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3 de Maio de 2024

Da garantia suplementar para comprovação de qualificação econômico-financeira

1. Introdução

O tema do trabalho analisa os aspectos Da garantia suplementar para comprovação de qualificação econômico-financeira, em consonância com o comando alternativo contido no § 2º do artigo 31 da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações).

É comum encontrar nos instrumentos convocatórios (editais e convites) a dupla exigência de garantia para comprovação da boa situação econômica da empresa, cujo contêm clausulas que exigem a comprovação de 10% (dez por cento) do capital social o do patrimônio liquido cumulada com a exigência de garantia de até 5% (cinco) do contrato, nas modalidades previstas no § 1º do artigo 56 da Lei das Licitações.

No primeiro capitulo demonstra-se que o legislador constituinte, por exceção, autoriza ao administrador exigir a comprovação de capacidade técnica e econômica para assegurar o cumprimento da obrigação a ser assumida.

No segundo capitulo, de forma breve, conceitua-se a qualificação econômico-financeira, de modo a expor a metodologia e possibilidades de adotar a exigência de comprovação da boa situação econômica, que visa ensejar segurança na contratação.

No terceiro capitulo, finalmente, disserta-se sobre a possibilidade de exigir garantia suplementar prevista no § 2º do artigo 31 da Lei das Licitações, núcleo do trabalho, fazendo-se o estudo separado em dois aspectos, qual seja, quando e como utilizá-la.

Mister, portanto, expor acerca da ilegalidade cometida quando a garantia suplementar não é aplicada adequadamente, momento em que afeta a competitividade, reduzindo o número de participantes, o que por certo, prejudica o pleno alcance da finalidade imediata do processo de licitação, qual seja, a de contratar com a melhor proposta.

2. Da autorização constiticional de exigir qualificações

O processo de licitação é o instrumento jurídico pelo qual a Administração Pública realiza suas aquisições de materiais, serviços e obras, cujo suas finalidades são: proporcionar a igualdade entre os interessados e obtenção do objeto por meio de contratação com a melhor proposta ofertada.

Na seara da aplicação do principio da igualdade (1) o inciso XXI do artigo 37 da CRFB(2)(Constituição da Republica Federativa do Brasil) ratifica a primazia da Administração Pública de dar tratamento paritário aos interessados em contratar com o Poder Público.

Enquanto que na finalidade de obter o objeto desejado por meio da contratação da melhor proposta, faz-se necessário fomentar a competitividade para pactuar com a proposta de menor custo e que apresente a melhor qualidade.

Nesta esteira, o artigo constitucional aludido, em sua parte in fine, autoriza ao Administrador relativizar o principio da igualdade, no momento em que poderá exigir qualificações técnicas e econômicas que assegurem o cumprimento da obrigação a ser assumida.

Em decorrência, o regulamento das Licitações (Lei nº 8.666/93) estabelece os critérios de avaliação da aptidão do interessado para futura contratação, ocasião em que na fase de habilitação (artigo 27) faz-se analise contida da idoneidade do licitante, objetivando assegurar o cumprimento do alvo final da licitação, qual seja a obtenção do bem almejado.

3. Da qualificação econômico-financeira

O presente estudo cuida apenas da exigência de comprovação de qualificação econômica, que trata de aferir das licitantes em satisfazer os encargos econômicos decorrentes do contrato (3).

Porquanto assim dispõe o artigo 31 do Regulamento das Licitações:

Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta; II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física; III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1º do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.



Em analise inicial, constata-se que o legislador não concedeu livre discricionariedade para o Administrador no que tange as exigências que aferem as condições econômica das licitantes, na medida em que em seu caput limitou as exigências ao seu rol taxativo, vedando, portanto, ao Administrador decretar comprovação além do estabelecido no diploma legal.

Com efeito, o Regulamento das Licitações no exame relativo à boa situação financeira do licitante para execução do objeto licitado, confere ao Administrador estabelecer as exigências contidas em seus incisos I, II e III do artigo 31, quais sejam: balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social; certidão negativa de falência ou concordata; e garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1º do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.

Outrossim, em alguns casos, o artigo 31 § 2º do Regulamento da Licitações, permite que:

A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1º do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.


Verifica-se, portanto, que o legislador foi rigoroso ao estabelecer as normas que visam aferir a qualificação econômico-financeira das licitantes, razão pela qual limitou a atuação dos Administradores, o que por certo, as exigências contidas em ato convocatório além destes comandos são excessivas e ilegais, salvo nas hipóteses em que no caso concreto se justifique maior segurança na contratação.


3.1 Quando aplicar a exigência de garantia suplementar

O Regulamento das Licitações autoriza ao Administrador que estabeleça as exigências contidas no § 2º do artigo 31 da Lei, nas hipóteses de processo de licitação que visam contratação de compras para entrega futura e na execução de obras e serviços.

Com relação às obras e serviços não há duvidas quanto a sua aplicação, porém para as compras de entrega imediata o referido dispositivo não se aplica, haja vista a ausência de riscos para Administração, visto que apenas remunera a contratada após o recebimento do produto.

Neste contexto, o legislador apenas concedeu exceção àqueles casos em que a entrega é futura, i.e., quando é possível a Administração remunerar o contratado e não receber o produto.

Neste momento é relevante expor o conceito de entrega futura, a saber: Quando se efetua uma venda e a mercadoria é colocada à disposição do comprador que, por mera conveniência, optou por recebê-la posteriormente, caracteriza-se a venda para entrega futura (4).

Corroborando, na seara fiscal, assim se conceitua entrega futura:

Conforme determina o próprio nome da operação tratase de uma venda imediata, sem que ocorra a entrega da mercadoria fisicamente. Alguns momentos abrigados por este fato, quando o adquirente quer garantir a entrega da mercadoria, encomendar a fabricação de um equipamento e necessita de documentos comprobatórios para aprovação de financiamentos.(5)



Deste modo, é indefectível a inaplicabilidade dos comandos contidos no § 2º do artigo 31 da Lei das Licitações, quando a compra não for de entrega futura, em respeito ao principio da legalidade, igualdade e competitividade.


3.2 Como aplicar a exigência da garantia suplementar


É cediço que é vedada a exigência de duplicidade de garantia, sendo imperioso que a Administração opte por aquela que melhor lhe assegurar o cumprimento do objeto, em obediência ao inciso XXI do artigo 37 da CRFB cumulado com o § 2º do artigo 31 do Regulamento das Licitações.


Neste contexto, a legislação dispõe que a análise pode ser realizada por intermédio de exigência de capital social mínimo ou patrimônio líquido mínimo, ou ainda, as garantias realizadas em caução em dinheiro, seguro garantia ou fiança bancária, com fulcro no § 2º do artigo 31 c/c § 1º do artigo 56 da Lei 8.666/93.


Observa-se, portanto, que incorre em erro o ato convocatório que exigir a duplicidade de garantia para comprovação, devendo, in casu,optar por uma das modalidades, com arrimo no § 2º do artigo 31 da Lei 8.666/93.


Corrobora com este entendimento a decisão proferida pelo TCU, como segue:


É ilegal a exigência simultânea nos instrumentos convocatórios, que requisito de capital social mínimo e garantias para comprovação da qualificação econômicofinanceira dos licitantes (6)

Tal entendimento é predominante nas decisões do TCU, como se extrai do acórdão, in verbis:

ilegal a exigência cumulativa de capital social mínimo e prestação de garantia para fins de qualificação econômico-financeira. O § 2º do artigo 31, ao permitir a utilização de garantia como comprovante da situação financeira das licitantes, deixou de expresso que esta possibilidade somente poderia ser utilizada de forma alternativa em relação à exigência de capital social mínimo. Referido dispositivo deixa três alternativas ao administrador assegurar-se de que os licitantes terão condições financeiras mínimas para executar o ajuste a ser celebrado: a) capital social mínimo; b) patrimônio líquido mínimo, ou c) prestação de garantia limitada a 1% do valor estimado para o contrato. Tais hipóteses não são cumulativas, mas permitem uma atuação discricionária do gestor na melhor forma de comprovar a qualificação econômico-financeira dos licitantes. Não podem ser utilizadas de forma concomitante, sob pena de transformar a discricionariedade legitima em arbitrariedade vedada por lei... O Min. Humberto Guimarães Souto, ao relatar a Decisão nº 681/98- Plenário, deixou assente que, na hipótese acima, o legislador cuidou de fornecer alternativa e não o somatório das hipóteses que indicou. Não resta duvida que, se assim o fez, foi para evitar que fossem efetuadas imposições demasiadas, que porventura ensejassem a inibição do caráter competitivo do certame.(7)

Ao lecionar em sua obra, Marçal Justen Filho acrescenta:

Não se contraponha o argumento de que a Administração disporia de discricionariedade para escolher a via que bem lhe aprovasse para apurar objetivamente a qualificação econômico-financeira dos licitantes. Esse raciocínio não pode sobreviver a uma questão também objetiva: qual é o melhor para a Administração, entre a situação de o licitante ser titular de um certo patrimônio líquido ou de apresentar seguro garantia no mesmo valor? A resposta é evidente: o mais satisfatório é o seguro-garantia, inclusive porque a evolução dos fatos pode conduzir à redução do patrimônio liquido do sujeito, sem que tal sequer chegue ao conhecimento da Administração. Já o segurogarantia ou outra das alternativas previstas no artigo 56, § 1º, envolve uma situação de segurança muito mais efetiva. (FILHO, 14ª EDIÇAO pag. 482) (8)

Há posicionamentos doutrinários no sentido de admitir a duplicidade da garantia, contudo, impõe-se a motivação que justifique a cumulação, conforme instrui o Nobre Desembargador Jessé Torres Pereira Junior:


A interpretação restritiva bloquearia, então, contra a Constituição, a discricionariedade que esta defere à Administração para assegurar-se de que o concorrente conta com o lastro econômico-financeiro à altura da empreitada. Assim, deve prevalecer interpretação que autorize o edital a cumular as exigências desse § 2º, desde que se enunciem e demonstrem os motivos que as justifiquem no caso concreto (9).

Destarte, restou evidenciado que a duplicidade de garantia é ilegal e restringe a competitividade, reduzindo o número de participantes no processo de licitação.


4. Conclusão


Em louvação aos princípios da legalidade, igualdade e competitividade, infere-se, em nosso entendimento, que é injusta e ilegal a aplicação do § 2º do artigo 31 da Lei nº 8.666/93 nos processos de licitação, que visam compras de entrega imediata, sendo da mesma forma injusta e ilegal a exigência de dupla garantia nos processos licitatórios, desde que não existam motivos que a justifique, em virtude da cogente adoção do procedimento alternativo contido no referido dispositivo legal, devendo o Administrador optar por aquela que melhor atender os comandos contidos no inciso XXI do artigo 37 da CRFB.


Notas:

(1) Para alguns doutrinadores no processo de licitação não há distinção entre igualdade e isonomia no processo de licitação. Pactua com este entendimento o Professor José dos Santos Carvalho Filho: O principio da igualdade, ou isonomia, tem sua origem no artigo da CF, com o direito fundamental e indica que a Administração deve dispensar idêntico tratamento a todos os administrados que se encontrem na mesma situação jurídica.. Manual de Direito Administrativo, 21 ed. 2008. Pag. 233


(2) Art.377777 Inciso XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento)


(3) HELY LOPES MEIRELLES in JOSE DOS SANTOS CARVALFO FILHO. Ob. Cit. 272


(4) Acesso em 28/08/2011 -


(5) Acesso em 28/08/2011 -


(6) Acordão nº 170/2007 plenário Relator Walmir Campelo


(7) Acórdão nº 808/2003, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler


(8) FILHO, M. J. (14ª EDIÇAO). COMENTARIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. SÃO PAULO: DIALÉTICA. Pag. 482


(9) Junior, J. T. (2007). Comentarios à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar. Pag. 427

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