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17 de Junho de 2024

Controle de convencionalidade da Lei Maria da Penha - Alice Bianchini e Valério Mazzuoli

há 13 anos

ALICE BIANCHINI

Doutora em Direito Penal pela PUC/SP. Presidente do IPAN Instituto Panamericano de Política Criminal. Coordenadora do Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais da Universidade Anhanguera-Uniderp, em convênio com a Rede LFG. Twitter: htpp://twitter.com/professoraAlice

VALÉRIO MAZZUOLI

Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa. Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela UFRGS. Mestre em Direito pela UNESP. Professor Adjunto de Direito Internacional Público e Direitos Humanos da UFMT. Professor da Rede LFG, em São Paulo. Advogado e consultor jurídico.

Como citar este artigo: BIANCHINI, Alice. MAZZUOLI, Valério. Controle de convencionalidade da Lei Maria da Penha . Disponível em: http://www.lfg.com.br - 09 de março de 2011.

O presente artigo, com alterações e atualizações, é extrato de outro publicado na Revista RT, 2009, v. 886, p. 363-385, em coautoria com Valerio de Oliveira Mazzuoli, sob o título Lei de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha): constitucionalidade e convencionalidade.

Para os cultores do Direito clássico, a validade de uma lei (e sua consequente eficácia) depende do exame de sua compatibilidade exclusivamente com a Constituição do Estado. Hodiernamente, verificar a adequação das leis com a Constituição (controle de constitucionalidade) é apenas o primeiro passo a fim de se garantir validade à produção do Direito doméstico[ 1 ]. Além de compatíveis com a Constituição, as normas internas devem estar em conformidade com os tratados internacionais ratificados pelo governo e em vigor no país, condição a que se dá o nome de controle de convencionalidade [ 2 ].

A Lei Maria da Penha, ora analisada, também tem de passar, para ser válida, por esse duplo exame (ou dupla compatibilidade) hierárquico: o de constitucionalidade e o de convencionalidade. Somente isso lhe garante vigência, validade e eficácia no plano do direito brasileiro. A compatibilidade constitucional foi assunto do artigo Constitucionalidade da Lei Maria da Penha, enquanto que o controle de convencionalidade será aqui considerado, podendo-se adiantar que a Lei Maria da Penha encontra-se de acordo com as convenções internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Estado brasileiro, a começar pelas citadas já em seu preâmbulo: Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW[ 3 ] e Convencao de Belém do Pará, ratificadas pelo Brasil em 1984 e em 1995, respectivamente. No preâmbulo dessa última, consta que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, o gozo e o exercício de tais direitos e liberdades.

Ao ratificar a Convencao de Belém do Pará, o Brasil comprometeu-se a incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso (art. 7.º, c). A Lei Maria da Penha é exatamente o corolário de tal compromisso. Em outras palavras, ela representa o resultado da obrigação do Estado brasileiro em adaptar seu direito doméstico aos compromissos internacionais de direitos humanos que assumiu no plano internacional, no pleno e livre exercício de sua soberania[ 4 ]. Essa obrigação de adaptar a legislação interna aos ditames internacionais de direitos humanos vem consagrada em vários tratados internacionais contemporâneos, bem como na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos[ 5 ].

A temática da igualdade de gênero, aliás, já habita encontros e documentos internacionais de direitos há bastante tempo. Na I Assembléia Geral da ONU, ocorrida em São Francisco (EUA), no ano de 1945, o Conselho Econômico e Social constituiu uma Subcomissão para tratar da condição da mulher. Desde então o assunto ganhou cada vez mais destaque na agenda internacional[ 6 ].

Por não contrariar os documentos internacionais ratificados pelo Brasil e, mais, por concretizá-los em sua inteireza, a Lei Maria da Penha é totalmente convencional, dado que está de acordo com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro na seara da proteção internacional dos direitos humanos.

Deve ser destacado, aliás, que a Lei Maria da Penha é fruto de uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem fundamento no art. 51, 2, da CADH ( in litteris : A Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe competir para remediar a situação examinada), em face de condenação sofrida pelo Brasil no processo movido por Maria da Penha Fernandes[ 7 ]. Dentre as várias recomendações feitas pela Comissão Interamericana ao Estado brasileiro, destaca-se a de prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. Esse tipo de recomendação internacional, previsto no art. 51, 2, da Convenção Americana, tem caráter vinculante para o Estado-membro, devendo ser cumprida por ele em virtude do princípio (jurídico) da boa-fé. Quando um Estado ratifica um tratado internacional de direitos humanos (como é o caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) ele aceita as consequências que para ele poderão advir em virtude desse mesmo instrumento internacional[ 8 ].

Não se pode olvidar o mandamento do art. 2.º da Convenção Americana, que obriga os Estados-partes a adotar as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos os direitos e liberdades reconhecidos pela Convenção. Vem ao encontro desse preceito o art. 226, 8.º, da Constituição Federal[ 9 ], que atribui ao Estado o dever de coibir qualquer violência verificada dentro de um contexto familiar.

Assim, a falta de aplicação ou a invalidação (pelo Poder Judiciário) da Lei Maria da Penha seria causa bastante para a responsabilização do Estado brasileiro no plano internacional. O tão-só descumprimento da lei, que é fruto repita-se de recomendação de instâncias internacionais das quais o Brasil é parte (Comissão e Corte Interamericana), constituiria motivo suficiente para configurar a violação, pelo Estado brasileiro, dos seus compromissos internacionais voltados à confirmação e efetivação dos direitos fundamentais.

Notas de Rodapé:

[1] V., por tudo, FERRAJOLI, Luigi, Derechos y garantías: la ley del más débil. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999, p. 20-22.

[2] A teoria geral do controle de convencionalidade das leis no Brasil foi ineditamente versada em MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, São Paulo: RT, 2009.

[3] Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women

[4] 4 O Brasil é o 18.º país da América Latina a ter uma lei dessa natureza. ( Enfrentamento da violência contra a Mulher. Disponível em: . Acesso em: 24.12.2010, p. 19).

[5] 5 V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 21-26.

[6] Em dezembro de 1997, a Assembleia das Nações Unidas adotou a Resolução522/86, conclamando os países a revisarem suas leis e práticas nas esferas criminal e social de forma a atender melhor às necessidades das mulheres, assegurando-lhes tratamento justo no sistema de Justiça.

[7] V. Relatóri5454/2001, relativo ao Cas10515151, de 16.04.2001, 56. Cff., por tudo, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 254-257. CFF, 226,8ºº: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do LFG

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