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6 de Maio de 2024

Da misoginia à pirotecnia

Iimagens depreciativas da presidente Dilma Rousseff, revelam que, além de “reacionária” e "incompetente", a mídia configura-se mais do que nunca misógina.

Publicado por Carla
há 8 anos

Por Jeana Laura da Cunha Santos

Não é de hoje que a mídia chamada “golpista” por uns, “reacionária” por outros e “incompetente” para muitos utiliza imagens depreciativas da presidente Dilma Rousseff, revelando que, para além de todos os adjetivos antes elencados, configura-se mais do que nunca como misógina. O presente comentário analisa duas imagens eloquentes deste comportamento que tem como vítima uma mulher democraticamente eleita para governar um país. Com recursos de fotomontagem ou foto em perspectiva, o jornalismo praticado pelos meios hegemônicos constrói sentidos e revela seu caráter ideológico perverso: “Não deixarás viver a feiticeira”.

A capa de Veja da edição de 11 de maio traz dois perfis cabisbaixos sobre um fundo sombrio, contrastando com o vermelho forte da chamada em letras garrafais. Os perfis: no primeiro plano, a presidente Dilma Rousseff; logo atrás, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. A chamada: “Tchau, querida Tchau, querido”. Como subtítulo, a frase: “Com o impeachment de Dilma e a queda de Cunha, o Brasil tem chance histórica de fazer uma limpeza inédita na vida pública”.

Tanto Veja como as demais revistas semanais, com exceção de Carta Capital, continuam sua marcha rumo ao golpe, num esforço nefasto e contínuo… Para qualquer jornalista que se preze, na semana passada o foco deveria ser a derrubada de Eduardo Cunha e tudo o que ele representa. Na linha sucessória do vice-presidente Michel Temer e de Cunha, praticamente todos estão envolvidos com algum tipo de acusação, indícios de contravenções ou denúncia de toda ordem.

Pesam tanto ou mais acusações contra o eventual novo presidente Temer do que com relação à ainda presidente Dilma, muito embora a revista já a tenha varrido para debaixo do tapete com promessas de uma “limpeza inédita na vida pública”. Muito mais do que contra a presidente que obteve 54,5 milhões de votos em 2014 pesam acusações contra o presidente do Senado Renan Calheiros; o senador Zezé Perrela (o homem do helicóptero da cocaína); o relator do golpe no Senado Antônio Anastasia; o relator do golpe na Câmara dos Deputados Jovair Arantes; o senador José Serra; o senador Aécio Neves; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; entre tantos outros.

Da misoginia pirotecnia

Porém, parece que o foco é eliminar Lula das eleições de 2018 e Dilma do comando da Nação. A retardada pressa do Supremo Tribunal Federal em afastar Cunha, e com razão, segue dois caminhos: 1- aliviar a pressão da opinião pública e oferecer, enfim, a cabeça de alguém de peso da oposição; 2 – com Cunha “fora do baralho”, evitar ou retardar o julgamento da ação da Rede que poderia colocar em risco o próprio nome de Temer na presidência e o afastamento de Dilma.

Embora tenha se antecipado e dito em capa da edição do dia 20 de abril que Dilma estaria “fora do baralho”, Veja parece continuar se preocupando com a presidente, num esforço que volta a se repetir até que ela seja defenestrada por completo da vida pública. Tal intenção continua em “primeiro plano”, literal na montagem da capa que a coloca à frente de Cunha e metafórica quando a elege sistematicamente como notícia, embora seja carta “fora do baralho”.

Assim, quando Veja fala em “limpeza inédita na vida pública”, deveria focar nos nomes cotados para o eventual governo Temer, praticamente todos envolvidos com corrupção. Eduardo Cunha cai porque há sobre ele provas concretas de corrupção. Dilma talvez caia, mas não porque haja contra ela provas concretas. E, no entanto, a capa deixa supor que há entre os dois uma equivalência de atos, como se estivessem lado a lado, desconsiderando que foi a partir da não aceitação pela presidente da chantagem de Cunha que este armou o circo do golpe do impeachment, como vingança. Voltaire tem um verso eloquente para quando não se encontra respaldo para a condenação de alguém: “Os caluniadores são como o fogo que enegrece a madeira verde, não podendo queimá-la” (Voltaire).

Não podendo queimar Dilma, continuam tentando.

Estadão tenta queimar Dilma, mas sai chamuscado

Em tempos obscuros, em que a sombra do impeachment paira sobre um governo democraticamente eleito, nunca o elemento fogo esteve tão em alta. Da tocha olímpica que desfila seu fogo ancestral pelas cidades brasileiras à fala do ex-presidente Lula dizendo ser o único que poderia “incendiar o país” (embora tenha ressalvado que não quisesse fazê-lo), a chama alastra-se na velocidade da pólvora. Não bastasse isso, contamos agora com o espetáculo pirotécnico da mídia a atear fogo em uma mulher que legitimamente chegou ao poder, atualizando o sentido do versículo secular “não deixarás viver a feiticeira” (Êxodo, XXII, 18).

Conforme Bertrand Russel (1977), em decorrência desta frase, só na Alemanha, do século de 1450 a 1550, quase 100.000 mulheres foram condenadas à morte. Acusadas de heresia, bruxaria ou traição, a pena a elas imputada era a morte por fogo. A utilização de fogueiras pela Inquisição simbolizava purificação diante da desobediência a Deus, uma vez que o fogo é representativo do Inferno.

Da misoginia pirotecnia

Quase seis séculos depois, o Estado de S. Paulo do último dia 4 de maio investe-se da aura do inquisidor e, pelas mãos do fotógrafo Dida Sampaio, acende a pira que faz o rosto de uma mulher queimar. A foto, tirada durante a cerimônia de acendimento da tocha Olímpica, realizada na terça-feira (3) no Palácio do Planalto, registra a presidente Dilma Rousseff junto ao fogo olímpico. Devido ao ângulo obtido pelo fotógrafo, tem-se a impressão que o rosto de Dilma está em chamas, o que provocou um debate acalorado (com o perdão do trocadilho!) nas redes sociais.

Se o termo pirotecnia designa a técnica de utilização do fogo ou de explosivos para fins de entretenimento visual, nada mais apropriado. Usar o recurso do truque de perspectiva no jornalismo não é novidade e não raras vezes rende honrarias ao autor da façanha. A pesquisadora Sylvia Moretzshon, que também analisou muito apropriadamente a capa do Estadão em ponto de vista do último dia 6 de maio, traz vários exemplos desta prática na história política brasileira, como a foto da presidente Dilma sendo “atravessada” pela espada de um militar em 2011.

Tais fotos em perspectiva, atraentes pelo jogo inusitado e jocoso que contêm, trazem em si o reflexo sociocultural, econômico e político de quem a realiza ou a veicula, convertendo-se assim num aparelho reprodutor de ideologia. Descaracterizando a realidade, sem propriamente inventá-la, revelam a primazia da estética sobre a ética, quando não raro abandonam a ética para ficar com a pilhéria.

Da misoginia pirotecnia

E sabe-se que uma das formas assumidas pela misoginia é o ato de ridicularizar uma mulher, tornando seu corpo e/ou ações risíveis. Outra forma é a violência, também expressa na foto quando alude à morte de uma mulher por fogo. Egô misôn gynaikas (“porque eu odeio as mulheres”) é o verso do dramaturgo grego Aristófanes que teria dado origem à palavra “misoginia” e ao seu significado relativo à aversão a mulheres.

Tanto O Estadão quanto Veja, com suas inclinações sexistas e ideológicas, ao se referirem a Dilma em fotos montadas ou em perspectiva, sugerem que ela não só está fazendo um mau governo, mas que, enquanto mulher, precisa ser incinerada em praça pública. Colocam-na como uma herege que deve ser queimada no fogo da mídia, destituída de sua integridade e poder.

Cortes, manipulações, edições distorcidas de imagens, e até montagens, sempre estiverem presentes no fotojornalismo brasileiro e muitas vezes serviram para driblar a censura de alguns governos. Entretanto, o que se verifica nas imagens aqui analisadas é que em algumas situações estão a serviço do preconceito, da desinformação e muitas vezes refletem a tendência misógina de vários segmentos da grande mídia.

Referências bibliográficas

Russell, Bertrand. Ética e política na sociedade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

*

Jeana Laura da Cunha Santos é pós-doutoranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora no objETHOS

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76 Comentários

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Espero que o JusBrasil não me mande mais este tipo de artigo militante e parcial, e fraco em conteúdo. Perdi minutos de vida lendo. continuar lendo

Deve ser porque nao tem o habito de ler e acha dificil de entender. continuar lendo

Caro Acacio Souto, você devia ocupar o seu tempo com leitura e estudo para entender as coisas. Não acredito que você seja um rapaz que não tenha inteligência, talvez apenas tenha preguiça mental de raciocinar e pensar sobre os assuntos. continuar lendo

Caro Acácio, as surradas narrativas de “golpe” e de "perseguição midiática" ao governo de Dilma Rousseff e ao PT já não colam mais. Essa tática de vitimização já deu o que tinha que dar. Entretanto, não obstante eu discorde em gênero, número e grau do conteúdo de postagens como essa, penso que o Jusbrasil não deva censurá-las. Como dizia Voltaire “ainda que discorde de tuas palavras, defenderei até a morte o direito de dizê-las”. Aqui, temos um espaço democrático em que todas as tendências de opinião devem se manifestar, até porque as verdadeiras estrelas do portal não são propriamente as postagens, mas sim os comentários que suscitam. continuar lendo

Dilma vai mesmo para o inferno a autora que se cuide. continuar lendo

Acácio, um cursinho rápido de intelecção de textos faria bem a você. continuar lendo

Me parece que os defensores do PT acham que o PT deve ser governo mas não pode ser criticado.

"Dilma talvez caia, mas não porque haja contra ela provas concretas."
-> Nisto tem razão. Realmente não há provas, não foi emitida nota fiscal e não há gravação dizendo "olha, usa o dinheiro da CEF e quando for possível o Tesouro paga. E grava esta conversa para servir de prova". continuar lendo

A sociedade (em escala global), está acostumado a diminuir a mulher ou o que remeta a uma mulher.
Seja ela a mãe (dos xingamentos mais comuns temos o "filho da ****", seja para xingar um homem, "parece uma mulherzinha", seja nas relações interpessoais "vira homem".
A figura da mulher, pelo simples fato de existir, já é revolucionário.
A Dilma, como ex-guerrilheira, mãe solteira e "fora dos padrões", é prato cheio para nossa sociedade machista e misógina prosseguir vendendo seus lixos em forma de propaganda. continuar lendo

Collor também sofreu impeachment sem prova nenhuma contra ele e, ao contrário da Dilma, não teve chance de defesa no Senado, sendo afastado em apenas 48 horas do recebimento dos autos.

Será que foi porque ele é homem? Seria misandria? continuar lendo

Concordo com você Jessica Ailanda, na nossa sociedade como no mundo a mulher é renegada a um papel menor. Só que mulheres através da História tem com muita luta ocupado um mínimo espaço do que lhe é de direito. Em todos os setores a mulher é relegada a segundo plano como um ser inferior ao homem. Vejam na Câmara e no Senado, as poucas mulheres combativas são tratadas como lixo. É claro, que a presidenta Dilma é uma afronta a este mundo machista, compostos por bandidos, corruptos que não respeitam nada. Nem a Lei, Nem a Democracia,Nem o Estado de Direito. Mas nós mulheres estamos aí como pedra nos sapatos deles. E a nossa luta é constante. Somos Poderosas e eles sabem e tem isso. continuar lendo

Vitimismo sem FIM. Se tem um processo seletivo e eu não passei, a culpa não é minha, a culpa nunca é minha, afinal, devo ter sempre a preferência, se não passei é porque sou MULHER, HOMOSSEXUAL, AFRODESCENDENTE, E SOFRO DE OBESIDADE. continuar lendo

Se a Dillma é uma incompetente... O que podemos fazer?? E quanto as "combativas" serem tratadas como "lixo" talvez seja por que aceitem ser bucha de canhão do Lulla. continuar lendo

Talvez seja apenas impressão minha, mas parece que falta imparcialidade no texto.

Entretanto, concordo que os comentários e imagens relacionados à presidente Dilma têm sido bastante preconceituosos, vulgares e depreciativos. Estão faltando com o respeito à sua pessoa e autoridade.

Outro ponto a se destacar é a indulgência com que certas reportagens - como as que o artigo acima faz referência - tratam os demais políticos idecorosos que ocupam cargos relevantes no governo brasileiro.

Devemos, sim, criticar o governo que não nos agrada e pleitear pelas causas que acreditamos. Contudo, sem faltar com a ética. continuar lendo

Wilson, a quantidade e o tipo de charges feita dos políticos americanos fariam corar a Dercy Gonçalves. O politico brasileiro é mal acostumado. Além disto, quem deve respeito e satisfação não é a imprensa e sim os políticos, veja como Lula e Dilma tratou FHC na última década. Não houve NENHUM pio de ninguém dizendo ser falta de respeito com ele. Pior nem é falar mal é que muito do dito era simplesmente mentiroso. E nem isto fez com que se perguntasse "Lula, onde está o respeito com o predecessor?". Se não cobram isto nem mesmo dos políticos, qual o problema da imprensa tratá-los assim? E olha que a imprensa hoje é infinitamente mais governista que a da época FHC. continuar lendo

Wilson, a quantidade e o tipo de charges feita dos políticos americanos fariam corar a Dercy Gonçalves. O politico brasileiro é mal acostumado. Além disto, quem deve respeito e satisfação não é a imprensa e sim os políticos, veja como Lula e Dilma tratou FHC na última década. Não houve NENHUM pio de ninguém dizendo ser falta de respeito com ele. Pior nem é falar mal é que muito do dito era simplesmente mentiroso. E nem isto fez com que se perguntasse "Lula, onde está o respeito com o predecessor?". continuar lendo

Não é impressão não. O texto de fato é imparcial e partidário. continuar lendo