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8 de Maio de 2024

Dano moral no atraso salarial aos servidores

Publicado por Espaço Vital
há 8 anos

No presente artigo faço uma síntese dos argumentos expendidos em outro parecer sobre dano moral, que me foi solicitado em data recente.

''Ordenado","proventos","remuneração", "subsídio","salário", são os diversos nomes que a contraprestação ao trabalho adquiriu - tanto no âmbito privado como público - ao longo da trajetória da democracia social na modernidade. São designações que sinalizam, na verdade, a transição dos indivíduos considerados como" coisas ", na servidão, para a sua condição de indivíduos-cidadãos, integrantes de uma sociedade cujo estado foi erigido sob o princípio da igualdade formal.

Esta recompensa pelo trabalho, seja o trabalho tido como" pena "ou como marca da “dignidade humana”, é a expressão econômico-jurídica irrenunciável - obrigação sagrada do tomador - que enseja a superação de necessidades imediatas não cumpridas, nas relações de servidão, para um processo de subordinação legal, remunerada, que permite ao prestador ir ao mercado para adquirir os bens necessários à reprodução da vida.

Conformar uma " estrutura básica " para dar correspondência aos direitos e ensejar obrigações é, como afirmou John Rawls," o objeto primeiro da justiça "(...) sistema público de regras que define um sistema de atividades que leva os homens a agirem em conjunto, de modo a produzir uma maior soma de benefícios e que atribui a cada um certos direitos, que são reconhecidos" (...) pois, "aquilo que alguém faz depende dos direitos que a regras públicas lhe reconhecem, e este direitos, por sua vez, dependem do que ele faz."

A contraprestação, que tem como tomador dos serviços o Estado, adquire uma enorme relevância social, porque os entes públicos estão dotados de uma presunção, estabelecida constitucionalmente, de que prestam serviços em defesa do interesse público, mormente nas áreas da saúde, educação e segurança.

Sua "rentabilidade", por isso, é medida pelo grau de satisfação da comunidade, com o bom desempenho das funções públicas derivadas do Estado, que remunera os seus servidores. É da natureza de qualquer Estado, em consequência, em qualquer regime econômico-social, que o trabalho do servidor público seja medido, na sua eficiência, pelas respostas ele que dá ao interesse público, não pela contabilidade final das relações de custo-benefício, voltadas para o lucro, como é natural numa empresa privada.

O servidor público, portanto, mais além de testemunhar a relação de trabalho perante a sua família, que depende dos seus ganhos para levar uma vida normal na comunidade e de relacionar-se, socialmente (a partir da condição remuneratória originária do seu emprego) presta seus serviços concretizando o interesse público. E o faz a partir de "regras públicas", cuja aplicação - como diz Rawls - "dependem do que ele faz".

A jurisprudência laboral – originária dos tribunais trabalhistas – não é rara em ressaltar os graves danos materiais e morais, decorrentes do inadimplemento salarial nas datas legalmente previstas. O Direito Internacional, por seu turno, é pródigo em apontar instrumentos protetivos do trabalhador contra “certas práticas, as quais arriscariam mantê-lo em uma dependência excessiva (submetendo, por exemplo, o adimplemento da remuneração do trabalhador (ou servidor) à vontade unilateral do tomador dos serviços. Por outro lado, este direito também declara a necessidade de assegurar ao prestador o pagamento rápido e integral do seu salário”, porque este tem “caráter alimentício”, o que lhe imprime “uma função vital” .

Mas, no caso do servidor público, se o Estado não tem recursos, qual a solução? No Mandado de Segurança nº 596073908 RS (relator o desembargador Osvaldo Stefanello, julgamento em 18/11/1996) o Pleno do Tribunal de Justiça do RS, não só declarou a “inconstitucionalidade e ilegalidade” de parcelamentos na remuneração dos servidores, mas reconheceu, na esteira da melhor doutrina, também a “natureza alimentar” da remuneração dos servidores públicos e mais: que “a impossibilidade material em não cumprir a norma constitucional não sana a sua violação”.

É verdadeira a alegação que ninguém – a não ser em casos excepcionais, tipicamente criminosos – deixa de pagar salários por vontade unilateral. Isso não leva, porém, para o campo da legalidade o inadimplemento do Estado-administração, pois mesmo na crise este permanece sujeito de obrigações, direitos e prerrogativas, acima e afora dos governos. A obrigação de reparar o dano material e moral, portanto, permanece intacta.

Mesmo que se considere a fraqueza dos Estados nacionais no período maduro do capitalismo financeiro, perante a força normativa de um “soberano externo supraestatal” que controla a dívida pública, portando-se como um verdadeiro soberano estatal de caráter difuso, o Estado permanece com suas responsabilidades.

Se tal fato histórico-universal, de fato exonera o governante de enquadramento num comportamento delituoso, por estar materialmente – no caso - subordinado a condições criadas num ciclo de 50 anos, o Estado, como estrutura concreta de poder, não pode deixar de ser responsabilizado perante os governados, numa democracia.

Desonerar o Estado de indenizar dano moral e material, em função da crise da dívida pública, é colocar num plano superior ao da Constituição, os contratos realizados com aquele soberano privado supra estatal que indiretamente engessa o seu orçamento, que passaria a ter, de fato, uma força normativa superior à Constituição.

O “não pago porque não tenho”, pode ser uma resposta contingente sincera, para exonerar o administrador do Governo de responsabilidades pessoais, mas não exonera o Estado-administrador, das suas responsabilidades indenizatórias, tanto materiais como morais. 

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