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9 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal Superior do Trabalho
há 8 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

2ª Turma

Publicação

Julgamento

Relator

José Roberto Freire Pimenta

Documentos anexos

Inteiro TeorTST_RR_20425820145120006_afcf7.pdf
Inteiro TeorTST_RR_20425820145120006_b2b97.rtf
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Inteiro Teor

A C Ó R D Ã O

2ª Turma

GMJRP/ir/vm/ac

VIGIA. DIREITO AO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE PREVISTO NO ARTIGO 193, INCISO II, DA CLT, INSERIDO PELA LEI Nº 12.740/2012. ATIVIDADE DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL E DE SEGURANÇA DE BENS E DE PESSOAS. APLICAÇÃO IMEDIATA. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO. Discute-se, no caso, o direito ao adicional de periculosidade para empregado que trabalha na função de vigia, tendo em vista o inciso II do artigo 193 da CLT, incluído pela Lei nº 12.740/2012, o qual instituiu o adicional de periculosidade para as atividades que exponham o trabalhador a risco de roubo ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal e patrimonial. Antes do advento da referida Lei, a jurisprudência trabalhista entendia que, por expressa ausência de previsão legal, não seria possível o deferimento do adicional de periculosidade ao vigia, exceto se comprovado, no caso concreto, que o empregado trabalhava nas mesmas condições dos vigilantes estando presentes os mesmos requisitos exigidos pela lei a esses profissionais, tais como, porte de armas e submissão a treinamento específico. A lacuna legal, no entanto, deixou de existir com a introdução do inciso II ao artigo 193 da CLT, que instituiu, expressamente, o direito ao adicional de insalubridade para os trabalhadores expostos a riscos de "roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial". Reconheceu o legislador que os trabalhadores que laboram nessas circunstâncias fazem jus a uma remuneração que compense financeiramente os riscos da atividade, como é o caso, por exemplo, dos vigias e dos vigilantes, sendo, a partir de então, irrelevante a nomenclatura dos cargos ocupados por empregados que laborem nas condições previstas no novo comando da CLT, bem como a utilização ou não de arma em serviço ou a submissão ou não a treinamento específico. Desde que comprovados os requisitos legais para o seu deferimento, vigias e vigilantes tem direito ao adicional de periculosidade, indistintamente, pois a lei não determinou que esse adicional seja pago a uma categoria profissional específica, mas a todos os trabalhadores que, no exercício de suas funções, experimentem risco acentuado em virtude de exposição permanente a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. E não poderia ser diferente, pois o que a lei não fez não é dado ao intérprete fazê-lo. Se os vigilantes, que recebem treinamento adequado e têm porte de armas, estão expostos a perigo, o que se dizer do perigo que enfrentam os vigias, que desprovidos de qualquer instrumento de defesa exercem, cotidianamente, atividade de segurança de bens e de pessoas. Na realidade, essa circunstância o expõe, ainda mais, ao risco acentuado de que trata o artigo 193, inciso II, da CLT. Quando quis se referir a uma categoria específica, a lei o fez, ao introduzir o § 3º ao artigo 193, estabelecendo a possibilidade de serem descontados ou compensados do adicional de periculosidade outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo, como é o caso, por exemplo, do adicional de risco de vida. O que não significa que apenas esses profissionais sejam os destinatários da norma. Tanto é assim, que a NR 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, que regulamenta as atividades e operações perigosas, em seu Anexo 3, aprovado pela Portaria MTE nº 1.885, de 2 de dezembro de 2013, definiu como destinatários da norma outros profissionais não expressamente nela inseridos. Mas, embora a NR 16 faça referência expressa apenas a determinados empregados, entre eles os vigilantes (Lei nº 7.102/1983), não se pode entender que os vigias estejam excluídos do direito, porquanto, a referência aos profissionais citados na norma regulamentadora é meramente exemplificativa e não afasta do seu alcance outros profissionais que exerçam em condições semelhantes atividade sujeita aos perigos de que trata o inciso II do artigo 193 da CLT. Se a lei garante o adicional para aqueles que recebem treinamento adequado e portam armas, tendo capacidade e preparo para se defenderem, quanto mais àqueles que realizam atividade semelhante sem todo esse aparato. Estando-se diante de questão que envolve a segurança dos trabalhadores, direito fundamental insculpido na Constituição Federal de 1988, há que se conferir a máxima efetividade possível ao comando legal. Portanto, o empregado que labora na função de vigia tem direito ao adicional de periculosidade, porque amparado pelo inciso II do artigo 193 da CLT, não havendo, sequer, falar em necessidade de regulamentação da questão pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Embora o artigo 196 da CLT preconize que "os efeitos pecuniários decorrentes do trabalho em condições de insalubridade ou periculosidade serão devidos a contar da data da inclusão da respectiva atividade nos quadros aprovados pelo Ministro do Trabalho", no caso do adicional de periculosidade previsto no artigo 193, inciso II, da CLT, a regulamentação é irrelevante, tendo em vista que esse dispositivo já deixa claro quais empregados fazem jus ao benefício, sendo desnecessário, portanto, que a questão seja esmiuçada por profissionais qualificados a fim de se definir o alcance da norma legal, que, como referido, prescinde de maiores esclarecimentos. Desse modo, a Portaria nº 1.885, de 2/12/2013, expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego não vincula nem limita o direito do empregado abrangido pelo inciso II do artigo 193 da CLT, de forma que o Regional, portanto, ao indeferir o adicional de periculosidade ao reclamante, violou o citado dispositivo.

Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR-XXXXX-58.2014.5.12.0006, em que é Recorrente RONALDO MEDEIROS FERREIRA e Recorrido MUNICÍPIO DE TUBARÃO.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por meio do acórdão de págs. 156-165, deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo Município para excluir da condenação o pagamento de adicional de periculosidade.

Inconformado, o reclamante interpõe recurso de revista, às págs. 168-176, em que pugna pela reforma da decisão regional, com amparo no artigo 896 da CLT.

O recurso de revista foi admitido por meio do despacho exarado às págs. 178 e 179.

Contrarrazões apresentadas às págs. 182-190.

O Ministério Público do Trabalho oficia pelo conhecimento e provimento do recurso de revista.

É o relatório.

V O T O

VIGIA. DIREITO AO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE PREVISTO NO ARTIGO 193, INCISO II, DA CLT INSERIDO PELA LEI Nº 12.740/2012. ATIVIDADE DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL E DE SEGURANÇA DE BENS E DE PESSOAS. APLICAÇÃO IMEDIATA. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO

I - CONHECIMENTO

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo Município para excluir da condenação o pagamento de adicional de periculosidade.

Alicerçou-se nos seguintes fundamentos:

"O autor foi contratado pelo Município recorrente, em XXXXX-07-2009, após aprovação em concurso público, para exercer a função de vigia, pelo regime celetista.

Postula o pagamento do adicional de periculosidade, em face da nova redação do art. 193 da CLT, conferida pela da Lei n. 12. 740/12, nos seguintes termos:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.

§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.

O Juízo de origem julgou parcialmente procedente a demanda sob o fundamento de que o autor desempenhava função relacionada à segurança patrimonial de bem público e que a combinação do art. 193, II da CLT com o item 2, a, do Anexo 3 da NR 16 do MTE confere o direito ao adicional de periculosidade, independentemente de se ativarem como vigilantes ou vigias.

Nos termos do Anexo 3, da NR-16, são consideradas perigosas as atividades ou operações que impliquem em exposição dos profissionais de segurança pessoal ou patrimonial a roubos ou outras espécies de violência física.

Consoante o disposto no item 2, do Anexo 3, da NR-16, são considerados profissionais de segurança pessoal ou patrimonial os trabalhadores que atendam a uma das seguintes condições:

a) empregados das empresas prestadoras de serviço nas atividades de segurança privada ou que integrem serviço orgânico de segurança privada, devidamente registradas e autorizadas pelo Ministério da Justiça, conforme lei 7102/1983 e suas alterações posteriores;

b) empregados que exercem a atividade de segurança patrimonial ou pessoal em instalações metroviárias, ferroviárias, portuárias, rodoviárias, aeroportuárias e de bens públicos, contratados diretamente pela administração pública direta ou indireta.

É incontroverso que o autor exerce a função de vigia. Embora no exercício de sua função seja exigido o desempenho de atividades relacionadas com a guarda do imóvel, entrada e saída de público em geral e demais atividades interrelacionadas, é certo que a fiscalização é exercida de forma não ostensiva e sem a utilização de arma de fogo, o que por si, já minora os riscos advindos da função.

Nesse contexto, a função exercida pelo autor não se insere no conceito de segurança pessoal ou patrimonial referido no Anexo 3, da Portaria n. 1.885/13, que pressupõe a exposição do trabalhador a roubos ou outras espécies de violência física.

A descrição sumária das atividades de porteiros/vigias em geral e dos vigilantes, consoante a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO2, esclarece a diferenciação entre essas atividades nos seguintes termos:

Porteiros/vigias em geral (5174): Fiscalizam a guarda do patrimônio e exercem a observação de fábricas, armazéns, residências, estacionamentos, edifícios públicos, privados e outros estabelecimentos, percorrendo-os sistematicamente e inspecionando suas dependências, para evitar incêndios, entrada de pessoas estranhas e outras anormalidades; controlam fluxo de pessoas, identificando, orientando e encaminhando-as para os lugares desejados; recebem hóspedes em hotéis; acompanham pessoas e mercadorias; fazem manutenções simples nos locais de trabalho.

Vigilantes e guardas de segurança (5173): Vigiam dependências e áreas públicas e privadas com a finalidade de prevenir, controlar e combater delitos como porte ilícito de armas e munições e outras irregularidades; zelam pela segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamentos; recepcionam e controlam a movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito; fiscalizam pessoas, cargas e patrimônio; escoltam pessoas e mercadorias. Controlam objetos e cargas; vigiam parques e reservas florestais, combatendo inclusive focos de incêndio; vigiam presos. Comunicam- se via rádio ou telefone e prestam informações ao público e aos órgãos competentes.

A atividade de vigilante é regulamentada pela Lei n. 7.102/83, que dispõe sobre a"segurança para estabelecimentos financeiros, empresas de vigilância e transporte de valores", estabelecendo em seu art. 16, que para o exercício da profissão de vigilante, o empregado deve preencher, entre outros, o seguinte requisito: ter sido aprovado em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos da Lei.

Ademais, o art. 17 da Lei n. 7.102/83 estabelece que o exercício da função de vigilante requer prévio registro no Departamento da Polícia Federal e o art. 19 assegura ao vigilante porte de arma, quando em serviço.

No caso dos autos, conforme alegado em defesa e não impugnado pelo autor, para o provimento do cargo de vigia não houve a exigência de nenhum curso de formação como o que é imprescindível para o exercício da função de vigilante, nos termos da Lei n. 7.102/83.

Destarte, pelas razões expostas, dou provimento ao recurso do réu para excluir a condenação ao pagamento de adicional de periculosidade e reflexos"(págs. 159-164).

O reclamante pretende, neste recurso de revista, seja restabelecida a sentença pela qual o Município foi condenado ao pagamento do adicional de periculosidade.

Sustenta, para tanto, que, "se o trabalhador é contratado pela Administração Pública diretamente para exercer a função de 'segurança patrimonial' e/ou pessoal a preservação do patrimônio em estabelecimentos públicos ou privados e da incolumidade física das pessoas', tem direito ao percebimento do adicional de insalubridade" (pág. 173).

Indica violação dos artigos 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal e 193, inciso II, da CLT e NR 16, Anexo 3, item 2, letra b. Cita arestos para o cotejo de teses.

Examina-se.

Discute-se, no caso, o direito ao adicional de periculosidade para empregado que trabalha na função de vigia.

A segurança dos trabalhadores bem como o adicional de periculosidade são direitos fundamentais previstos no artigo 7º da Constituição Federal, que determina sejam reduzidos os riscos inerentes ao trabalho (inciso XXII), garante o pagamento de adicionais em casos de atividades penosas, insalubres ou perigosas (inciso XXIII) e ainda atribui ao empregador o dever de arcar com seguro contra acidentes de trabalho (inciso XXVIII).

O direito ao adicional de periculosidade, hoje alçado à categoria de direito constitucional fundamental, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Lei nº 2.573/55, que instituiu o benefício para os empregados que trabalhavam em contato com inflamáveis.

Posteriormente, a Lei nº 5.880/73, diante da reivindicação dos trabalhadores do setor, previu o adicional também para aqueles que laborassem em contato com explosivos e, em 1977, a Lei nº 6.514/77 alterou o artigo 193 da CLT para incluir o adicional de periculosidade previsto nas leis citadas anteriormente. E, para os trabalhadores do setor de energia elétrica, o direito surgiu somente com o advento da Lei nº 7.369/85, regulamentada pelo Decreto nº 93.412/86.

No entanto, o aparecimento de outras atividades e outras profissões dentro das empresas, bem como as mudanças na própria sociedade civil e na condição de trabalho vivenciada diaadia pelos operários em diversos setores, fez surgir, com o passar dos anos, a necessidade de se incluir no rol do artigo 193 da CLT outras categorias de empregados além daqueles que laboram sob exposição a inflamáveis ou explosivos.

Assim é que em 2012 foi promulgada a Lei nº 12.740, que alterou o artigo 193 da CLT para ampliar o rol das atividades consideradas perigosas, atribuindo ao citado dispositivo a seguinte redação:

"Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a :

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo".

E, finalmente, em 2014, a Lei nº 12.997 incluiu o parágrafo quarto ao artigo 193 da CLT, segundo o qual "são também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta".

No caso destes autos, a discussão se limita ao inciso II do artigo 193 da CLT, incluído pela Lei nº 12.740/2012, o qual instituiu o adicional de periculosidade para as atividades que exponham o trabalhador a risco de roubo ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal e patrimonial.

Paira a controvérsia sobre o alcance dessa norma, tendo em vista o fundamento da decisão regional de que "a função exercida pelo autor não se insere no conceito de segurança pessoal ou patrimonial referido no Anexo 3, da Portaria n. 1.185/13, que pressupõe a exposição do trabalhador a roubos ou outras espécies de violência física" (pág. 162).

A discussão, portanto, é se os trabalhadores que laboram como vigia têm ou não direito ao adicional de periculosidade previsto no inciso II do artigo 193.

As divergências, nesse campo, são inúmeras, cumprindo a esta Corte realizar a correta interpretação da norma para que possa ela ser aplicada de forma a produzir os efeitos pretendidos pelo legislador, sem restringir o seu alcance a essa ou àquela categoria profissional.

Antes do advento da Lei nº 12.740/2012, a jurisprudência trabalhista entendia que, por expressa ausência de previsão legal, não seria possível o deferimento do adicional de periculosidade ao vigia, exceto se comprovado, no caso concreto, que o empregado trabalhava nas mesmas condições dos vigilantes estando presentes os mesmos requisitos exigidos pela lei a esses profissionais, tais comom, porte de armas e submissão a treinamento específico.

Nesse sentido, por oportuno, o seguinte precedente da lavra deste Relator:

"VIGIA. ENQUADRAMENTO SINDICAL COMO VIGILANTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NA LEI Nº 7.102/1983. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DA REALIDADE FÁTICA. Discute-se, no caso, a possibilidade de enquadramento do reclamante na categoria profissional dos vigilantes, o qual fora contratado como vigia. O Regional, examinando as provas carreadas aos autos, registrou que o reclamante exercia atividades de segurança privada e vigilância ostensiva de proteção ao patrimônio da empresa, portando arma de fogo e atuando para a repressão de eventuais atividades criminosas. Segundo a Corte de origem, a reclamada submetia empregados seus, que laboravam como vigia, a curso de formação profissional na própria empresa e em outra do mesmo grupo, com o intuído de fornecer-lhes o treinamento equivalente ao exigido pela Lei nº 7.102/1983. Diante do exposto, conclui-se que, no caso dos autos, efetivamente, está-se diante de comprovada fraude à legislação trabalhista e de burla ao regulamento próprio da categoria profissional diferenciada, pois o reclamante fora contratado como vigia mas exercia, na realidade, função de vigilante, cujo regramento legal assegura direitos trabalhistas não alcançados por aqueles que laboram como vigia, aos quais não se exige o cumprimento dos requisitos insertos na Lei dos vigilantes. Dessa maneira, com espeque no princípio da primazia da realidade e da proteção ao trabalhador, não há como afastar o enquadramento do reclamante na categoria diferenciada dos vigilantes, haja vista os fatos narrados pelo Regional, os quais devem prevalecer, como forma de se resguardar os direitos do trabalhador obstados pela reclamada em franca e deliberada inobservância da legislação vigente. Salienta-se que é eminente fática a questão relativa às reais atividades desenvolvidas pelo reclamante, sendo insuscetível e apreciação por esta Corte, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Por outro lado, impende destacar que, se o reclamante não fez o curso legalmente exigido e não foi inscrito no órgão administrativo competente, a culpa disso foi de sua empregadora que, agora, não pode se valer de sua própria torpeza ou incúria para se eximir de suas obrigações. Não podendo permitir que a reclamada, tendo se beneficiado dos serviços por ele prestados, com maior risco à sua integridade física e a de outrem, furte-se ao cumprimento das obrigações legais atinentes à função efetivamente desempenhada pelo empregado, sob seu comando. Recurso de revista não conhecido" ( RR - XXXXX-15.2007.5.04.0541. Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta. Data de julgamento: 11/6/2014. 2ª Turma. Data de publicação: DEJT 20/6/2014)

A lacuna legal, no entanto, deixou de existir com a introdução do inciso II ao artigo 193 da CLT, que instituiu, expressamente, o direito ao adicional de insalubridade para todos os trabalhadores expostos a riscos de "roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial".

Reconheceu o legislador que os trabalhadores que laboram nessas circunstâncias fazem jus a uma remuneração que compense financeiramente os riscos da atividade, como é o caso, por exemplo, dos vigias e dos vigilantes.

De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, agente de portaria, vigia, porteiro, vigia noturno, guariteiro, entre outros, deveriam ser responsáveis apenas pela guarda e fiscalização de patrimônio, desempenhando funções de asseio e conservação e controlando a entrada e o fluxo de pessoas em hotéis, fábricas, armazéns, residências, estacionamentos, edifícios públicos e privados e outros estabelecimentos, sem o uso de armas e independentemente de autorização dos órgãos públicos competentes, o que os diferenciaria da categoria dos vigilantes, regida pela Lei nº 7.102/83.

Entretanto, com o advento da Lei nº 12.740/2012, é irrelevante a nomenclatura dos cargos ocupados por empregados que laborem nas condições previstas no novo comando celetário, bem como a utilização ou não de arma em serviço ou a submissão ou não a treinamento específico.

Desde que comprovados os requisitos legais para o seu deferimento, vigias e vigilantes têm direito ao adicional de periculosidade, indistintamente, pois a lei não determinou que esse adicional seja pago a uma categoria profissional específica, mas a todos os trabalhadores que, no exercício de suas funções, experimentem risco acentuado em virtude de exposição permanente a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

O ilustre Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Sérgio Pinto Martins, examinado a questão em artigo publicado na revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, em fevereiro de 2013, intitulado "O Adicional de Periculosidade e a Lei nº 12.740/2012", entende que a lei não determina que o adicional de periculosidade em razão da exposição a roubos ou outras espécies de violência seja pago apenas aos vigilantes, logo não cabe ao intérprete fazê-lo, ainda mais para reduzir o seu alcance, pois "o intuito do art. 193 da CLT é o de proteger o empregado, não se podendo interpretar a lei desfavoravelmente ao obreiro, de modo a causar-lhe prejuízo" (Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, nº 284, fevereiro/2013, p. 89).

E, de fato, não poderia ser diferente, pois o que a lei não fez não é dado ao intérprete fazê-lo.

Se esses profissionais, que recebem treinamento adequado e têm porte de armas, estão expostos a perigo, o que se dizer do perigo que enfrentam os vigias, que, desprovidos de qualquer instrumento de defesa, exercem, cotidianamente, atividade de segurança de bens e de pessoas. Na realidade, essa circunstância os expõem, ainda mais, ao risco acentuado de que trata o artigo 193, inciso II, da CLT.

Quando quis se referir a uma categoria específica, a lei o fez, ao introduzir o § 3º ao artigo 193 da CLT, estabelecendo a possibilidade de serem descontados ou compensados do adicional de periculosidade outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo, como é o caso, por exemplo, do adicional de risco de vida. O que não significa que apenas esses profissionais sejam os destinatários da norma.

Tanto é assim, que a NR 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, que regulamenta as atividades e operações perigosas, em seu Anexo 3, aprovado pela Portaria MTE nº 1.885, de 2 de dezembro de 2013, estabeleceu:

"2. São considerados profissionais de segurança pessoal ou patrimonial os trabalhadores que atendam a uma das seguintes condições:

a) empregados das empresas prestadoras de serviço nas atividades de segurança privada ou que integrem serviço orgânico de segurança privada, devidamente registradas e autorizadas pelo Ministério da Justiça, conforme lei 7102/1983 e suas alterações posteriores.

b) empregados que exercem a atividade de segurança patrimonial ou pessoal em instalações metroviárias, ferroviárias, portuárias, rodoviárias, aeroportuárias e de bens públicos, contratados diretamente pela administração pública direta ou indireta.

3. As atividades ou operações que expõem os empregados a roubos ou outras espécies de violência física, desde que atendida uma das condições do item 2, são as constantes do quadro abaixo:

ATIVIDADES OU OPERAÇÕES DESCRIÇÃO
Vigilância patrimonial Segurança patrimonial e/ou pessoal na preservação do patrimônio em estabelecimentos públicos ou privados e da incolumidade física de pessoas.
Segurança de eventos Segurança patrimonial e/ou pessoal em espaços públicos ou privados, de uso comum do povo.
Segurança nos transportes coletivos Segurança patrimonial e/ou pessoal nos transportes coletivos e em suas respectivas instalações.
Segurança ambiental e florestal Segurança patrimonial e/ou pessoal em áreas de conservação de fauna, flora natural e de reflorestamento.
Transporte de valores Segurança na execução do serviço de transporte de valores.
Escolta armada Segurança no acompanhamento de qualquer tipo de carga ou de valores.
Segurança pessoal Acompanhamento e proteção da integridade física de pessoa ou de grupos.
Supervisão/fiscalização Operacional Supervisão e/ou fiscalização direta dos locais de trabalho para acompanhamento e orientação dos vigilantes.
Telemonitoramento/telecontrole Execução de controle e/ou monitoramento de locais, através de sistemas eletrônicos de segurança.

Embora a NR 16 faça referência expressa apenas aos empregados vigilantes (Lei nº 7.102/1983), ou empregados que, sendo contratados diretamente pela Administração Pública direta ou indireta, exerçam a atividade de segurança patrimonial ou pessoal em instalações metroviárias, ferroviárias, portuárias, rodoviárias, aeroportuárias e de bens públicos, não se pode entender que o vigias estejam excluídos do direito, porquanto a referência aos profissionais citados na norma regulamentadora é meramente exemplificativa e não afasta do seu alcance outros profissionais que exerçam em condições semelhantes atividade sujeita aos perigos de que trata o inciso II do artigo 193 da CLT.

Não é demais lembrar que o Projeto de Lei nº 1.033/2003, de autoria da Deputada Vanessa Grazziotin, que culminou na edição da Lei nº 12.740/2012, previa a alteração do artigo 193 da CLT para incluir o adicional de periculosidade nos seguintes termos:

"Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de:

I - contato permanente com inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física;

III - acidentes de trânsito; e

IV - acidentes de trabalho".

A proposta do projeto de lei, inicialmente, seria de vinculação o adicional de periculosidade à situação de risco e não a uma categoria específica, ampliando-se as condições objetivas autorizadoras do benefício para, assim, abranger maior número de atividades profissionais.

Entretanto, o Senado Federal entendeu que a redação do projeto era muito abrangente e permitiria a concessão do adicional de periculosidade indistintamente a qualquer empregado que estivesse exposto aos riscos ali relatados, independentemente da profissão exercida, trazendo, assim, repercussões econômicas e financeiras indesejáveis em razão do encarecimento dos custos da prestação de serviços.

Em vista disso, aprovou-se emenda ao Projeto de Lei nº 1.033/2003, restringindo a sua proposta de alteração da redação do art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, instituindo o direito apenas aos trabalhadores expostos a roubos ou outras espécies de violência física "no exercício de atividade de segurança patrimonial de bens e de pessoas".

Contudo, essa restrição veio ainda mais a reforçar o entendimento de que vigias e porteiros (como habitualmente são denominados esses profissionais) também fazem jus ao adicional de periculosidade, na medida em que, se assim não fosse, o legislador teria determinado, expressamente, que o benefício seria devido apenas à categoria dos vigilantes, o que não ocorreu.

Apenas se limitou o direito para que não viesse alcançar qualquer trabalhador, independentemente da atividade exercida, e muitos seriam, de fato, alcançados, já que os riscos de roubo e de violência física hoje atingem qualquer pessoa, independentemente da sua profissão.

No entanto, há trabalhadores que, efetivamente, merecem maior proteção legal, em razão da função exercida, como é o caso dos vigias, porteiros e vigilantes em geral, pois todos esses lidam, diariamente, com segurança patrimonial de bens e de pessoas e estão expostos diretamente a riscos de roubos e outras formas de violência física.

E, como as normas de segurança existentes na empresa não são suficientes para impedir o infortúnio, por motivos alheios à conduta patronal, deve-se assegurar aos empregados submetidos a esses perigos um acréscimo salarial.

Na realidade atual que vive a sociedade brasileira, a lei necessita ser constantemente renovada para se adequar aos anseios dos trabalhadores, a fim de que possa contribuir para a concretização do seu escopo primário que é a pacificação social.

Não se pode negar, diante da notoriedade dos fatos, que, hoje, vigias, assim como os vigilantes, estão de tal maneira expostos a situações de perigo que não cessam de crescer os índices de violência física, inclusive com morte, desses profissionais, especialmente nos grandes centros urbanos, apesar dos inúmeros esforços em se propiciar condições melhores de trabalho e melhoria nos sistemas de segurança de edifícios residenciais ou comerciais e de estabelecimentos em geral onde atuam esses empregados.

Não obstante a diversidade dos fatores que envolvem a questão da segurança das pessoas, a lei deve acompanhar a evolução da sociedade e estar atenta às suas novas necessidades, não podendo a legislação trabalhista se furtar a esse papel.

Não por outra razão é que diversas tem sido as propostas de alteração do artigo 193 da CLT nos últimos anos.

No caso dos vigias, com o crescente número de roubos em condomínios residenciais em todo o país (o chamado arrastão), as empresas prestadoras de serviços e os próprios condomínios tem investido cada vez mais em tecnologias modernas e variadas para se proteger contra a ação de criminosos, muitas vezes bem equipados e fortemente armados.

No entanto, o investimento tecnológico não tem sido suficiente para diminuir os incidentes envolvendo vigias e porteiros, que estão sendo preparados e orientados, inclusive pelas próprias polícias militares, para atuarem em situações de risco, como tem ocorrido no Rio de Janeiro, em que se tem ofertado Curso de Segurança Predial, segundo noticiado pela imprensa.

E é exatamente porque esses profissionais não possuem o preparo necessário para lidar com essas situações, especialmente por não portarem armas, que tem virado alvo da ação dos bandidos.

Se a lei garante o adicional para aqueles que recebem treinamento adequado e portam armas, tendo capacidade e preparo para se defenderem, quanto mais àqueles que realizam atividade semelhante sem todo esse aparato.

Por outro lado, não se pode alegar questões econômicas e financeiras para negar o direito aos vigias.

Estando-se diante de questão que envolve a segurança dos trabalhadores, direito fundamental insculpido na Constituição Federal de 1988, há que se conferir a máxima efetividade possível ao comando legal, tendo em vista sua proteção pelas normas internacionais, especialmente a Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho, que, no seu artigo 21, preceitua que "as medidas de segurança e higiene do trabalho não deverão implicar nenhum ônus financeiro para os trabalhadores".

Logo, os riscos da atividade econômica não podem ser divididos com a categoria profissional, tampouco serem invocados como fundamento para a não concretização do direito.

O julgador não se deve pautar em consequências meramente financeiras e econômicas para excluir da proteção legal um bem jurídico, tendo em vista que, na interpretação do direito, isso deve ser adotado apenas de maneira absolutamente excepcional.

Portanto, o empregado que labora na função de vigia tem direito ao adicional de periculosidade porque amparado pelo inciso II do artigo 193 da CLT, não havendo, sequer, falar em necessidade de regulamentação da questão pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Embora o artigo 196 da CLT preconize que "os efeitos pecuniários decorrentes do trabalho em condições de insalubridade ou periculosidade serão devidos a contar da data da inclusão da respectiva atividade nos quadros aprovados pelo Ministro do Trabalho", no caso do adicional de periculosidade previsto no artigo 193, inciso II, da CLT a regulamentação, é irrelevante, tendo em vista que esse dispositivo já deixa claro quais empregados fazem jus ao benefício, isto é, aqueles que desempenham atividades de segurança pessoal e patrimonial, o que abrange, indubitavelmente, os vigias, sendo desnecessário, portanto, que a questão seja esmiuçada por profissionais qualificados a fim de se definir o alcance da norma legal, que, como referido, prescinde de maiores esclarecimentos.

Desse modo, a Portaria nº 1885, de 2/12/13, expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego não vincula nem limita o direito do empregado abrangido pelo inciso II do artigo 193 da CLT, a qual condiciona o direito apenas nos casos de outros profissionais alcançados pela lei, mas não inseridos nela diretamente, como é o caso dos profissionais de que trata a letra b do item 2 do Anexo 3 da NR 16, aprovada pela referida Portaria.

Além disso, a concessão do adicional em questão independe da realização de perícia técnica, pois o perigo e o risco de infortúnio é inerente à atividade, não sendo possível conceber que o expert pudesse, com base em uma inspeção no local de trabalho, aferir a existência ou não do risco a que o empregado está exposto, tendo em vista que roubos, assaltos e violências físicas em geral não tem hora certa para acontecer, não se podendo imaginar que o perito pudesse distinguir qual ou quais empregados, no caso concreto, estão ou não expostos ao risco.

Por outro lado, trata-se de um agente de perigo instantâneo, que, numa única exposição do trabalhador, pode lhe acarretar danos à integridade física ou mesmo lhe ceifar a vida, o que afasta, de plano, suposta submissão do adicional em questão aos preceitos do artigo 194 da CLT.

Logo, o adicional de periculosidade aos vigias é devido independentemente de realização de perícia técnica ou de regulamentação, sendo imediata a aplicação do artigo 193, inciso II, da CLT em casos como o destes autos.

O Regional, portanto, ao indeferir o adicional de periculosidade ao reclamante, violou o citado dispositivo.

Conheço por violação do artigo 193, inciso II, da CLT.

II - MÉRITO

Como consequência do conhecimento do recurso de revista por violação do artigo 193, inciso II, da CLT, dou-lhe provimento para restabelecer a sentença pela qual se condenou o Município ao pagamento do adicional de periculosidade e reflexos desde a data da publicação da Lei nº 12.740/2012.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista violação do art. 193 inc. II, da CLT e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença pela qual se condenou o Município ao pagamento do adicional de periculosidade e reflexos desde a data da publicação da Lei nº 12.740/2012.

Brasília, 25 de novembro de 2015.

Firmado por assinatura digital (MP XXXXX-2/2001)

JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA

Ministro Relator


fls.

PROCESSO Nº TST- RR-XXXXX-58.2014.5.12.0006



Firmado por assinatura digital em 26/11/2015 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.


Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/263983147/inteiro-teor-263983168

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