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23 de Maio de 2024

Decisão de Fachin: Inadmissibilidade de confissão captada por câmera sem advertência do direito ao silêncio como prova de condenação é restabelecida

RHC 227.592/SC

Publicado por Walther Afonso Silva
há 10 meses

A recente decisão proferida pelo ministro Fachin, restabelecendo a desclassificação de uma conduta com base na inadmissibilidade de uma confissão captada por câmera sem a devida advertência do direito ao silêncio, levanta importantes questões sobre a proteção dos direitos fundamentais e o devido processo legal.

O referido caso traz à tona a discussão acerca da validade de elementos de prova obtidos sem a observância dos princípios constitucionais, trazendo à tona a importância da salvaguarda dos direitos individuais e a necessidade de garantir uma justiça justa e imparcial.

Veja que a confissão informal do acusado registrada pela câmera dos policiais no momento da abordagem, na qual ele admitiu que a droga apreendida seria vendida, foi considerada inadmissível como elemento de prova para sustentar a condenação. O ministro Fachin fundamentou sua decisão na jurisprudência consolidada da Suprema Corte, destacando o princípio do nemo tenetur se detegere, o direito ao silêncio e a necessidade de uma advertência clara sobre esse direito antes de qualquer interrogatório.

O nemo tenetur se detegere, traduzido como "ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo", é um princípio fundamental do devido processo legal e um dos pilares do sistema jurídico brasileiro. Esse princípio visa proteger o indivíduo contra a autoincriminação forçada, garantindo-lhe o direito de permanecer em silêncio e não se prejudicar em virtude de sua própria fala. Assim, a ausência de advertência sobre o direito ao silêncio antes da confissão captada pela câmera torna essa prova inválida, uma vez que viola o direito fundamental do acusado.

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Além disso, Fachin destacou outro equívoco na fundamentação utilizada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) em relação à quantia em espécie apreendida. O TJSC partiu do pressuposto equivocado de que o acusado deveria provar a origem lícita do dinheiro, quando na verdade é a acusação que deve demonstrar que o numerário foi adquirido por meio da prática criminosa. O ônus da prova da culpabilidade recai sobre o Ministério Público, não cabendo ao réu provar sua inocência ou ser considerado culpado por mera presunção.

O dinheiro apreendido, no montante de R$ 839,00, não se revela suficiente para comprovar, de maneira inequívoca, a suposta mercancia da droga. Conforme consta nos autos, existe a possibilidade de que o dinheiro tenha sido fruto dos serviços prestados pelo acusado como servente, conforme a própria declaração do mesmo.

Nesse contexto, é inaceitável atribuir ao réu o dever de provar sua inocência, pois o princípio da presunção de inocência prevê que a culpabilidade do acusado deve ser comprovada de forma robusta e incontestável pelo órgão acusador.

A decisão inicial de um caso de tráfico de drogas foi alterada pela Magistrada de primeiro grau, que reclassificou a conduta do acusado para a figura prevista no art. 28 da Lei 11.343/2006, que se refere à posse de drogas para consumo pessoal. Esta decisão baseou-se em vários fatores, incluindo a quantidade de droga apreendida com o acusado e a coerência da versão apresentada por ele em todas as fases do processo.

A situação foi complicada pelo fato de o acusado ter sido abordado em um local conhecido por atividades de tráfico de drogas durante a madrugada. Este fato poderia ser interpretado tanto como indicativo de venda de drogas quanto de uso pessoal. No entanto, a dúvida resultante deve favorecer o acusado, de acordo com a jurisprudência consolidada.

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A ausência de provas produzidas pelo Ministério Público durante a instrução processual ou a confirmação em juízo de um elemento seguro obtido na fase inquisitorial, capaz de eliminar qualquer dúvida razoável sobre a culpabilidade do acusado, também foi um fator importante na decisão.

Finalmente, a decisão da Magistrada de primeiro grau foi restabelecida pelo Ministro Fachin, que concedeu a ordem para reclassificar a conduta do acusado de tráfico de drogas para posse de droga para consumo pessoal. Esta decisão foi comunicada com urgência ao Juízo da causa, ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e ao Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, nota-se que a decisão proferida pelo ministro Fachin reforça a importância de proteger os direitos fundamentais e garantir um processo justo e imparcial. A inadmissibilidade da confissão captada por câmera sem a devida advertência do direito ao silêncio e a necessidade de comprovação robusta da culpabilidade do acusado são aspectos essenciais para assegurar a salvaguarda dos direitos individuais e a observância do devido processo legal.

É fundamental que as autoridades judiciárias e o Ministério Público respeitem os direitos dos acusados, evitando violações constitucionais que possam comprometer a validade das provas e a justiça do sistema penal.

Trecho final da Decisão:

"No caso, como dito, uma breve análise da fundamentação contida no acórdão condenatório é suficiente para verificar a ausência de fundamentação hábil a demonstrar de forma segura a prática do crime de tráfico. Ressalto, ainda, que a verificação da ilegalidade apontada não demanda o reexame dos fatos e provas contidos nos autos, mas tão somente a análise e revaloração da fundamentação utilizada para a comprovação da autoria do tráfico de drogas atribuída ao ora paciente. Nesse passo, adequada a solução pelo Juízo singular que, não antevendo elementos suficientes para condenar o paciente como incurso no art. 33, da lei 11.343/2006 desclassificou a conduta para a figura prevista no art. 28 da mesma Lei. Com efeito, como bem pontuou o Min. Alexandre de Moraes, em caso análogo ao presente"Sem precisar examinar a fundo a matéria fática, a solução adequada ao caso é a desclassificação da conduta para aquela prevista no art. 28 da Lei 11.343/2006, sendo certo, consoante antigo julgado desta CORTE, que é questão de direito definir o campo da livre apreciação das provas, para anular decisão calcada em dados meramente subjetivos, fruto de convicção íntima, haurida de elementos probatórios indiretos ( HC 40.609, Rel. Min. EVANDRO LINS, Tribunal Pleno, DJ de 3/9/1964"( HC 181.630/SP, Relator Min. Alexandre de Moraes, j. 05.03.2020, grifei). Posto isso, com fulcro no art. 21, § 1º do RISTF, concedo a ordem para restabelecer a sentença de 1º grau que desclassificou a conduta de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006) para posse de droga para consumo pessoal (art. 28, caput, da Lei 11.343/2006). Comunique-se, com urgência, ao Juízo da causa."

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