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3 de Maio de 2024
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    É ilegítima lei que revogou execução fiscal da União na Justiça estadual

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos

    Provêm da doutrina norte-americana, capitaneada por Cooley e seguida entre nós por Rui Barbosa, as normas constitucionais em sel-executing provisions e not self-executing provisions, expressão traduzida como normas autoaplicáveis ou autoexecutáveis. Essas normas tratam de preceitos completos que não requerem nenhuma complementação por via de lei infraconstitucional e, assim, têm aplicação imediata. Já as normas não autoaplicáveis ou não auto-executáveis dependem de complementação legislativa para serem executadas.[1]

    Nem todas as normas que integram a Constituição são passíveis de incidência imediata em relação à realidade que tratam. Muitas só poderão ser aplicadas, no sentido de plena eficácia, quando da interposição de outra norma, genérica e abstrata, entre o que enuncia e a concretização por ela visada.[2]

    As normas não-autoxecutáveis meramente indicam princípios, sem estabelecer normas por cujo meio se logre a dar a esses princípios vigor de lei.[3]

    O art. 15 da Lei 5.010/66 teve por finalidade outorgar eficácia plena a uma norma não autoexecutável, no caso, ao § 3º do art. 109 da Constituição Federal. O dispositivo estabelecia que, “nas comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal, os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar: Inc. I - os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas”.

    A autorização para o deslocamento da competência da Justiça Federal para a Justiça estadual decorre de norma de eficácia limitada (de legislação) expressamente prevista na Constituição Federal, art. 109, § 3º, da Constituição Federal § 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

    Portanto, o art. 15, inc. I, da Lei 5.010/66, teve por fundamento uma norma de eficácia limitada (de legislação) prevista no § 3º do art. 109 da Constituição Federal.

    J. H. Meirelles Teixeira divide as normas de eficácia limitada em duas espécies: norma de eficácia limitada programática e norma de eficácia limitada de legislação. A primeira apresenta programas éticos e sociais que devem ser concretizados pelo legislador ordinário. A segunda depende de legislação ordinária para concretizar o núcleo essencial previsto na Constituição.[4]

    José Afonso da Silva insere o disposto no § 3º do art. 109 da Constituição como sendo de eficácia limitada, pois não apresenta normatividade suficiente sem a expedição de ulterior norma infraconstitucional.

    Note-se que a regulação da competência delegada prevista no art. 15, inc. I, da Lei 5.010/66, embora proveniente de uma lei ordinária, jamais perdeu sua essência de norma constitucional, ou melhor dizendo, de instrumento de concretização de princípios e valores previstos na Constituição Federal.

    Mudança na legislação
    Porém, o art. 15, inc. I, da Lei 5.010/66 foi revogado pelo art. 114, inc. IX, da Lei 13.043/2014, o que significa dizer que a União e suas autarquias poderão promover a execução fiscal na sede da Seção ou Subseção Judiciária Federal, ainda que não seja esse local o do domicílio ou residência do devedor.

    A problematização que se coloca em análise é se o legislador ordinário poderia revogar o art. 15, inc. I, da Lei 5.010/66, sem alteração das condições essenciais impostas pela Constituição Federal, tendo em vista que esse dispositivo teve por objetivo concretizar e instrumentalizar em nosso ordenamento jurídico os princípios e valores estabelecidos na norma de eficácia limitada prevista no § 3º do art. 109 da Constituição.

    É importante salientar que toda a construção normativa do § 3º do art. 109 não tem por finalidade outorgar novas prerrogativas (tutelar) à União ou às suas autarquias (tais prerrogativas estão no caput do art. 109, ou seja, foro privilegiado na Justiça Federal), mas sim tutelar aquele que litiga com o ente federado (seja ele no âmbito previdenciário ou de execução fiscal), resguardando o processo público com todas as suas garantias, especialmente a melhor forma de favorecer e resguardar o contraditório e a ampla defesa, mantendo-se o conhecimento e o processamento de determinada questão no domicílio da parte, em tese, menos favorecida em relação ao Poder Público.

    A inserção legislativa de nova exceção à competência absoluta da Justiça Federal também estabelece uma nova perspectiva ao princípio do juiz natural, pois, onde não há Vara Federal, a competência para processar e julgar a causa será a Justiça estadual.

    E a lei ordinária, ao concretizar e instrumentalizar determinada norma de eficácia limitada programática ou de legislação, deverá incorporar o sistema de valores, concretizando princípios e programas implicitamente agasalhados pelo texto constitucional.[5]

    Aliás, conforme já teve oportunidade de afirmar Jorge Miranda, entre as normas programáticas e preceptivas não existe diferença de natureza e valor, uma vez que sua diferenciação encontra-se na estrutura e na projeção no ordenamento, tendo em que vista que nenhuma delas é mera proclamação política ou cláusula não vinculativa.

    É importante salientar que a norma prevista no § 3º do art. 109 da Constituição Federal, além de ser de eficácia limitada (pois depende de outra norma infraconstitucional para concretizar sua plena eficácia), também estabelece diretrizes (norma constitucional diretiva) a serem seguidas pelo legislador infraconstitucional. Embora essas diretrizes não constranjam o legislador a seguir determinado caminho, obriga-o a não usar via diversa.[6]

    O art. 15, inc. I, da Lei n 5.010/66 teve por finalidade justamente concretizar os valores e os princípios consagrados no § 3º do art. 109 da Constituição Federal.

    A concepção teleológica desse dispositivo tem por objetivo resguardar o direito fundamental do cidadão ao processo público com todas as garantias, em outras palavras, ao devido processo legal, especialmente o princípio previsto no art. , inc. LV, da Carta Magna.

    A Constituição Federal, ao excepcionar a competência da Justiça Federal para julgar causas de beneficiários da previdência social, exteriorizou a essência dessa normatividade, qual seja, a garantia de melhor concretização do contraditório e da ampla defesa no domicílio do autor, ainda que esse domicílio não seja sede da Justiça Federal.

    E a Constituição Federal somente permitiu ao legislador ordinário estabelecer novas exceções à competência da Justiça Federal, caso se verifique essa condição, qual seja, favorecer ao litigante maior concretude ao contraditório e à ampla defesa.

    O § 3º do art. 109 da Constituição Federal apresenta, indubitavelme...

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