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    Conversão de pena e desproporcionalidade da Lei: quem só vê uma árvore não enxerga a floresta

    há 15 anos

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio; RUDGE, Elisa M. Conversão de pena e desproporcionalidade da Lei: quem só vê uma árvore não enxerga a floresta . Disponível em www.lfg.com.br. 26 de abril de 2009.

    Decisão da Primeira Turma do STF: "A Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para garantir ao paciente a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Na espécie, condenado pela prática dos delitos de estelionato e uso de documento falso ? cuja pena deveria ser cumprida em regime aberto ? fora beneficiado com a substituição da pena corporal pela restritiva de direitos. Ocorre que, intimado pessoalmente pelo juízo da execução para a audiência admonitória, o paciente não fora encontrado, sendo determinada a sua intimação por edital, o que implicara a conversão da pena alternativa em privativa de liberdade. Contra essa decisão, o paciente interpusera apelação, provida pelo tribunal estadual, que, embora reconhecendo a falha do paciente em não trazer aos autos, no momento adequado, seu novo endereço, restabelecera-lhe o benefício. A partir daí, o paciente passara a cumprir todas as condições que lhe foram impostas para a concessão da pena alternativa. Não obstante isso, o STJ dera provimento a recurso especial do Ministério Público para suspender a conversão em decorrência de expressa previsão da Lei de Execução Penal , voltando o paciente a cumprir pena de prisão em regime aberto (...) Entendeu-se não ser razoável impor que o paciente cumprisse, sem temperamento, a letra fria da lei, em clara ultrapassagem dos limites da proporcionalidade e da razoabilidade. Ressaltou-se, ademais, que o paciente vinha cumprindo regularmente a pena restritiva que lhe fora imposta. Considerou-se que o desatendimento a uma formalidade processual, prevista no art. 181 da LEP , qual seja, a informação de mudança de endereço, não poderia merecer relevo tal que frustrasse o cumprimento alternativo da pena, em boa hora introduzido pelo legislador em atenção ao desiderato de ressocialização do infrator. Enfatizou-se que, de fato, com o crescente movimento humanista em torno da pessoa do condenado e o paulatino descrédito da prisão como meio adequado para se conseguir a reforma do delinqüente, passou-se a buscar alternativas viáveis e eficazes para a pena privativa de liberdade, como no caso em apreço. Vencido o Min. Março Aurélio, que indeferia a ordem por entender que houvera fenômeno a atrair a incidência da alínea a do § 1º do art. 181 da LEP : não ter o beneficiado pela substituição atendido ao chamamento judicial ? na medida em que se encontrava em local incerto e não sabido ?, o que teria como conseqüência jurídica, ante a disciplina legal, a volta à pena restritiva da liberdade ." (HC 95370/RS - STF - 1ª Turma - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - DJ: 31.3.2009.)

    Comentários: o julgamento do Habeas Corpus 95.370-RS, noticiado no informativo 541 do STF, traz à baila a questão da substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (e sua conversão em prisão).

    No caso em comento, a pena restritiva de direitos (aplicada pelo juízo de primeira instância) foi convertida em privativa de liberdade, com fundamento no artigo 181 , parágrafo 1º , alínea a, da LEP , que diz:

    "Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal .

    § 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado: a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital ;"

    O plano seco da lei nem sempre é justo: pela letra fria da lei, caso o condenado não seja encontrado (por estar em lugar incerto e não sabido) ou venha a desatender a intimação por edital, a pena substitutiva é convertida em prisão. No plano (muitas vezes seco e insípido) da legalidade, essa a regra.

    Novo crime é causa facultativa de conversão: o dispositivo enfocado, pela sua generalidade e contundência implacável, apresenta alto teor tendencial de desproporcionalidade. Ele trata como causa obrigatória de conversão o fato de o acusado não ser encontrado ou não atender a uma intimação (que, destaca-se, é feita por edital), enquanto que o artigo 44 , § 5º , do CP , trata como causa facultativa de conversão a condenação pela prática de novo crime. Se a prática de um novo crime é causa facultativa de conversão da substitutiva em prisão, o não encontro do réu (ou seu desatendimento da intimação por edital) não pode ser causa compulsória (de conversão) sempre.

    Violação do princípio do devido processo legal: além de desproporcional, a conversão da pena restritiva em privativa com fundamento neste dispositivo viola o devido processo legal, pois o réu intimado por edital nem sempre toma conhecimento da intimação (as pessoas não leem o Diário Oficial, em regra) e assim não têm a oportunidade de se defender.

    Princípio da suficiência da pena substitutiva: fez bem a 1ª Turma do STF em conceder o habeas corpus, restabelecendo o benefício da substituição de pena privativa por pena restritiva e reformando a decisão do STJ, que aplicara a letra fria da lei, em decisão desarrazoada e desproporcional. De outro lado, por força do princípio da suficiência da pena alternativa, quando esta é suficiente não se pode jamais fazer preponderar a pena de prisão.

    Legalidade versus constitucionalidade: estamos, uma vez mais, diante do choque (colisão) entre os vários ordenamentos jurídicos vigentes no nosso país. Uma coisa é o plano da legalidade, outra o da constitucionalidade. O Ministério Público, em geral, tem como parâmetro referencial a legalidade. Nesse mesmo sentido, em geral, posiciona-se o STJ. Já o STF tem preocupação primeira com o patamar da constitucionalidade. Com frequencia esses dois planos normativos são colidentes.

    Quem só vê a árvore não enxerga a floresta: quem mira só o nível de baixo (legalidade) vê a árvare mas não a floresta. Quem se posiciona de cima vê toda floresta e todas as suas árvores. A chance de alcançar o valor justiça é maior, claro, em relação a quem vê o todo (e não somente sua parte).

    Parâmetros distintos de referência: essa é a origem de tantas divergências entre o STJ (tendencialmente legalista) e o STF (primordialmente constitucionalista). A questão, como se vê, reside no parâmetro referencial do julgamento. Quem não abre a Constituição nem os tratados de direitos humanos, só vê a legalidade (é kelseniano absoluto). Ocorre que o plano da legalidade, hoje, precisa ser temperado com as regras jurídicas que estão no patamar de cima (regras constitucionais e internacionais - RE 466.343-SP e HC 87.585-TO).

    O necessário temperamento do STF: o direito vai do Constituinte ao juiz (todos fabricam o direito, como nos diz Villey). Mas quem só maneja o nível da legalidade, claro que não está em condições de ditar o direito. O STJ, em conclusão, muitas vezes, não consegue fugir do verdadeiro leito de Procusto da legalidade. Essa visão (do direito) é míope. Daí a imprescindibilidade do STF que, com sua perspectiva constitucional e internacional, vem temperando (com muita razoabilidade) a jurisprudência legalista (positivista-legalista) do STJ.

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