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4 de Maio de 2024

Com base em carta anônima, juiz expede mandado de busca e apreensão contra advogado

Publicado por Vitor Guglinski
há 9 anos

Fonte: Jornal Século Diário

Por José Rabelo

Imaginem o susto de acordar e dar de cara com quatro homens desconhecidos dentro da sua casa. Foi exatamente o que aconteceu na manhã desta quarta-feira (24) com o advogado Marcos Dessaune.

O advogado, que costuma dormir com protetores auriculares, não ouviu quando os policiais esmurravam a sua porta às 7 da matina, gritando: “Abra, é a polícia”.

Depois de passarem uma hora em vigília na frente do apartamento, com direito à plateia da vizinhança, a chegada da empregada permitiu a entrada dos policiais. Quando Marcos acordou, assustado, deu de supetão com os policiais já na sua sala.

Mas o segundo susto viria em seguida. O delgado Petterson Gimenis explicou ao advogado que estava cumprindo um mandado de busca e apreensão, expedido pela Primeira Vara Criminal de Vila Velha.

Antes que o advogado se refizesse do susto para entender o que estava acontecendo, o delegado explicou que estava atrás computadores, pen drives e mídias eletrônicas, o que seria, em tese, razoável, já que Gimenis é o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Eletrônicos (DRCE).

O advogado, cauteloso, junto com os dois representantes da Ordem dos Advogados que acompanhavam o cumprimento do mandado, notou que o mandado se restringia a “localizar e apreender armas, munições e drogas, e quaisquer outros elementos de convicção eventualmente encontrados no local, relacionados com o delito que está sendo apurado”.

Foi explicado ao delegado, que no mesmo local de moradia de Dessaune funcionava também seu escritório de advocacia que, com base na lei, é inviolável. O delegado, após vistoriar e não encontrar armas, drogas e munições no apartamento, examinou, à distância, o cômodo que abrigava o escritório, considerou pertinentes as alegações e concordou que precisaria de um mandado específico para apreender os eletrônicos de trabalho do advogado.

Como nossa Justiça voa, quando convém, horas depois o delegado estava de volta à casa de Dessaune com o novo mandado. Esse com plenos poderes para sequestrar tudo que fosse relacionado ao delito que estava sendo apurado.

Mas o advogado, até então, nada sabia sobre o tal “delito”. O segundo mandado, porém, esclarecia que “a medida objetiva possibilitar a responsabilização criminal dos agentes que, em tese, invadiram o dispositivo de informática do sr. Carlos Magno Moulin Lima”.

A partir do segundo mandado a história começava a fazer sentido e se tornar ainda mais absurda. Enquanto a polícia cumpria o novo mandado, levando computadores e eletrônicos, Dessaune, acompanhado de sua advogada, Elisângela Melo, levava o caso de violação de prerrogativas à Seccional da Ordem.

A esta altura a advogada já havia descoberto que o juiz José Augusto Farias de Souza, da Primeira Vara Criminal de Vila Velha, expediu os mandados com base em uma carta anônima.

Uma história mirabolante

Teria chegado às mãos do juiz uma carta anônima de um hacker que, em tese, é um criminoso, denunciando um crime que teria sido tramado pelo advogado Marcos Dessaune.

O advogado teria contrato os serviços do hacker para invadir o computador do juiz Carlos Magno com o intuito de criar perfis falsos nas redes sociais para criminalizar o juiz. Qual seria a motivação do hacker para entregar todo o plano à Justiça e arriscar sua própria cabeça? Vingança. Na carta, o hacker teria dito que levara um calote do advogado que contratara seus serviços criminosos.

A advogada Elisângela Melo, que tem 20 anos de experiência em direito criminal, confessa que não se lembra de nenhum caso em que o juiz tenha se baseado numa denúncia anônima tão mirabolante para expedir um mandado de busca e apreensão, que é uma medida extrema.

Elisângela assinalou que a mesma delegacia que cumpriu o mandado desta quarta (24), fora acionada pelo seu cliente justamente para denunciar o uso de perfil falso por parte do juiz Carlos Magno Moulin para caluniar e difamar Dessaune.

A Delegacia de Repressão aos Crimes Eletrônicos está investigando, ou deveria estar, a conduta do juiz Carlos Magno Moulin, acusado de manter um perfil falso no Facebook. O “fake” Leonardo S. V. Silva era usado a partir do computador pessoal e do celular do juiz. Embora o boletim de ocorrência tenha sido feito há mais de seis meses por Dessaune, que conseguiu a identificação judicial do usuário que estava por trás do perfil falso, as investigações, até agora, não avançaram.

“Meu cliente foi até a delegacia, se identificou, apresentou as evidências materiais que identificavam o autor dos perfis falsos, mas até agora nada aconteceu. Ninguém foi na casa do juiz fazer busca e apreensão de computadores. Agora, com base em uma carta anônima, fazem uma verdadeira devassa na casa e escritório do meu cliente”, criticou a advogada.

Elisângela afirmou que a Seccional capixaba da Ordem também está indignada com esse caso extremo de violação de prerrogativas, e solidária, como não podia ser diferente, ao advogado.

“Conversei com o presidente da Ordem [Homero Mafra] que classificou o fato ocorrido como absurdo. Ele prometeu que adotará medidas enérgicas em defesa das prerrogativas do advogado”, afirmou Elisângela.

Mafra repudiou a violação sofrida pelo advogado. “Admitir que carta anônima possa dar ensejo à busca e apreensão seja contra quem for, mais ainda contra advogado, é dizer que Estado de Direito não existe, é dizer que a Constituição da República não existe, é dizer que nós estamos submetidos aos príncipes do Poder Judiciário, é negar tudo que levamos tanto tempo para construir. Isto é de uma insensatez absoluta, é a certeza de que a máquina se coloca a serviço de interesses que não são os melhores", criticou o presidente da Ordem.

A documentação da violação ocorrida nesta quarta-feira (24) foi remetida a Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que está acompanhando de perto o caso.

Aliás, o Conselho Federal, em outubro do ano passado, protocolou duas reclamações disciplinares no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra os juízes Carlos Magno Moulin Lima, e seu primo, Flávio Jabour Moulin, por violações às prerrogativas profissionais do advogado Marcos Dessaune. A medida faz parte dos desdobramentos do parecer da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia (CNDPVA), que concluiu pela prática de abusos por parte dos magistrados, como a utilização de perfis falsos para difamar o advogado.

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47 Comentários

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Ultrajante!
A história inicialmente já parecia absurda, e quanto mais se sabe, mais surreal.

A OAB/ES e a OAB Nacional tem que levar esse caso às últimas consequências, sobretudo com punição ao juiz, e não a fantástica aposentadoria compulsória, mas a DEMISSÃO mesmo, conforme previsão na LOMAN, art. 42, VI c/c art. 47, I e art. 26, I.

Cadê o MP oferecendo denúncia contra esse juiz?

É um absurdo escachapante, é um tapa na face e uma agressão à honradez não só de todos os advogados, mas também dos magistrados sérios do TJES e da Magistratura Nacional! continuar lendo

Isso, para os Advogados que acham que com o PT e seus sócios, vivemos uma democracia... continuar lendo

Tenho curiosidade em saber qual o numero de juízes na ativa no Brasil para poder ter esperança que mais na metade seja honesta, instruída e capacitada para exercer suas funções. Do jeito que esta fica difícil, dificílimo acreditar em justiça. continuar lendo

Hildebrando, o que tem o PT com o Judiciário onipotente, com juízes que extrapolam sua competência e fazem do ofício perseguição aos adversários? Até onde sei Sérgio Moro, o grande herói nacional, tem compromisso com o PSDB e seu objetivo é prender, humilhar, desrespeitar todos que são do PT, tanto que só estes vão presos. Quando são seus correlegionários, Moro finge não ouvir. Ele age como delegado, promotor, inquisidor, e a direita toda o aplaude. continuar lendo

arbitrariedade total tenho aula na faculdade de direito com um juiz ele odeia os advogados isso me faz lembrar ele a OAB precisa agir urgente nesse caso e muitos outros senão do que serve pagar a mensalidade da ordem,como um magistrado pode se valer de uma carta anônima isso é um tapa na cara da justiça qualquer um pode mandar uma carta,coitado do advogado que constrangimento me solidarizo com ele e todos deveriam o mesmo fazer. continuar lendo

Kafkiano ! História absurda que supera a ficção de Franz Kafca... continuar lendo

Acredito que, se vivo fosse, Kafka rescreveria "O processo" e transformaria o livro em filme tragicômico. Sucesso de bilheteria. continuar lendo

Colegas, é inútil essa discussão. Educação, bom senso, polidez no trato com pessoas, são coisas que vêm de berço. Ninguém deixa de ter esses predicados porque assume um cargo de destaque. Esses juízes que sofrem de juizite seriam
bobos do mesmo jeito mesmo se tivessem outra profissão. Ainda bem que não são advogados. continuar lendo

Concordo com o colega, o problema social que vivemos é endêmico, não é por fala de distribuição de renda ou razões sociais é mesmo falta de educação, aquela educação que a vovó teve e que nos repassou, o direito meu direito vai até onde começa o do outro, uma sociedade que prega direitos humanos para bestas feras a pretexto de falta de igualdade social, podiam ter consentido no extermínio dos grandes fazendeiros pelos escravos, e não vimos nenhuma ação violenta dos libertos escravos contra os donos das terras.

Como explicar isto, se tivessem massacrados os donos de terras os escravos estavam em seu justo direito. Concordam?

Não podemos ter o exercício do poder pelo poder, mas os poderosos deveriam usar o poder para a pacificação social, isto há muito foi esquecido por todos. continuar lendo

Eu até concordo que se trata de questão de educação, mas é inadmissível que alguém use sua profissão (da qual se emana muito poder) para perseguir um desafeto, e não haja punição. De fato, há de se parar o corporativismo existente em qualquer instituição de classe e investigar com seriedade, proporcionando punição com severidade para aqueles que se utilizam do serviço público para os seus fins pessoais. Aliás, é bom frisar que este não é um caso isolado, eu mesma tenho em minha família exemplo de coisas do gênero.
Que hajam membros do poder judiciário e Ministério Público que sejam autoritários e usem do poder em seu próprio benefício, é possível ante a natureza impessoal da seleção ao cargo, mas permitir que permaneçam no poder depois de casos do gênero é inaceitável.
Imprescindível a intervenção da Corregedoria, CNJ, para exterminar o efeito "juizite" da nossa democracia republicana. continuar lendo