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17 de Junho de 2024
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    Biógrafos e biografados à luz da legislação - Des. Brandão de Carvalho

    há 11 anos

    A mídia nacional ultimamente tem ocupado seus espaços no sentido do esclarecimento de um tema bastante controverso e que tem sido motivos de dissenso entre os protagonistas mais celebres da nação, a quem toca diretamente o assunto em questão. Antes de adentrarmos ao singelo estudo do problema posto, vejamos o significado do biógrafo e do biografado no seu sentido vernacular; o primeiro, é aquele que por estudos e pesquisas escreve sobre a vida de alguém, enquanto o segundo, é aquele de quem se fez a biografia.

    Segundo Wilhelm Dilhelm, a importância da biografia reside no fato de que seu nexo primordial é constituído pelo curso da vida de um indivíduo dentro do qual ele recebe influências e sobre o qual reage.

    Neste diapasão, temos as personalidades na vida pública, políticos, esportistas, artistas, entre tantos outros cujas trajetórias profissionais e pessoais confundem-se e servem de paradigma para toda a sociedade.

    O Deputado Newton Lima, autor do Projeto de Lei nº 393, de 2011, que tramita no Congresso Nacional, foi enfático em sua exposição de motivos: Por sua posição de destaque em relação aos demais cidadãos, as pessoas notoriamente conhecidas verificam que suas condutas, sejam pessoais, sejam decorrentes do exercício da profissão, são norteadas das decisões de diversos segmentos sociais, os quais valorizam as escolhas pessoais realizadas por tais personalidades públicas, muitas vezes até reproduzindo-as.

    Poderíamos citar centenas de exemplos de personalidades nos mais variados setores da atividade humana, seja nas letras, esporte, política, profissão liberal, eclesiástica, militar, artística etc. Sobre o tema, a cientista política ALZIRA ALVES DE ABREU, da Fundação GETÚLIO VARGAS, assim diz:

    Através da biografia de um personagem que se destacou na vida pública brasileira, pretende-se reconstituir um tempo histórico. O biografado deve vestir os trajes de seu tempo, falar a linguagem do momento histórico que viveu, suas ações devem refletir as questões em que se tornou protagonista da vida nacional.

    Neste contexto, porque está inserido na discussão em toda mídia nacional, citaríamos o cantor e compositor ROBERTO CARLOS que dos anos 60 até esta data, tem mudado formas comportamentais na sociedade brasileira, como ator principal do Movimento da Jovem Guarda, que revolucionou costumes, ditou regras na moda de antanho, jovens quebrando paradigmas, modelos e padrões estabelecidos da antiga música, substituindo-a por novos acordes e arranjos e instrumentais, com viés românticos, contestadores e também no tocante ao aspecto político da época, já que vivíamos em plena ditadura militar. Somam-se também as participações de CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL, CHICO BUARQUE DE HOLANDA, estes mais bem politizados em defesa de uma democracia plena, alguns deles pagando caro até com o exílio fora de nosso país.

    Causou impacto na época em todo o território nacional, de forma bastante negativa a decisão judicial alcançada pelo cantor e compositor ROBERTO CARLOS, proibindo terminantemente a venda do livro ROBERTO CARLOS EM DETALHES do escritor PAULO CÉSAR ARAÚJO, que, diga de passagem, consegui comprá-lo e lê-lo, e pude aquilatar a importância deste artista na vida da musicalidade nacional, tornando-se um ícone, monstro sagrado no continente sul americano. Roberto Carlos parece rever sua antipática posição assumida e passa a defender a biografia, ainda que proponha alguns ajustes, através do bloco PROCURE SABER, formado por ele próprio, CAETANO VELOSO, MILTON NASCIMENTO E CHICO BUARQUE. Este debate chegou a Feira de Livro em Frankfurt, na Alemanha e escritores brasileiros que lá estavam como LAURENTINO GOMES E FERNANDO MORAIS, demonstraram repúdio do grupo PROCURE SABER e questionavam: estaria havendo uma tentativa de censura prévia?

    A advogada DÉBORA SZTAJUBERG é enfática quando declara: o projeto é uma farsa, por mais que sejam aprovadas as inúmeras leis sobre o assunto, as partes continuarão a brigar na justiça. Todo o imbróglio se encontra no art. 20 do Código Civil Brasileiro, que jamais deveria ter sido aprovado. O Brasil é o único país do mundo em que existe censura às biografias, excetuando evidentemente Cuba, China, Venezuela, Irã e outros países totalitários, já que somos uma democracia.

    O artigo 20 do Código Civil Brasileiro assim se expressa: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

    O artigo 21 do mesmo diploma substantivo civil diz: A vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz, a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

    É bom observar que tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4815, distribuída à Ministra Relatora Carmem Lúcia, pedindo tornar inconstitucionais os arts. 20 e 21 do Código Civil porque representam uma grave e injustificável restrição à liberdade de expressão, direito de ensino e pesquisa, liberdade acadêmica e acesso à cultura, sendo desnecessário e prejudicial a uma sociedade democrática, peça assinada pelos advogados CAMILA MARQUES, IVAR HARTMANN, KARINA QUINTANÍCIA, datada de 04 de setembro do fluente ano.

    O que se contém na parte expositiva da ADIN nº 4815 é de suma importância, levando-se em consideração o que disse o biógrafo do Quênia, país africano, ex-conselheiro MIGUNA MIGUNA que não foi obrigado a pedir autorização ao Primeiro Ministro RAILA ODINGA para publicar o livro sobre ele. Como vemos, não estamos falando dos Estados Unidos da América, França, Alemanha, Espanha ou Reino Unido, tidos por todos nós como exemplos de democracia plena. A frase incisiva e lapidar do biógrafo se encontra lançada nos seguintes termos no rosto da inicial:

    O Primeiro Ministro, como defensor dos Direitos em nossa Constituição, aceitou sofrer o dano da difamação, ao invés de tomar qualquer iniciativa que possa desencorajar o avanço e expansão do campo desses direitos. O Primeiro Ministro vê a publicação recentemente lançada como 'os feios espinhos que crescem nos arbustos das lindas rosas da liberdade.'

    De outro ponto, a nossa Carta Magna em seu art. , inciso IX e X diz que é livre a expressão da atividade intelectual artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença e são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

    Não temos dúvidas de que existe um fosso interpretativo, ampliando a norma a prementes dúvidas do que se contém nos artigos 20 e 21 do Código Civil e a própria Lei Maior, porque até que ponto o direito à intimidade e à privacidade se sobrepõe ao acesso à informação e a cultura?

    A Associação Nacional dos Editores de livros (ANEL) requer com urgência que o Supremo Tribunal Federal declare inconstitucionais os arts. 20 e 21 do nosso Código Civil até porque as pessoas cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política, haja tomado dimensão pública, gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais estreita. O caminho a seguir por parte do biografado é pedir sua indenização ao biógrafo no caso de ferir a sua honra ou dignidade. Como nos diz ROBERTO MORTARI CARDILLO, especialista em Direito Civil: é preciso haver ponderação entre estes dois direitos, o direito a liberdade de expressão e à privacidade.

    O Ministro Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal Federal é enfático ao dizer: o ideal seria liberdade total de publicação, com cada um assumindo seus riscos. Se for causado um dano, responde financeiramente por isso.

    Finalmente, trago ao exame de nossos assíduos leitores o Projeto de Lei do Dep. Newton Lima Neto, nos seguintes termos:

    PROJETO DE LEI Nº 393 de 2011 (Do Sr. Newton Lima Neto)

    Dispõe sobre a alteração do art. 20 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002- Código Civil, para ampliar a liberdade de expressão, informação e acesso à cultura.

    O Congresso Nacional decreta:

    Art. 1oEsta lei modifica o artigo 20 do Código Civil, alterando o parágrafo único para parágrafo 1o e incluindo o parágrafo 2o, para garantir a liberdade de expressão, informação e o acesso à cultura na hipótese de divulgação de informações biográficas de pessoa de notoriedade pública ou cujos atos sejam de interesse da coletividade.

    Art. 2o O artigo 20 da Lei nº 10.406, de 10 de jane iro de 2002, após a alteração de seu parágrafo único para parágrafo 1 º, passa a vigorar com o seguinte texto:

    Art. 20

    1o Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

    2o A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.

    Art. 3o Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

    O Ministro Marco Aurélio de Mello, do STF a favor das biografas não autorizadas é patente quando diz que a pessoa que tem notoriedade não pode pretender ter a mesma privacidade do cidadão comum. Claro que, se houver abuso, a questão se resolve em outro campo, no indenizatório. Aquele que se projeta na vida em sociedade, se torna um homem público, não apenas o homem da administração pública, mas o homem de perfil notório, evidentemente não pode se enclausurar e querer se colocar em uma redoma de vidro. Para o Ministro Marco Aurélio, magistrado que tem tomado posições de vanguarda na justiça brasileira, o homem público é um livro aberto.

    Esta é uma simples contribuição ao tema que tem ocupado todos os espaços da mídia nacional e que, de forma resumida e bastante clara, levamos ao conhecimento dos piauienses, especialmente aqueles que por uma forma ou outra, possam se interessar pela leitura deste tema de maior importância para a cultura, pesquisa e a democracia!

    Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho

    Decano e Presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/biografos-e-biografados-a-luz-da-legislacao-des-brandao-de-carvalho/112071247

    1 Comentário

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    Neia Rodriguez
    10 anos atrás

    parabéns era isso k precisava. ta ótima a matéria. continuar lendo