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17 de Junho de 2024

Artigo - Paternidade socioafetiva e sua Eficácia Existencial - Por Priscilla Xavier Franco

Poucos ramos do conhecimento jurídico foram tão afetados pelas mudanças culturais, como o direito de família, conceito de família vem sendo amplamente alargado ao ser aplicado pelos tribunais brasileiros.

Desta maneira, o Estado vem intervindo na vida privada, para amparar e proteger os grupos vulneráveis, como por exemplo, crianças e adolescentes.

Desta forma, a dignidade da pessoa humana, igualdade entre filhos, prevalência do interesse dos filhos, paternidade e maternidade responsável, família plural, afeto, e solidariedade, apresentam-se ao direito de família, como valores e fundamentos que devem nortea-lo.

Surge um novo conceito de família, e junto a ela sentimentos antes não existentes passam a figurar no direito como forma predominante nas relações familiares, outrora, marcadas pelos traços de amor, carinho, respeito, zelo e comunhão.

A Constituição Federal de 1988 suprimiu com todas as formas descriminatórias referentes aos filhos filhos; e elevou a família em posição de notoriedade.

Em meio a revolução ocorrida nos lares brasileiros, onde a família não é mais como no modelo clássico, qual seja, formadas por pai, mãe e filhos, mas sim as compostas por pessoas unidas por laços afetivos, e independentes do vínculo biológico.

Indubitávelmente o afeto é o formador da família contemporânea. Nos últimos anos os tribunais tem firmado decisões no sentido de atender não somente as necessidades materiais, bem como, as de afeto e cuidado com as crianças e adolescentes.

Na nova definição de paternidade pai ou mãe não é apenas a pessoa que gera, ou seja aquele que tem vínculo biológico com o filho; mas é antes de tudo, a pessoa que cria, educa, dá carinho, proteção, dignidade, e exerce as funções próprias de pai e mãe, no que se refere ao atendimento do melhor interesse da criança.

Salienta-se que o afeto é fruto de dedicação diária ao outro. A família é a base da sociedade, e cumpre ao Estado o primordial papel de zelar por ela, quando somente os "restos de amor" adentram as portas dos tribunais.

As relações paterno-filiais pressupõem deveres e obrigações, dentre eles, destaca-se a responsabilidade.

A afetividade é marcada por uma relação contínua e marcado por traços de afeto e dedicação.

Sendo assim, é inconcebível que um pai que sempre manteve com o filho a relação paternal simplesmente deixe de querer ser pai em decorrência do fim de laços afetivos com a genitora.

Etimologicamente, a expressão família possui significado de servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão, este conceito não exprime a concepção atual de família, servindo apenas para demonstrar a ideia de agrupamento.

Com o passar dos tempos,o conceito de família mudou significativamente, assumindo nos dias atuais uma forma múltipla.

Anteriormente, era tratada como um grupo de pessoas ligados por laços de descendência à partir de um ancestral comum, assim, o termo confundia-se facilmente com clã.

Dentro de uma família existia sempre a existência do vínculo de parentesco, e os seus membros compartilhavam o mesmo sobrenome.

ao longo dos tempos a família se transformou devido a influências advindas das mudanças religiosas, econômicas, sócio-culturais e o contexto da época da qual se encontre inserida.

Até hoje os dicionários definem a expressão "família" como o conjunto de pessoas ligadas entre si pelo matrimônio ou pelo parentesco.

O direito civil contemporâneo, amplia este conceito ao considerar que uma unidade familiar é o grupo de pessoas unidadas com a finalidade de convívio familiar, em qualquer de suas modalidades.

Desta maneira,o matrimônio deixa de ser elemento definidor da existência ou não de uma unidade familiar.

A promulgação da Carta Constitucional de 1988, foi o grande março da transição de paradigmas relativos à família.

A partir dela, foi possível o reconhecimento do vínculo afetivo como principal elemento de união entre as pessoas.

Sem dúvidas, o afeto é o ponto crucial para o reconhecimento das mais complexas relações familiares existentes na atualidade.

Na família patriarcal e matrimonializada não existia espaço para o afeto, as pessoas eram ligadas por laços contratuais e biológicos, sendo que este último só seria reconhecido em decorrência do vínculo do casamento que manteve-se indissolúvel até a promulgação da Lei do Divórcio em 1977.

Obviamente as passo das transformações culturais, o matrimônio deixou de ser soberano para a determinação de uma unidade familiar.

Estão presentes na atualidade multifacetadas formas de arranjos familiares, as famílias matrimonializadas,informais,homoafetivas,monoparentais,eudemonistas, entre outras.

Com isso, atualmente reconhece-se as diversas familias existentes baseando-se unicamente em um elemento: o afeto, grande norteador do direito de família contemporâneo.

Observa-se que parte da doutrina adota a expressão Direito das Famílias, traçando desta maneira um ensinamento mais condizentes com a realidade social, onde não se é mais possível falar em um padrão de família.

Evidentemente estas transformações foram ocorrendo de forma paulatina, e em decorrência do avanço socio-cultural.

A legisçação avança à medida que a sociedade lança novos desafios, trata-se de um ciclo infindável de acontecimentos.

Visando atender os anseios sociais, a ciência jurídica busca a construção de um direito de família mais adequado à família moderna.

A Carta Magna permitiu que fosse dado um passo importante rumo a efetivação dos princípios da igualdade, dignidade e afetividade.

Existiu por parte do constituinte, uma evidente preocupação com a preservação e proteção da família.

São exemplos desta afirmativa, a Lei 11.340/2006, intitulada como Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir violência doméstica e familiar contra a mulher; ou o Projeto de Lei 2.285/2007, versado por Estatuto das Famílias, que dispõe entre as suas propostas positivar o direito de família mais adequado às necessidades e a realidade da sociedade contemporânea.

Tramitando no Congresso Nacional deste 2007, possui como principal elemento a busca de soluções para as demandas familiares, a partir dos novos valores jurídicos como afeto, cuidado, solidariedade e a pluralidade.

Ou ainda, o Projeto de Lei 700/2007 que caracteriza o abandono moral dos filhos pelos pais como ilícito civil e penal,em síntese, o projeto busca a modificação da Lei 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao acrescentar-lhe a obrigação parental de assistência moral que permita o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da criança.

Também a Lei 11.804/2008, que disciplinou a respeito do direito de receber alimentos no estado gestacional.

Todas as citadas evidenciam as mudanças ocorridas, assim como, a necessidade de que a ciência jurídica esteja preparada para amparar as demandas oriundas delas.

O conceito de família atravessa o tempo, não sendo possível atualmente determina-la conforme a presença ou não de algum elemento. Diante da nova roupagem, assumida pelo direito de família, o afeto surge como definidor das relações familiares.

O código civil brasileiro, em seu artigo Art. 1.593, reconhece o parentesco oriundo das relações de afeto.

Também é este o entendimento encontrado no já mencionado Projeto de Lei 2.285/2007, que aduz em um de seus artigos que é protegida como família toda comunidade de vida, instituída com a finalidade de convivência familiar, em qualquer de suas modalidades.

Diante deste prisma, é percebível que o referido projeto de Lei busca preencher qualquer lacuna ainda deixada pelo código civil atual, no que se refere ao reconhecimento das diversidades familiares oriundas da afetividade.

O modelo pretérito da família saiu de cena e abriu espaço para as famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas e pluralizadas.

O que permite reconhecer a necessidade de flexibilização das normas, de modo que se ampare essas transformações e acabe com todas as possíveis formas de violação ao principio da dignidade da pessoa humana.

A família de uma forma geral passou por profunda transformação, e a filiação talvez seja a principal causa desta, pois a forma descriminatoria na qual a Lei civil de 1916, tratava os filhos concebidos de relações não matrimonializadas, não encontrou espaço no mundo globalizado e em constantes mudanças como o atual.

E esta necessária mudança, talvez tenha sido a pedra desencadeadora da avalanche ocorrida no âmbito do direito de família brasileiro.

Assim, reconheceu-se a família formada tanto pelo afeto quanto por laços consaguineos, não lhes sobrepondo valores diferenciadores.

Foi reconhecida a necessidade de perceber, compreender e proteger as variantes da estrutura familiar.

Dentre os vários organismos sociais, nenhum outro possui tanta relevância quanto à família, pois é nela que as pessoas se reconhecem como seres humanos, e vivenciam as mais diversificadas experiências, é com ela e à partir dela que cada indíviduo busca a realização pessoal.

Para esta nova organização familiar, o afeto é apontado como principal fundamento das relações familiares, pois quebra paradgimas e traz a concepção de acordo com o contexto social da época.

A família contemporânea exsurge como espelho das transformações sociais ocorridas.

O conceito de família é definido conforme o momento vivenciado, sendo diferentemente definido por cada povo.

Primitivamente, o homem era subordinado à natureza, neste período não existia relacionamento afetivo entre homem e mulher, sendo que, o intuito era somente a sobrevivência.

Os primeiros agrupamentos humanos foram formados de maneira natural e espontânea, existia a presença da promiscuidade sexual, e era ausente a hierarquia ou comando institucionalizado.

Com o evoluir do tempo esses grupos passaram a constituir moradas e viverem numa espécie de sociedade rural; onde através da agricultura, caça e pesca garantia-se a sobrevivência da espécie.

Assim sendo, o maior número de pessoas significava uma maior força de trabalho, e logo, melhores condições de vida para todo o grupo.

Nos relacionamentos não se conhecia sentimentos profundos, as relações sexuais e a futura procriação eram atos meramente intuitivos em razão do próprio instinto.

Essa situação perdurou por longo tempo. Com a chegada dos colonizadores portugueses no Brasil, introduziu-se aqui, a cultura européia, fortemente marcada pelo aspecto religioso, político e social.

A influência cristã, trazida da pátria portuguesa constitui elemento determinante na constituição de regras e modo de vida dos cidadãos.

A república portuguesa trouxe para o Brasil diversos costumes e tradições, alguns ainda hoje presentes na cultura do país.

Dentre eles, as leis e as imposições sacras advindas daquele Estado-Eclesiático.

A cultura européia traçou pontos diversos na historia do povo brasileiro: os senhores de engenho, a prática da escravatura, a vida em verdadeiros feudos e um rigor social e moral nas famílias.

O contexto social experimentado na atualidade jamais poderia ser vivenciado por civilizações passadas.

O direito brasileiro tem sua origem no sistema jurídico romano, e cumpre demonstrar que no direito romano a família era fundada na autoridade de um chefe, a família patriarcal, e este era soberano.

O chefe possuía o pater família, que em outras palavras representa dizer que ele exercia pleno poder sobre os demais membros da família. Impedindo que qualquer ato pudesse ser realizado sem a sua aprovação.

A mulher da época era totalmente submissa ao homem, e sua função resumia-se em cuidados com o lar e com os filhos. Jamais se poderia imaginá-la em situação igualitária ao homem, pois desde o nascimento reconhecia-se como sendo um ser submisso, primeiro devendo respeitar a autoridade do pai, posteriormente também ao marido.

Essa família era extremamente hierarquizada e patrimonialista, e neste cenário não existia lugar para o afeto.

Com o passar do tempo esse modelo patriarcal teve suas estruturas abaladas, e com a Revolução Industrial esse modelo desapareceu, pois como havia a necessidade do aumento da mão de obra, foi necessário abrir os portões das grandes indústrias para a população feminina, assim, o homem deixa de ser a única fonte de renda da família.

Aos poucos, as famílias migraram para os centros urbanos e passaram a viver em ambientes menores, o que causou a aproximação dos seus membros. Este seria, portanto, o inicio da abertura para o afeto no núcleo da família.

Historicamente uma sucessão e acontecimentos ocorreram; a mulher cada vez mais ganhou o mercado de trabalho, o aumento crescente da industrialização, a urbanização, a disseminação dos métodos contraceptivos, o avanço tecnológico e medicinal, e etc.

As uniões sem o vínculo matrimonial foram gradativamente sendo incorporados na sociedade, ao passo que foram nascendo as famílias conduzidas unicamente por filhos e um dos genitores (monoparental), o avanço da biogenética foi permitindo que as mulheres escolham quando serem mães, e ao que nunca poderia se imaginar na época patriarcal, sem a necessidade de ter um homem como companheiro, exemplo disso é a inseminação artificial e bancos de sêmen.

Assim, o modelo legal codificado tornou-se ultrapassado frente a uma sociedade em constante mutação.

Os movimentos históricos sucedidos incorporaram à ciência jurídica novos valores, abordando um paradigma de solidariedade.

De modo que, pouco a pouco, a Lei passou a perder a sua supremacia, nascendo então à necessidade de lançar mão dos princípios do direito para aplicar as normas no contexto atual.

A transição do modelo patriarcal para o modelo Constitucionalizado ocorreu de forma lenta, porém fundada nos ideais de cooperação e solidariedade.

Desta forma, surgiu a família eudemonista, ou seja, a família fundada na realização pessoal de seus membros, onde estes se encontram ligados por laços afetivos, de comunhão de vida e afeto.

O afeto invade a ciência jurídica, apresentando-lhe uma visão sociológica e psicológica.

Ao par das transformações ocorridas houve o avanço da constitucionalização do Direito de Família no Brasil.

A promulgação da Carta Magna constitui março revolucionário para o direito de família brasileiro, o conceito compreendido entre o período de 1916 e 1988, era exageradamente patrimonialista e discriminatório, nada atento ao respeito, dignidade e a pessoa dos filhos.

No modelo defendido a época reinava a prevalecia de vontade do pai, marido e chefe da família, independentemente da vontade dos filhos e esposa, exemplo disto, é o artigo 233 do código civil de 1916, que pontuava que o chefe da família era o marido, ou ainda o artigo 185 e 186 do também citado código que completa o raciocínio ao declarar que para que os filhos menores de 21 anos pudessem se casar, era necessário o consentimento de ambos os pais, e na discordância destes, prevaleceria a vontade paterna.

Enaltece dos referidos artigos, bem como de toda a legislação civil anterior, a posição privilegiada que o homem ocupava no seio familiar.

Extremamente conservador, o código civil de 1916, era dogmático, além de ser injusto com a figura do filho nascido fora dos laços matrimoniais, pois era visto como fruto de um erro, e, portanto, não merecedor de cuidado, zelo e carinho. Não podendo sequer receber o reconhecimento de sua origem genética.

Exemplo da intolerância do legislador de 1916 com a figura do filho gerado fora do vinculo matrimonial, é o artigo 358 da mencionada Lei, que vedava expressamente o reconhecimento dos filhos incestuosos e adulterinos.

As modificações sociais emergiam ao passo que o sistema fechado da Lei 3.071 de 1916, antigo código civil brasileiro, impedia que estivessem amparadas.

O fenômeno de "constitucionalização" do Direito Civil trouxe profundas transformações para os operadores do direito, devendo o jurista contemporâneo interpretar o código civil segundo a constituição, e não o inverso.

A sociedade conquistou e continua conquistando diariamente a releitura do direito de família, onde a filiação ilegítima é hoje inoperante no ordenamento jurídico, a mulher não é mais submissa ao homem, o ser humano é o centro de toda relação, o casal permanece unido por laços de amor e companheirismo, reconhece-se e protege-se a família pluralizada.

De toda sorte, não faltam nos tribunais brasileiros decisões que contemplem a paternidade responsável e atenta ao melhor interesse do filho.

Deste modo, o relacionamento atual entre pais e filhos, nem de longe se aproxima do existente nas civilizações passadas.

Ao passo que na atualidade abriu-se espaço para que o amor fosse vivenciado no relacionamento paterno-filial, findou-se com o autoritarismo. A consangüinidade não é mais determinante no reconhecimento da paternidade, desta maneira abre-se espaço para que o afeto seja vivenciado em toda sua plenitude nos relacionamentos familiares.

O pai idealizado pela Lex Maior constrói diaadia o vínculo sólido e verdadeiro com o filho, atendo ao bem estar e felicidade deste.

A filiação determinada pela norma Constitucional apóia-se na afetividade, estes somados a outros princípios Constitucionais refletem a verdadeira paternidade.

Logo, é o afeto surge como elemento propulsor e determinante da verdadeira relação familiar.

Anteriormente reconhecia-se a família unicamente pelos laços matrimoniais, esta era a família reconhecida como legitima. O casamento tinha como pressuposto a virgindade da mulher, de forma que se não fosse, poderia o marido anular o casamento por erro essencial sobre a pessoa.

Eram as famílias formadas pelo modelo fechado da época, ou seja, por pai, mãe e filhos, e em alguns casos por ascendentes também.

Aos filhos cabia respeitar a decisão do pai e chefe da família. O pátrio poder era exercido plenamente. Neste cenário, evidentemente as pessoas não eram tão puritanas como o conceito da época, em decorrência disto, surgiam outros núcleos familiares, e estes não se enquadravam ao modelo convencional, ou seja, o legitimo. Daí receberem a classificação de ilegítima.

Neste contexto, os que não se enquadravam no perfil definido pelo código de 1916, estavam à mercê, ou seja, eram marginalizados e recebiam tratamento diferenciado.

Sequer os filhos eram poupados. O código civil de 1916 era alicerçado em um modelo matrimonializado, o que dava proteção somente aos filhos havidos do casamento.

Sendo todos os demais não merecedores de proteção, uma vez que na concepção da época era um afronte aos costumes.

Dos relacionamentos homem e mulher surgiam dois tipos de filhos: os legítimos, nascidos de um relacionamento onde pai e mãe eram casados. E ilegítimos, ou seja, havidos fora do casamento.

Assim, subdividiam-se em outras classificações discriminatórias, as quais não serão abordadas individualmente, pois no sistema esboçado à época, os filhos ilegítimos concebidos de qualquer forma que não pelo matrimônio não recebiam reconhecimento algum, desta forma não tendo a condição legal de filho reconhecida.

Desta maneira é perceptível como só o casamento era capaz de dar legitimidade a uma família.

As demais situações deveriam ser mantidas à margem da sociedade.

A Constituição Federal de 1988 trouxe junto a todas as mudanças decorrentes no direito de família a igualdade como valor maior e fundamental de todo convívio familiar.

A partir do tratamento igualitário entre homem e mulher e o reconhecimento unificado dos filhos, permitiu-se posicionar a família em posição de destaque e como centro das atenções no campo do direito de família.

Atualmente os integrantes do grupo familiar são reconhecidos pelo que representam para aquele grupo, fazendo-se valer pelos anseios, objetivos e comunhão plena entre eles. Tendo como principal foco o desejo de permanecerem unidos independentemente de ligação genética.

O direito de família da atualidade não possui mais por objeto à família legítima, uma vez que, nos dias atuais não existe mais esta diferenciação, deste modo as etiquetas colocadas nos filhos como outrora, ficaram no passado.

Deste modo, a Constituição Federal reconheceu outras formas de arrojos familiares, aplicou o principio da isonomia entre os cônjuges, igualou e proibiu qualquer forma de discriminação referente aos filhos.

Imagina-se que o Texto Constitucional tenha procurado corrigir uma situação fática, anteriormente vivenciada pelos filhos concebidos à margem do matrimônio, que por diversos momentos teve ferida a sua dignidade.

O atual código civil procurou atualizar os aspectos essenciais pertinentes à família, adequando-se às diretrizes constitucionais.

É no âmbito familiar que suscedem os fatos elementares da vida do ser humano, desde o seu nascimento até a morte.

É na família que acontecem os aspectos naturais, psicológicos, biológicos e filosóficos, além dos fenômenos sociais e culturais mais importantes da vida do ser humano; é neste ambito familiar que o ser se reconhece como pessoa e forma a sua personalidade.

É também neste ambiente é que almeja-se encontrar a tão sonhada felicidade.

Na pós modernidade, a família abandona o caráter natural e reconhece elos de ligação mais fortes dos que o do DNA; são os elos do amor, compreenção, zelo, carinho, companheirismo e respeito.

A família consiste na base de formação da sociedade, esta por sua vez redesenha diaadia o retrato da família contemporânea: marcada por relações complexas, plurais, abertas e multifacetarias.

Estes novos traços são inseridos no universo jurídico para receberem uma compreenção generalizada e resposta instântanea.

A fim de construir um conceito justo, humano, solidário, e, em harmonia com a Lei Máxima, o direito civil moderno, baseia-se nos principios do direito para solucionar as questões que envolvam a família.

Mitiga-se assim, com a função puramente coercitiva da ciência jurídica, sendo que o foco atual é a pessoa humana e a garantia plena de seus direitos e garantias.

O que permite reconhecer o quanto a família se modificou, nascendo daím a necessidade de flexibilização das normas, de modo que o ordenamento jurídico esteja pronto para amparar essas transformações.

A vastidão de mudanças do mundo contemporaneo refletem-se no âmbito jurídico, permitindo com que os ideais de solidariedade, democracia, justiça e humanismo voltem-se para a pessoa humana e a eleve a posição de destaque.

Neste contexto, as novas formas de convivio familiar, vem calcadas no aspecto socio-psicologico do afeto, onde ao longo do tempo, o que antes era um sentimento inexistente, transformou-se em elemento reformulador do do direito de família.

Os novos valores que inspiram a sociedade moderna rompem definitivamente com os referenciais do passado.

No cenário atual não existe espaço para o autoritarismo patriarcal, tão pouco para as mais diversas formas descriminatorias anteriormente existentes.

A fotografia da família moderna é "arrojada", colorida pelas cores da compreenção, vontade livre e desprendida de estar junto, independentemente de laços biologicos; desta forma, pessoas deixam seus descendentes biologicos para fazer parte de uma outra família da qual o DNA nunca fez parte, simplesmente pela realização pessoal. É naquele lar, com aquelas pessoas que sente-se ser humano, respeitado, amado e amparado.

A ideia de função social, decorre da propria etimologia da palavra função, do latin functio, cujo significado é cumprir algo, desempenhar uma tarefa, cumprir uma finalidade, funcionalizar.

É mister observar, neste passo, que a função social, é um intrumento para que o operador do direito, interprete e aplique o direito de acordo com os valores eticos e morais, assim, trata-se do comando principal dado pela Constituição Federal.

A função social da família, é oriunda dos principios Constitucionais da República, cujo principal é o da dignidade da pessoa humana, desta maneira a principal função da família contemporanea é a realização dos seus membros como pessoas, providas de dignidade, sendo que é necessaria a presença de zelo, carinho, comprometimento, compromisso, dedicação, solidariedade, respeito, liberdade, igualdade, proteção, responsabilidade e finalmente e afetividade.

Presentes os elementos essenciais, a família estará cumprindo a sua função social.

O direito é uma ciência construida por fenomenos culturais, aspirações, conflitos e valores vigentes em um determinado momento historico, partindo-se deste principio, indubitavelmente é possível se afirmar que todo instituto jurídico é criado para atender uma finalidade. Seja para resolver conflitos ou para evitar a sua existência.

A partir do momento em que a sociedade passou a reconhecer que o modelo fechado e matrimonializado não consistia em modelo único e absoluto de família, abrindo espaço para a diversidade de familias atualmente existentes, foi necessário que o legislador respondesse aos anseios desta sociedade para resolver os conflitos decorrentes desta mudança de paradigmas.

Faz-se fundamental o reconhecimento de que o Texto Constitucional como norte axiológico de todo o ordenamento jurídico.

E ao lado do principio da dignidade da pessoa humana, existem outros que consagram a pessoa humana como elemento nuclear da atual legislação pertinente à família.

Sendo a família o primeiro nucleo de integração com a sociedade,deve ser protegida à medida que seja capaz de proporcionar à felicidade e a plenitude das pessoas que a integrem.

Tendo em vista a realização pessoal dos seus integrantes, verifica-se que a família é disciplinada na plenitude de sua função social.

Em razão, do reconhecimento da situação fática presenciada pela atual sociedade, e o seu relevante papel é que se verifica que os Tribunais de Justiça caminham no sentido de assegurarem efeitos juridicos às mais diversas formas de família presentes na atualidade, até mesmo as consideradas fora do padrão convencional, exemplo disto, a homoafetiva.

Enfatiza-se que o direito não pode furtar-se da sua principal função, qual seja, promover a justiça. Deste modo a família consiste em ente abstrato e dotado de proteção do Estado e da Sociedade.

E a principal meta é que seja construída com a colaboração de todos, para que desta maneira se alcance a felicidade plena e bem-estar de seus integrantes, cumprindo assim, a função social da família.

Neste ponto, vale salinetar que a hermenêutica, consiste em importante ferramenta capaz de evidenciar uma abordagem civil-constitucional do Direito de Família, incorporando e reformulando conceitos anteriormente inexistentes.

Assim sendo, prioriza a pessoa humana diante de cada caso concreto, através da aplicação dos principios norteadores , buscando garantir a concretude de sua finalidade social.

A socioafetividade como uma categoria jurídica, e a conseqüente pluralidade de verdades reais e entidades familiares tem marcado a evolução da família, isto se reflete tanto na doutrina quanto na jurisprudência dos tribunais.

Tratar sobre relacionamentos humanos é uma tarefa difícil e delicada, vez que é um campo minado onde as pessoas amam e odeiam com a mesma intensidade.

Ao passo do avanço ocorrido na família verifica-se que esta, reflete na sociedade os próprios anseios e transformações.

Constitui desafio ao legislador contemporâneo amparar o ciclo de transformações que ocorrem nos lares brasileiros.

Obviamente apesar de há muito se ter a presença inegável da socioafetividade dentro dos relacionamentos inter pessoais, nunca se teve tanto destaque à cerca do tema.

A doutrina e jurisprudência têm estado atentas a construção diária de uma definição de socioafetividade no contexto familiar e até que ponto esta é a voz que clama a fim de se tomar a melhor decisão ao tratar deste tão delicado assunto: a família?

O porvir do tema tratado no contexto do presente trabalho constitui na idéia central de reconhecer antes de tudo, que toda relação paterno-filial é antes de qualquer outra socioafetiva.

Isto posto, é incontroverso que dentre as múltiplas formas de relações de parentesco, a mais intensa e relevante, sem duvida alguma é a existente entre pais e filhos.

Desde modo, verifica-se no ordenamento jurídico a importância desta relação no atendimento do melhor interesse da criança.

A Constituição Federal de 1988 permitiu uma visão pluralizada da família atual, e esse fato é nítido nos Tribunais brasileiros, que reconhecem as entidades familiares formadas pelos elos de afetividade e não mais somente os decorrentes unicamente de genes de DNA.

O elemento afeto possui como nucleo a vontade que faz com que as pessoas unam-se com referencial de reciprocidade. O enaltecimento da pessoa humana permitiu com que fosse possível efetivar o intuito do preâmbulo Constitucional, quando taxativamente afirma que o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça são valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Cada vez mais é evidente a preocupação com a valoração das relações oriundas dos vínculos afetivos quer seja no âmbito do direito de família ou em outras esferas, exemplificadamente cita-se a Lei 11.340/2006, intitulada como Lei Maria Penha, que coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher, identificada como família e presente a afetividade.

No mundo globalizado e em constante modificação, os avanços são inúmeros e a ciência caminha a uma velocidade impressionante. Com a possibilidade científica de cessão de útero, criopreservação, implante e doação de gametas, e, despontando o domínio da técnica de clonagem humana, o princípio mater semper certa est encontra-se fortemente abalado, isto porque, nem mesmo a mãe é mais sempre certa.

A questão da afetividade sobreleva-se como elemento essencial para o reconhecimento do vínculo entre pais e filhos, sendo identificado como princípio jurídico.

Felizmente os filhos foram reconhecidos como pessoas providas de personalidade e de sentimentos.

Essa evolução de valores sociais levou a ciência jurídica a reconhecer a existência dos laços afetivos.

Notadamente, a Constituição Federal trouxe para o direito de família diversos princípios, mas entre os que mais se destacam como sendo a célula mater do instituto da filiação, é o de garantia e proteção do interesse das crianças e adolescentes; somando-se a ele, estão o da afetividade, o da convivência familiar e o da paternidade responsável.

Assim sendo, a adoção necessita ser compreendida em sua extensão, uma vez que, concretiza-se na sustentação diária do afeto, ganhando o locus privilegiado do instituto da filiação socioafetiva.

Pois como visto, a família não pode ser mais baseada somente na questão biológica, mas principalmente na afetiva. Neste sentido tem sido a opinião dos tribunais no Brasil.

É necessário o uso do princípio da afetividade juntamente com o da dignidade da pessoa humana e a prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente, para as respostas que envolvem o estado de filiação.

O vínculo entre pais e filhos é proveniente de um relacionamento contínuo, onde se encontra exteriorizados o amor, carinho e ações próprias de pai e filho.

Deste modo, um pai que sempre tratou o filho como se dele fosse não pode de um momento para o outro querer ver-se "livre" desta responsabilidade.

Tanto o Código Civil brasileiro atual quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, destacam a paternidade responsável. Devendo os pais zelar pela saúde, educação, desenvolvimento da personalidade, bem como propiciar o crescimento em um ambiente saudável e tranqüilo.

Destarte a imposição legal, permitir o arrependimento fundado em ocorrência de erro e fim do amor seria violar ambas as legislações, bem como afrontar a Lex Maior.

Os filhos de criação sempre estiveram presentes na realidade brasileira, e neste contexto é que surgiu o estado de filiação.

Segundo o ordenamento jurídico vigente, são três os elementos essenciais para se reconhecer a posse de estado de filho, tais sejam, o uso do nome (nomen), tratamento (tractatus) e a (fama), ou seja, a condição pública de filho.

O núcleo central da questão consiste em evidenciar um estado de fato, e à partir do uso e gozo deste estado, é que nasce para o individuo o direito a tê-lo devidamente protegido e amparado.

Atualmente, através do exame de DNA, é possível se comprovar com 99 por cento de certeza, a existência do liame biológico entre duas pessoas. Saber a origem genética está entre os direitos fundamentais do ser humano, porém o exercício deste direito não significa necessariamente a inserção da pessoa em um núcleo familiar.

Não é através do nascimento que se configura a posse de estado de filho, porque nem sempre o filho desfruta de um laço paternal com o pai biológico, sendo que, este laço, é construído diaadia, calcado em um vinculo afetivo e que é capaz de por em xeque a verdade biológica.

O vínculo consangüíneo não é mais a certeza de existência de filiação.

Na família moderna a relação de paternidade não pode ser vista apenas sob o enfoque biológico, sendo primordial o aspecto socioafetivo presente na relação.

Quando alguém se propõe a ser pai, dedicando ao filho carinho e atenção; ensinando e ajudando na construção da personalidade de uma pessoa; participando efetivamente dos momentos importantes e das descobertas daquele ser, está se inserindo no contexto socioafetivo.

Neste momento, assume que a voz biológica não é mais forte do que a voz do coração.

A partir do momento em que os tribunais passaram a aceitar que na família contemporânea, esta voz grita de forma estridente, reconheceram o nascimento "dos filhos do coração".

Portanto a prática difundida de proceder ao registro de filho de outro como próprio, não configura erro suscetível de ser anulado.

Não cabe a alegação de "erro" neste tipo de ato, pois, a paternidade deriva do estado de filiação, portanto, não pode ser consubstanciada em determinismos biológicos, tão pouco ser aceita a alegação de desistência de ser pai.

Determina o Estatuto da Criança e Adolescente que a adoção é ato irrevogável.

O vínculo criado entre pai e filho, não podem ser apagado, pouco menos, pela alegação de inexistência de liame biológico, pois como já demonstrado, esta não é mais a verdade absoluta.

Salientando o principio da aparência e o entendimento do artigo 1.605 do Código Civil brasileiro, a paternidade revela-se pela convivência, devendo prevalecer a posse do estado de filho.

A desconstituição do vínculo fere frontalmente além de outros, o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo , III, da Constituição Federal.

Um filho que se vê, repentinamente "sem pai", ou seja, o pai subitamente deixou de amar-lhe, está sendo ferido intimamente em sua dignidade.

Pois, foi criado tendo um referencial de pai, que furtivamente deixou de existir.

Como demonstrado, o reconhecimento da filiação é ato irrevogável, e atualmente se reconhece a paternidade pela existência do vinculo de afeto, e este é o elemento determinante para reconhecimento e manutenção da posse do estado de filiação.

De certo modo, a paternidade biológica constituia o porto-seguro do ser humano, visto que através do exame de DNA é possível se averiguar com plena certeza a existência da paternidade oriunda do laço consaguinio.

Diz-se que constituía o porto-seguro do ser humano porque esta era a verdade absoluta e imutável da época.

O Exame de DNA foi um grande revolucionador da Direito de Família brasileiro na década de 90.

Porém, com o evoluir da sociedade se constatou a presença de outro vínculo na formação dos relacionamentos, a reconhecida verdade do coração, ou seja, o filho que recebeu todo carinho, dedicação e amor de alguém independentemente dos elos biológicos.

O ordenamento jurídico passou então a assimilar de uma forma ampla, quer dizer através de doutrina, decisões e normas, o que se contempla como socioafetividade nos relacionamentos.

A presença desta nova vertente constituí em mais um impacto para o ordenamento jurídico, visto que constituí elemento fundamental na construção de um conceito de família na atualidade.

A socioafetividade é presente no ordenamento pátrio, através da construção diária. Esta construção demanda tempo e cuidado que são elementos subjetivos que vão se objetivando no decorrer do tempo através de condutas que firmam o entendimento subjetivo da criança e adolescente na construção do conceito e definição de "pai".

A socioafetividade repersonaliza as relações entre pais e filhos, deixando no passado o ranço da patrimonialização que sempre os ligou para dar origem a uma nova face da paternidade: a ligada por vínculos além dos biológicos.

A paternidade deixou de ser mero ato de procriação, passando a ser uma relação verdadeira construída pelos laços afetivos oriundos da convivência e proximidade.

Esta nova ordem de idéias vem tomando corpo da atual sistemática do Direito de Família brasileiro, este se consagra na realização da pessoa humana como ser dotado de personalidade e dignidade.

A afetividade nas relações paterno-filiais reconhece que o vínculo genético apesar de ainda predominante não é a verdade absoluta, a ponto de em algumas ocasiões ser sacrificado para atender o melhor interesse da criança ou adolescente envolvido.

É fato que o elo biológico entre pais e filhos não é suficiente para construir uma verdadeira relação afetiva paterno-filial, basta para isso se observar as demandas onde os filhos obtêm a confirmação de paternidade via exame de DNA, mas, no entanto jamais vão vivenciar o ápice da paternidade.

A filiação sociafetiva é decorrente da posse de estado de filho. Isto é, corresponde a verdade aparente, existente ou não pelo determinismo biológico, mas em decorrência da convivência.

Como dito alhures, a paternidade socioafetiva é a expressão máxima da socioafetividade.

Ater-se a prática do ato de criar um filho independente de vínculos consangüíneos, é o mesmo que assumir o risco, sendo o principal deles: o amor.

A filiação encontra-se intrinsecamente relacionada com a afetividade, que por sua vez determina a existência ou não de posse do estado de filho.

O ordenamento jurídico atual inverteu o espírito patrimonialista da letra fria da lei, por uma legislação aberta e constituída de traços afetivos, a fim de se atender a efetividade do principio da afetividade. Ao passo que deste posicionamento, foram amparadas e protegidas as crianças e adolescentes "órfãs instantâneas de pais vivos".

Evidentemente não é possível impor-se o dever de amar, visto que este posicionamento também estaria ferindo princípios Constitucionais, como o da liberdade, por exemplo.

Desta forma, nota-se presente no entendimento jurídico o reconhecimento da filiação alicerçada nos pilares do amor.

Portanto, a ausência de consangüinidade não constitui elemento para argüição de nulidade de um ato pelo qual se optou: de amar e ser amado por um filho.

A filiação baseia-se, sobretudo em receber carinho, amor, dedicação, respeito de pai para filho e vice-versa.

O principio da afetividade exterioriza-se na vida social e cotidiana.

Para ter a eficácia reconhecida, os relacionamentos precisam ter a comprovação de dois fatores: o externo, reconhecimento social, e o interno, qual seja a afetividade propriamente dita.

Como anteriormente mencionado, reconhece-se a relação fundada no afeto, quando presentes a reputatio, nonimatio e tractatus, quando presentes atende-se o estabelecido no artigo 1.593 da legislação civil brasileira, quanto ao reconhecimento do vínculo de parentesco socioafetivo.

O critério socioafetivo juntamente com os elementos essenciais para o reconhecimento do vinculo parental, fundado nos princípios do melhor interesse da criança e adolescente e ao da pessoa humana, constitui uma realidade inafastável do direito.

A paternidade socioafetiva existe quando um filho detém para com seu pai, que pode ser ou não seu genitor biológico, a posse do estado de filho, ou seja, existe entre eles uma relação consolidada no afeto.

Resta evidenciado que o atual ordenamento jurídico adota o modelo inclusivo da paternidade, não havendo qualquer norma constitucional que obrigue a identidade biológica entre genitor e filho para a configuração da relação, ou mesmo a preponderância do critério biológico.

A Lex Maior é rica em dispositivos que só evidenciam a importância da valoração do afeto nos relacionamentos para se preservar acima de tudo o melhor interesse da criança.

A filiação socioafetiva, uma vez solidificada pela convivência familiar, constitui elemento principal para a construção de um conceito de paternidade e emerge o filho na posse do estado de filho, impedindo que esta paternidade alicerçada no princípio da afetividade seja objeto de questionamentos.

Tratar de direito de família é lidar com os sentimentos mais tenros e mais belos do ser humano, e ao mesmo tempo, pode ser os mais cruéis e egoístas, principalmente quando envolve o aspecto patrimonial da questão.

É certo que, a configuração familiar se alterou significativamente ao longo do tempo, a família tornou-se multifacetada.

E após um extenso período de predominância do modelo familiar clássico, fortemente predominado pelos laços matrimoniais e patrimonialistas, a sociedade passa a contemplar o afeto e a reconhecê-lo como elemento definidor para as relações familiares.

A promulgação do Texto Constitucional de 1998 possibilitou a elevação da pessoa humana como centro do ordenamento jurídico, deste modo, o código civil de 2002 nasceu tendo a essência constitucional.

Os princípios da posse do estado de filho e da igualdade confirmam inequivocamente que o direito adotou a socioafetividade como princípio basilar e norteador do Direito de Família brasileiro.

Assim, a família é reconhecida como o instituto que visa à proteção dos seus membros, alicerçada no principio da afetividade para a realização destes.

A eficácia existencial da paternidade socioafetiva, é constituída, sobretudo, no amor. Quando alguém escolhe assumir a vida de um filho, comprometendo-se a amá-lo e zelar por seu crescimento sádio nos aspectos físicos, psíquicos e emocionais; e após decorrência de fatos isolados vê-se de um momento ao outro com a certeza de não ser pai e pleiteia a anulação do ato.

Há de se pensar na dignidade humana da criança, que espontaneamente foi reconhecida por esse pai. A dignidade humana atribuída diz respeito à moral, honra e respeitabilidade.

A lei estabelece que a adoção é irrevogável, devendo ser uma decisão muito bem pensada, pois permanecerá por toda a vida. O maior de todos os requisitos para adotar é a disponibilidade de amor, pois a constituição da paternidade socioafetiva é, sobretudo, um ato de amor, este incondicional e cima das fronteiras consangüíneas.

Permitir a desconstituição da adoção seria desconsiderar tudo que foi vivenciado na relação paterno-filial e desconsiderar todas as normas e princípios constitucionais.

Nos dias atuais a ciência jurídica reconhece o afeto como valor jurídico, isto significa dizer que no campo das relações familiares o vínculo biológico não é mais forte do que os elos de amor e cumplicidade.

O amor e zelo dedicado a um filho transcendem o liame consangüíneo quando o que se está em jogo é decidir o melhor interesse da criança.

A paternidade socioafetiva não é um ato unilateral, mas bilateral, que atinge a criança; que sob hipótese alguma pode ser tratada como mero objeto de fácil descarte.

Deve o legislador assegurar-se de todas as formas para que o melhor interesse da criança esteja sendo atendido, devendo estes prevalecer sobre os de seus pais, esta é, pois a essência da paternidade e o atendimento da eficácia existencial da sociafetividade no contexto do direito de família.

Autor: Priscilla Xavier Franco é Advogada. Pós- graduanda em Direito Civil, Processual Civil e Trabalho. Associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM

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