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28 de Maio de 2024
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    Desoneração da Folha. Normas Epidêmicas

    Publicado por COAD
    há 11 anos

    Kiyoshi Harada

    Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela Fadusp. Mestre em Processo Civil pela Unip. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos da Fiesp - Conjur. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ). Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Autor do sitewww.haradaadvogados.com.br.

    Já está incorporada na rotina legislativa a elaboração de normas tributárias dúbias, confusas e complexas, provocando um verdadeiro caos na legislação tributária por meio de alterações e supressões parciais ou totais de inúmeros dispositivos de várias leis, de um lado, e acréscimos de dispositivos, parágrafos e incisos recheados de hipóteses excepcionais, de outro lado.

    Normalmente, esse caos legislativo tem origem em medidas provisórias que são editadas com velocidade incrível e celeremente aprovadas pelo Congresso Nacional, sem a prévia verificação dos requisitos constitucionais de relevância e urgência. O texto constitucional prescreve: \"em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias...\".

    Resulta com solar clareza que a edição de medida provisória exige um acontecimento no mundo fenomênico de um determinado fato superveniente anormal, a exigir imediata regulamentação normativa, incompatível com o processo legislativo normal.

    A medida provisória, que nos termos constitucionais é um instrumento normativo excepcional e de grande utilidade se bem empregada, transformou-se em um instrumento legislativo regular, predominando sobre as leis ordinárias de iniciativa do Executivo ou do Legislativo. Só para citar, na Medida Provisória nº 449/2008 o legislador palaciano conseguiu detectar nada menos que 44 situações urgentes e relevantes que teriam surgido da noite para o dia, a exigir imediata regulamentação normativa, dentre as quais, a necessidade de alteração da denominação do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda para Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

    Essa inversão legislativa ocorre porque não interessa ao Congresso Nacional a prévia triagem da medida provisória para aferir os requisitos da relevância e da urgência por conta de costumeiras caronas legislativas. Ao texto original da medida provisória enviada pelo Executivo, inúmeras disposições que nada têm em comum com as normas originárias são \"contrabandeadas\" para o bojo da medida provisória em discussão, a fim de valer-se do processo legislativo privilegiado. É o caso, por exemplo, da Medida Provisória nº 457/2009 que cuidava originalmente apenas do parcelamento das contribuições sociais devidas pelos municípios em 240 meses. Em seu bojo, foram introduzidos dispositivos estranhos à matéria, inclusive aquele que modifica o critério de cálculo dos juros moratórios em precatórios judiciais.

    Exemplos de normas epidêmicas de que falamos no título deste artigo são aquelas previstas na Lei nº 12.546, de 14-12-2011, fruto de aprovação da MP nº 540/2011, que instituiu o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras e que, dentre outras matérias, altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona e, ao mesmo tempo, remexe com nada menos que uma dúzia de instrumentos legislativos em vigor. Essa lei sofreu alteração pela MP nº 563, de 3-4-2012, convertida na Lei nº 12.715, de 17-9-2012 e pela Medida Provisória nº 582, de 20-9-2012, e certamente outras serão editadas para alargar os setores da economia abrangidos pelo novo regime tributário. Essa lei ficou conhecida como medida legislativa que desonera a folha de pagamento, título simpático, mas que na realidade aumenta a arrecadação tributária da União. Conforme se verifica da mídia, o governo tem anunciado o montante de exoneração da contribuição previdenciária patronal, mas não tem divulgado o montante a ser arrecadado pela nova contribuição social.

    Essa lei aparentemente tem seu fundamento no § 13, do art. 195 da CF que prevê a substituição gradual da contribuição previdenciária patronal pela contribuição incidente sobre a receita bruta ou o faturamento, com o objetivo de reduzir a carga tributária das empresas e aumentar a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional, além de induzir o aumento de contratação de empregados.

    Pois bem, essa Lei nº 12.546/2011, pelo seu art. , na redação dada pela Lei nº 12.715, de 17-9-2012, substituiu, até o dia 31 de dezembro de 2014, as contribuições previstas nos incisos I e III, do art. 22, da Lei nº 8.212/91, pela incidência de 2% sobre a receita bruta relativamente a empresas:

    I - que prestam os serviços referidos nos §§ 4º e , do art. 14, da Lei nº 11.774/08 (Serviços da Tecnologia da Informação - TI - e Serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC);

    II - que operam no setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da CNAE 2.0;

    III - que operam no transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0.

    Essa substituição, contudo, não se aplica a empresas que exerçam as atividades de representante, distribuidor ou revendedor de programas de computador, cuja receita bruta decorrente dessas atividades seja igual ou superior a 95% da receita bruta total (§ 2º, do art. , na redação dada pela Lei nº 12.715/2012). Outrossim, nos termos do § 6º introduzido por essa Lei de nº 12.715/2012 a contratação de empresas para a execução dos serviços referidos no caput, mediante cessão de mão de obra, na forma definida pelo art. 31, da Lei nº 8.212/91, sujeita a empresa contratante à retenção de 3,5% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.

    O art. , da Lei nº 12.546/2011, por sua vez, promoveu a substituição das contribuições sociais antes referidas até 31 de dezembro de 2014, pela incidência de 1% sobre o valor da receita bruta em relação às empresas que fabricam os produtos classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto nº 7.660/2011 nos códigos que menciona. Porém, esse artigo também foi alterado pela MP nº 563/2012, já convertida na Lei nº 12.715/2012 para alargar o seu campo de abrangência, substituindo os códigos antes enumerados pelos códigos referidos no \"Anexo a esta Lei\". E o Anexo em questão contempla um número enorme de códigos de atividades econômicas de forma casuística e com exceções igualmente casuísticas. Alteração introduzida pela Lei nº 12.715/2012 dispôs que a substituição somente se aplica em relação aos produtos industrializados pela empresa. Igualmente, estabeleceu uma série de exceções à aplicação do regime tributário substitutivo, tornando a legislação complexa e caótica. Nova Medida Provisória, a de nº 582, de 20-9-2012, veio alterar o Anexo referido na lei, acrescendo e subtraindo produtos classificados na Tipi. Certamente, outras medidas provisórias serão editadas para remexer as classificações de produtos ao sabor dos interesses do momento.

    Com essas medidas, algumas das empresas enquadradas em um desses códigos poderá ter a carga tributária violentamente aumentada por conta dessa substituição casuística da contribuição previdenciária pela contribuição sobre a receita bruta, opção mais gravosa feita pelo legislador ordinário ante as alternativas oferecidas pelo legislador constituinte derivado. É visível o prejuízo das empresas atingidas que tinham uma folha de pagamento diminuto e uma receita bruta razoável.

    E para garantir que a substituição do tributo não gere diminuição da receita tributária, o § 3º, do art. 9º da lei determina a incidência proporcional da contribuição social do art. 22, da Lei 8.212/91 sobre o décimo terceiro salário sempre que a empresa tiver parte das atividades não abrangida pelos setores de serviços e de produção objetos de substituição pelo novo regime tributário.

    Apesar de aparentemente genérico e abstrato, o instrumento normativo em questão, aplicável para todas as empresas que exercem as atividades mencionadas, o art. da Lei nº 12.546/2011, na realidade provoca dano a determinado setor empresarial, gerando efeitos contrários aos almejados pela Emenda Constitucional nº 42, de 19-12-2003, que previu a substituição gradual da contribuição previdenciária patronal. Falta à lei referida o respaldo da legitimidade à medida que ela não atende aos objetivos visados pelo legislador constituinte derivado.

    Não permitindo ao contribuinte atingido pela nova lei a opção pelo regime tributário anterior que lhe é favorável, essa Lei nº 12.546/2011 assume a feição de uma lei de efeito concreto, passível, em tese, de responsabilização civil do Estado. O fato de a lei ter prefixado o prazo de sua vigência, bem como o casuísmo na eleição de contribuintes que tiveram alterado o regime tributário, por si só, já retira o caráter de generalidade e abstração da lei. O fato é que o gravame específico imposto à determinada categoria de contribuinte não se reveste do caráter genérico e abstrato. Igualmente, a substituição de uma contribuição social por outra, por período certo, que não tem previsão constitucional, representa uma forma de testar a eficiência da arrecadação tributária, sendo que as empresas escolhidas aleatoriamente servem a esse propósito.

    Dentre as atividades empresariais sujeitas à nova lei, algumas sofrem um grande impacto em sua carga tributária de tal ordem que elimina as perspectivas de crescimento e de expansão de suas atividades existentes à época da vigência do regime tributário anterior.

    Assim, essa lei acaba funcionando como fator inibidor do quadro de empregados, produzindo efeitos contrários aos visados pelo legislador constituinte.

    Ante a frequência com que a legislação tributária vem sendo alterada por meio de normas epidêmicas da espécie de difícil aplicação, bem como causando danos financeiros à determinadas empresas em proveito de outras que são beneficiadas, cabe à doutrina e à jurisprudência repensar a questão da responsabilidade do Estado por atos legislativos.

    Na jurisprudência, encontramos dois pronunciamentos sobre a responsabilidade estatal por atos legislativos, referentes às hipóteses de leis inconstitucionais (RE nº 153.464, RDA 189/305-306 e RE nº 158.962, j. em 4-12-1992).

    Entendemos que, independentemente de a lei ser constitucional ou inconstitucional, se ela causar dano específico e direto para determinadas pessoas ou determinado segmento da economia, o Estado deverá responder pela indenização respectiva. Basta atentar para as hipóteses de leis de proteção ambiental que sem serem inconstitucionais impõem ônus grave e injusto para determinados proprietários de terras.

    A responsabilização do Estado pela edição de lei de efeito concreto nem sempre depende de sua inconstitucionalidade. Nesse sentido é a opinião dos administrativistas, dentre os quais, Toshio Mukai1, Odete Medaur2 e Maria Sylvia Zanella Di Pietro3.

    1 Direito administrativo sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 535.

    2 Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 443.

    3 Direito administrativo. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 509.

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