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16 de Junho de 2024
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    A Relação de Emprego, Relação de Trabalho e o Regime Consumerista para a Fixação da Competência da Justiça do Trabalho - Michele Goebel Pillon

    há 15 anos

    Como citar este artigo: PILLON, Michele Goebel. A Relação de Emprego, Relação de Trabalho e o Regime Consumerista para a Fixação da Competência da Justiça do Trabalho. Disponível em http://www.lfg.com.br. 23 de junho de 2009.

    A Justiça do Trabalho foi criada pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1934 (art. 122), sendo instalada em 1º de maio de 1941, como órgão vinculado ao Ministério do Trabalho. É com a Constituição de 1946 que passa a integrar o Poder Judiciário (art. 94, inciso V). Historicamente a Justiça do Trabalho caracterizava-se pela representação dos trabalhadores na composição dos órgãos de julgamento, o que a doutrina nominava de organização paritária dos tribunais trabalhistas[ 1 ].

    Com advento da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional (EC) nº. 24 /99, a Justiça do Trabalho era composta por juízes togados e representantes dos trabalhadores e dos empregadores, os chamados juízes classistas. Nesse passo, a justiça de primeiro grau era representada pelas Juntas de Conciliação e Julgamento. Os juízes classistas integravam também os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho. Após a EC nº 24 /99 as antigas juntas da Justiça do Trabalho foram substituídas pelas varas trabalhistas, nas quais a jurisdição é exercida por juiz singular do Trabalho, conforme art. 116 da Carta Magna .

    A EC nº. 45 /2004 trouxe muitas modificações no ordenamento jurídico brasileiro. No âmbito da Justiça do Trabalho ocorreram profundas modificações, dentre as quais podemos citar: a reformulação do número de ministros do TST que passou a ser composto por 27 membros, a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho (ENAMAT), bem como a importante e profunda alteração na competência da Justiça do Trabalho.

    Nesse diapasão, nos termos do art. 114 CF/88 introduzido pela EC nº. 45 /04, ao lado das tradicionais atribuições concernentes às ações oriundas das relações de emprego, o dissídio coletivo de natureza econômica, as ações sobre representação sindical, e as ações que envolvam o direito de greve, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada com o reconhecimento para processar e julgar as ações oriundas da "relação de Trabalho".

    Diante da ampliação da competência há que se fazer a diferença entre relação de emprego, que é espécie, e relação de trabalho, que é gênero. Segundo Ives Gandra Martins Filho, incluiu-se no rol das modalidades de relação de trabalho (gênero) as relativas ao trabalhador: empregado, eventual, autônomo, avulso, mandatário, comissário, agente/distribuidor, corretor, transportador, gestor de negócios, empreiteiro, aprendiz, temporário, doméstico, rural, cooperado, voluntário, estagiário e parceiro[ 2 ] .

    Nesse sentido, consoante Agostinho Zechin Pereira[ 3 ] , relação de trabalho pressupõe uma vinculação entre dois sujeitos tendo por objeto a prestação de um serviço, ou seja, é lide que resulta de labor pessoal, embora autônomo, já relação de emprego envolve apenas o trabalho subordinado, sendo a última uma das espécies da primeira. Desse modo, hoje, o trabalhador autônomo, embora não empregado mas que manteve relação de trabalho lato sensu , para postular o cumprimento do contrato autônomo (lei de representação comercial), pode tanto pleitear o reconhecimento de emprego (férias, décimo terceiro, horas extras) como requerer somente as comissões, sem reconhecimento de vínculo empregatício, o que antes era tarefa da Justiça Estadual.

    No entanto, a competência da Justiça do Trabalho ampliada para relação de trabalho não se confunde e não abarca a relação contratual de consumo, regulada pelo Código de Defesa do Consumidor , Lei 8.078 /90, já que no direito do consumidor o tomador do serviço, aquele que recebe os serviços, está atuando como destinatário final do serviço, e não como um viabilizador do serviço. Assim, na relação entre paciente e médico para fazer cirurgia plástica há uma prestação de serviço, mas com caráter de consumo. No entanto, o hospital que contra os serviços do médico, não como seu destinatário final, mas para viabilizar seu negócio é relação de trabalho.

    Portanto, na mesma linha, Agostinho afirma que existem relações de trabalho de natureza trabalhista e relações de trabalho inseridas nas relações de consumo. Apesar de reconhecer certa semelhança entre elas, tais relações não se confundem, apresentando distinções marcantes.

    Há dois critérios de diferenciação:

    a) distinguir se o tomador do trabalho contrata o prestador de serviço para viabilizar sua empresa e oferecer seu produto/serviço ao consumidor (relação de trabalho); ou contrata exclusivamente para usufruir do serviço como destinatário final (relação de consumo - art. , CDC);

    b) identificar se o contratado é um fornecedor de serviço ao público em geral (relação de consumo) ou de caráter personalíssimo com dependência econômica para com o seu contratante (relação de trabalho).

    Portanto, na relação de consumo tem prestação de serviço e comercialização de produtos com competência da Justiça Comum, diversamente da relação de trabalho julgada na Justiça do Trabalho, sob pena de criar aplicação conflituosa dos princípios: in dubio pro operário e in dubio pro consumidor, além de violar a lei e a Constituição que fixam as competências materiais, que não são suscetíveis de cindibilidade.

    A expressão "relação de trabalho" trazida pelo novo art. 114 , I , da CF também trouxe celeuma quanto à inclusão na competência trabalhista da relação entre servidores e os entes públicos, ocasionando o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.395 , movida pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE). Tal ação visou o combate à nova regra que supriu a autonomia da Justiça Federal para julgar ações envolvendo as relações do trabalho entre servidores estatutários.

    O Supremo Tribunal Federal, em referendo a liminar do Ministro Nelson Jobim, suspendeu toda e qualquer interpretação dada ao inciso I , do art. 114 , da Constituição Federal na redação trazida pela EC nº. 45 que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a eles vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Imperioso destacar, ainda, que se reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações de indenização por dano moral e material decorrente da relação de trabalho, inclusive acidente do trabalho, dentre tantos outros casos, anteriormente processadas perante a justiça comum e que são motivos de discussão sobre a competência, em virtude da existência ou não de coisa julgada sobre a matéria que era tratada antes da vigência das modificações trazidas pela EC nº 45 /04. Para exemplificar a presente discussão, cita-se o REsp 926379/SP , Relatora Ministra Nancy Andrighi, cuja ementa ilustra o debate ora trazido[ 4 ] .

    Isto posto, a EC nº. 45 /04 não fixou a competência material da Justiça do Trabalho apenas à lide da relação jurídica de emprego, mas advinda da relação de trabalho entendida como além dos conflitos emergentes de uma relação de emprego/subordinada, também toda lide advinda dos contratos de atividade em geral que se cuide de prestação pessoal de serviço a outrem (excluída o caráter de relação de consumo), mas com a ressalva de que a lide que envolva servidor público e Administração Pública deva pelo menos a priori ficar de fora, ante a liminar referenda pelo do STF na ADI 3.395- 6[ 5 ] .

    Notas de Rodapé:

    1. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 974-976.

    2. FILHO, Ives Gandra Martins. Manual esquemático de direito e processo do trabalho. 14º Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 41-43.

    3. PEREIRA, Agostinho Zechin. A nova competência da Justiça do Trabalho. Material da 1ª aula da disciplina Processo Trabalhista: Grandes Transformações, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual: Grandes Transformações - UNIDERP/REDE LFG, pág. 3-4.

    4. Processual civil. Recurso especial. Ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes de doença do trabalho. EC 45 /2004. Competência absoluta firmada pela Constituição Federal . Inexistência de sentença de mérito. Decisão do Tribunal local transitada em julgado. Alteração do entendimento do STF e do STJ. Competência da Justiça do Trabalho. - Com a Emenda Constitucional 45 /2004, a competência para julgamento de ações indenizatórias decorrentes de acidente ou doença do trabalho passou para a Justiça Trabalhista, exceto nos casos onde exista sentença de mérito proferida pela Justiça Comum; - Na espécie, a competência absoluta da Justiça do Trabalho, firmada pela própria Constituição Federal , não pode ser afastada por decisão da Justiça paulista em sede de agravo de instrumento ou por pedido das partes; - A decisão não recorrida do Tribunal local sobre a competência não impede o envio dos autos à Justiça do Trabalho, em especial pela inexistência de sentencia de mérito. Recurso especial não conhecido.

    5. DALAZEN, João Oreste. A Reforma do Judiciário e os novos marcos da competência material da Justiça do Trabalho. In: Revista LTR, vol. 69, nº 03, março de 2005. Material da 1ª aula da Disciplina Processo Trabalhista: Grandes Transformações, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual: Grandes Transformações - UNIDERP/REDE LFG, pág. 2-9.

    Bibliografia:

    1. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

    2. FILHO, Ives Granda Martins. Manual esquemático de direito e processo do trabalho. 14º Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

    3. PEREIRA, Agostinho Zechin. A nova competência da Justiça do Trabalho. Material da 1ª aula da disciplina Processo Trabalhista: Grandes Transformações, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual: Grandes Transformações - UNIDERP/REDE LFG.

    4. DALAZEN, João Oreste. A Reforma do Judiciário e os novos marcos da competência material da Justiça do Trabalho. In: Revista LTR, vol. 69, nº 03, março de 2005. Material da 1ª aula da Disciplina Processo Trabalhista: Grandes Transformações, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual: Grandes Transformações - UNIERP/REDE LFG.

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