Doutrina: direito ou dever de apontar os erros do STF?
Nota propedêutica
É de todos conhecida a cena do filme Dossiê Pelicano, quando a personagem vivida pela atriz Julia Roberts contesta seu professor, depois deste achar normal que a US Supreme Court considerasse constitucional a criminalização da sodomia [1] pelo estado da Geórgia: A Suprema Corte errou, diz ela. Eis o fator Julia Roberts, aqui já delineado em outras colunas.
Ou seja, é necessário dizer quando a Corte Suprema de um país erra. Para que ela não continue errando. É dever da doutrina. As palavras não refletem a essência das coisas, sabemos. A palavra água não molha. Nem a palavra bomba explode. Mas a palavra doutrina... deveria significar queadoutrina-doutrina.
Explicando o problema concreto
A Constituição do Brasil, em seu artigo 102, inciso I, alínea r, estabelece que Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processo e julgar originariamente as ações contra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Pois bem. Ao ser ajuizada a Ação Ordinária 1.706-DF na Suprema Corte, a União Federal postula a declaração da nulidade da decisão do CNJ em um determinado Processo de Controle Administrativo (PCA), na parte em que considerou legais os pagamentos efetivados pelo STJ e pela Justiça Federal a seus servidores em desacordo com o Acórdão 582/2003 do TCU, a fim de que os processos individuais de cobrança retomem os seus respectivos cursos. No entanto, a discussão voltou-se para uma questão de ordem processual precedente à análise do mérito da demanda. E então a coisa complica.
Conforme o decisório do STF em Agravo Regimental, a sua competência originária no que tange às causas de impugnação a deliberações emanadas do CNJ alcança tão somente as hipóteses de impetração, contra referido órgão do Poder Judiciário (CNJ), de mandado de segurança, de habeas data, de habeas corpus (quando for o caso) ou de mandado de injunção, pois, em tal situação, o CNJ qualificar-se-á como órgão coator impregnado de legitimação passiva ad causam para figurar na relação processual instaurada com a impetração originária, perante a Suprema Corte, daqueles writs constitucionais.
Para tais casos, entendeu a Suprema Corte que o CNJ, por ser órgão não personificado, define-se como simples parte formal, revestido de mera personalidade judiciária, achando-se investido, por efeito de tal condição, da capacidade de ser parte, circunstância essa que plenamente legitima a sua participação em mencionadas causas mandamentais.
Ou seja, tratando-se de ações originárias que tem como sujeito passivo o CNJ (como no caso da Ação Ordinária sob comento, mas existem outras ações [2]), entende o Supremo que não se configura a sua competência originária. Para ele, nas hipóteses não compreendidas no artigo 102, inciso I, alíneas d e q, da Constituição, a legitimação passiva ad causam referir-se-á, exclusivamente, à União Federal, pelo fato de as deliberações do Conselho Nacional de Justiça serem juridicamente imputáveis à própria União Federal, que é o ente de direito público em cuja estrutura institucional se acha integrado o CNJ.
Refira-se que esse entendimento que não reconhece a competência originária do STF para processar e julgar ações ajuizadas contra o CNJ exceto os casos do artigo 102, alíneas d e q e, portanto, torna competente para processar e julgar as demais causas a justiça federal comum, tem sido reafirmado em outros julgamentos do próprio Supremo.
Pergunto: Seria a União contra a União? Por certo, há sobejadas razões de ordem pragmática que conduzam a esse entendimento do STF. Mas não é disso que se trata. Na verdade, como demonstrarei a seguir, está em jogo algo maior, que a força normativa da Constituição.
Crítica ao entendimento do STF
Do que se viu acima, o caso é simples. O STF declinou de sua competência para julgar ações do CNJ, dizendo, mutatis, mutandis, que onde está escrito ações contra o CNJ (art. 102, I, r da CR/88), isto não quer dizer ações, mas apenas quer dizer que o Supremo deve julgar MS, MI e HC. Exatamente assim.
Mas, como isso é possível, hermeneuticamente falando? Eis a questão. A começar: o que fazer com as alíneas d, i e q do mesmo artigo, que tem redação explícita sobre quais ações cabem? Ou seja, se o constituinte quisesse restringir as ações contra o CNJ, o teria feito como nas demais alíneas. Trata-se, aqui, daquilo sobre o qual venho escrevendo de há muito: os limites semânticos ...
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