente no que se referia aos negócios envolvendo a compra e venda de imóveis.

Resta-nos saber, por fim, se a prova oral colhida neste processo conseguiu comprovar elementos de autoria em desfavor da ré.

Como seria de se esperar, MILA disse que quem mandava na empresa era seu pai, sendo que ela atuava apenas administrativamente, assessorando-o e o substituindo-o, quando precisasse, para assinar esse ou aquele documento, já que formalmente também figurava como dona da construtora. Disse que quem sempre tratava a área comercial era o pai JAIME. Quanto à vítima, disse que a conhecia, mas que nunca fez qualquer negócio com ela. Disse que não é corretora de imóveis e nunca recebeu comissão pela venda de imóveis. Tinha salário na construtora. Não tinha a função de atrair investidores ou compradores. Terminou dizendo que era mais filha do que sócia.

A vítima GIAN BATTISTA MASCHERETTI disse que negociou a compra do imóvel com JAIME ou com MILA ou com os dois. Depois disse que negociou a compra com JAIME. Não se lembra se MILA tratou algo com o imóvel em questão. Contudo, disse já ter comprado outros imóveis da Construtora Atlântica e tratou com ambos.

ROSE LYNDA BODNAR ZOLCSAK disse que adquiriu o imóvel da Construtora Atlântica . Tratou inicialmente com um corretor e, depois, foi até o escritório do imóvel na construtora. Não se recorda com quem, no escritório da construtora, assinou os documentos. Lembra de uma mulher que disseram ser filha do proprietário. Não se lembra de referida pessoa.

Portanto, depreende-se dos relatos que não restou comprovado estar MILA à frente dos negócios, não tendo sequer a vítima atestado que negociou com ela a compra do bem.

Por fim, há ainda os elementos angariados nos autos que dão conta de a vítima, na verdade, ser investidora, haja vista a quantidade de pagamentos feitos a ela pela Construtora, o valor que ela teria a receber na recuperação judicial e a quantidade de contratos celebrados entre as partes, envolvendo "compra e venda" de imóveis.

Portanto, a improcedência da presente ação penal é medida de rigor.

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO , através do Promotor de Justiça que a presente subscreve, requer a absolvição de MILA SEREBRENIC , pelas razões acima expostas.

São Paulo, 3 de maio de 2022.

H ÉLIO J ORGE G ONÇALVES DE C ARVALHO

18 º P ROMOTOR DE J USTIÇA C RIMINAL

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