Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
5 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Do direito de recorrer em liberdade na visão do Supremo Tribunal Federal

    há 15 anos

    Como citar este artigo: CAPEZ, Fernando. Do direito de recorrer em liberdade na visão do Supremo Tribunal Federal . Disponível em http://www.lfg.com.br 19 março. 2009.

    Com base no art. , inciso LVII , da Constituição da República, que prescreve que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, em sessão realizada em 05/02/09, reconheceu a réu condenado por tentativa de homicídio duplamente qualificado o direito de recorrer, aos tribunais superiores, em liberdade.

    Referida decisão objetivou pôr termo a uma antiga discussão sobre a execução imediata da sentença condenatória na pendência de recurso extraordinário e especial, dada a ausência de efeito suspensivo dos mencionados instrumentos processuais, fazendo com que os réus cumprissem antecipadamente a pena, o que levava parte da doutrina e da jurisprudência a considerá-la clara violação ao princípio da presunção de inocência.

    É certo, no entanto, que a 1ª Turma do STF, no HC 90645/PE , já havia se pronunciado no sentido de que essa espécie de execução não violaria o sobredito princípio, porém, tal orientação acabou por ser reformulada no HC 84078 , o qual foi impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que mantivera a prisão preventiva do paciente, sob o argumento de que os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo.

    De acordo com a nova linha de entendimento da Corte Suprema, transgride o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu (desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP). Dentre os argumentos esposados, afirma-se que:

    (a) os arts. 1055 ,1477 e1644 daLei de Execução Penall seriam adequados ao preceito encartado no art. 5ºº , LVII , daCFF , sobrepondo-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 6377 doCPPP , que preceitua que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença;

    (b) a execução provisória da pena privativa de liberdade violaria, além do princípio da presunção de inocência, o da isonomia, dado que as penas restritivas de direitos não comportariam execução antes do trânsito em julgado da sentença condenatória;

    (c) o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência, constituindo garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sanção ou conseqüência jurídica gravosa. No entanto, esse quadro teria sido alterado com o advento da Lei 8.038 /90, que estabeleceu normas procedimentais relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os recursos extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo. A supressão do efeito suspensivo desses recursos seria reflexo de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960 /89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072 /90. (cf . Informativo n. 534 do STF)

    Sobreleva aqui questionarmos a aplicabilidade do art. 27 , § 2º , da Lei n. 8.038 /90 no processo penal.

    Reza o mencionado dispositivo legal que os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo. Diante disto, a doutrina majoritária sustenta que tais recursos careceriam de efeito suspensivo, o que significa dizer que a interposição quer do recurso especial, quer do recurso extraordinário, não obstaria a execução imediata do conteúdo da decisão jurisdicional; sendo possível, portanto, a execução provisória do julgado.

    Tal entendimento, no âmbito do processo penal, deve, necessariamente, ser outro, em virtude das peculiaridades da relação jurídica material que constitui o seu objeto.

    Ao apregoar que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" e que "ninguém será privado da liberdade... sem o devido processo legal", a Constituição Federal , art. , LVII e LIV , respectivamente, confere ao Poder Judiciário, mediante atividade jurisdicional, exercida nos parâmetros do devido processo legal, a exclusividade da tarefa de infirmar, em decisão passada em julgado, a inocência do acusado, até o momento tida como dogma. Demonstra, portanto, clara opção por um processo penal centrado no respeito à liberdade individual e à dignidade do ser humano, em contraposição ao sistema até então vigente, declaradamente inspirado no Código de Processo Penal italiano da década de 30, de orientação fascista.

    A redação conferida pelo legislador constituinte ao dispositivo do art. 5º, LVII ("ninguém será considerado culpado...") privilegia o denominado princípio da presunção de inocência sob o enfoque da regra de tratamento que os agentes incumbidos da persecução penal devem adotar perante o acusado. Proíbe-se, nessa perspectiva, toda e qualquer forma de tratamento do sujeito passivo da persecução que possa importar, ainda que implicitamente, a sua equiparação com o culpado.

    E não há dúvida de que a execução do conteúdo da condenação antes do seu trânsito em julgado apresenta-se como uma das maneiras de se realizar esse paralelo.

    Assim, mesmo que, na espécie, se verifique a necessidade de submeter o acusado à prisão cautelar (provisória, instrumental e necessária aos fins do processo penal), ou de confirmar a já decretada (atos que devem, sob pena de nulidade, ser satisfatoriamente fundamentados), ao recurso deve ser conferido efeito suspensivo, pois os motivos do encarceramento em um e em outro caso não se confundem.

    Esta prisão, qual seja, a lastreada na inexistência de efeito suspensivo de recurso possui natureza de pena privativa de liberdade, de sanção imposta a quem reconhecidamente praticou infração penal; em outras palavras, só pode ser, ou melhor, só poderia ser imposta a pessoa que já perdeu a condição de inocente, mediante decisão condenatória de natureza penal transitada em julgado. A prisão cautelar, por outro lado, funda-se na necessidade de se assegurar, mediante a privação do direito individual de liberdade, a eficácia da tutela jurisdicional a ser outorgada ao final do processo, sem que se questione a culpabilidade do investigado ou do acusado.

    Desse modo, o simples acórdão condenatório não pode servir de fundamento idôneo para, por si só, demandar a custódia do paciente antes do trânsito em julgado. No entanto, a interposição do recurso especial e/ou recurso extraordinário não impede, em princípio, a prisão do condenado, desde que presentes os requisitos da prisão cautelar. Esta, por ser compatível com o mencionado art. , LVII e LIV , da Constituição Federal , é que pode ser imposta antes do trânsito em julgado, não a decorrente da regra do art. 27 , § 2º , da Lei n. 8.038 /90, que, por expressa disposição legal, constitui execução provisória da condenação.

    Caro leitor, caso haja interesse em receber outros e.mail's como este, com artigos, acórdãos recentes ou outras informações jurídicas, por favor, envie a sua confirmação, para o endereço eletrônico fcapez@terra.com.br, possibilitando o recebimento regular dos informativos do Professor Fernando Capez.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876142
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1426
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/do-direito-de-recorrer-em-liberdade-na-visao-do-supremo-tribunal-federal/952535

    Informações relacionadas

    Tribunal de Justiça de Minas Gerais
    Jurisprudênciahá 2 anos

    Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Apelação Criminal: APR XXXXX-90.2020.8.13.0701 Uberaba

    Rogério Tadeu Romano, Advogado
    Artigoshá 2 anos

    As decisões definitivas ou com força de definitivas e as decisões interlocutórias mistas no processo penal

    Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
    Notíciasano passado

    STF Jan23 - Prisão Preventiva revogada por condenação em Regime Semiaberto

    Superior Tribunal de Justiça
    Jurisprudênciahá 5 anos

    Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC XXXXX RJ XXXX/XXXXX-7

    Cássio Duarte, Advogado
    Artigoshá 3 meses

    STJ garante direito de réu condenado por tráfico a recorrer em liberdade

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)